• Breviário da presidente é o discurso da vitória
- Valor Econômico
O novo governo Dilma ainda nem tomou posse e já parece envelhecido. A presidente não teve o período de lua de mel costumeiramente concedido aos vencedores, resultado de uma disputa acirrada, mas reza a boa norma da política que se deem ao menos 100 dias para avaliar a nova administração. Em seu discurso da vitória, a presidente da República fez inúmeras promessas, inclusive de mudança pessoal. É justo que se espere pelos primeiros movimentos de Dilma em relação ao próximo mandato, antes de assestar as baterias em direção ao Palácio do Planalto.
O breviário de Dilma para o segundo governo é o discurso pronunciado no calor do resultado eleitoral. Escrito previamente, o que significa dizer que Dilma Rousseff mediu e pesou cada vírgula do manifesto. A presidente parece ter compreendido muito bem o significado de uma vitória por margem reduzida de votos, a menor desde que o PT chegou ao Palácio do Planalto, nas eleições de 2002.
"Algumas vezes na história resultados apertados produziram mudanças mais fortes e mais rápidas do que vitórias muito longas", disse. "É essa a minha esperança". Não é lícito supor de antemão que falte convicção às palavras de Dilma, como faz parte da base aliada e da oposição. É injusto falar em negação da realidade. As palavras de Dilma mais parecem a profissão de fé de quem entendeu que teve a maioria dos eleitores, mas do outro lado ficaram 51 milhões de votos para os quais o caminho da mudança deveria passar pela oposição.
Prova disso é o chamamento ao diálogo, o "meu primeiro compromisso". É certo que Dilma afirmou que quer ser "uma pessoa ainda melhor do que tenho me esforçado por ser", mas não pronunciou o nome de seu adversário, Aécio Neves (PSDB), numa demonstração de que não digeriu ser chamada de "leviana" durante a campanha eleitoral. Um adjetivo com interpretações regionais diversas, dentre as quais, a presidente e o PT escolheram a pior para caracterizar o oponente como um homem que não respeita as mulheres. Dilma poderia passar sem essa.
A presidente se disse "disposta a abrir um grande espaço de diálogo com todos os setores da sociedade para encontrarmos as soluções mais rápidas para os nossos problemas". Deixou crispados os congressistas ao falar de plebiscito para a reforma política, mas esse é um assunto que não vai adiante sem a mediação dos partidos e a aprovação do Legislativo. A seu tempo, a conta a ser cobrada da presidente não é pequena: retomada do crescimento, manutenção do nível de emprego e valorização dos salários, recuperação da indústria, rigor no combate à inflação e "avanço" no terreno da atividade fiscal.
Dilma só fez um compromisso com data marcada: promover o diálogo, a participação e a parceria de "todos os setores produtivos e financeiros do nosso país", segundo o breviário, "antes mesmo do início do meu próximo governo". Ou seja, é algo para ser tocado já em sua volta do G-20.
Exige-se também da presidente urgência na definição dos nomes que devem comandar a economia a partir de 2015. Faltam pouco mais de 40 dias para a posse do novo governo. A esta altura, mais importante para Dilma é escolher bem. As bases para uma boa escolha estão bem assentadas no discurso conciliador da vitória eleitoral. Aliás, levar Guido Mantega para a reunião do G-20 é Dilma em estado puro: quem convive com a presidente diz que ela quer dar esse último momento de glória para um ministro que aguentou tudo calado - só reclamava em seus despachos, sozinho com a presidente.
Quem já trabalhou próximo de Dilma e sabe como ela lida com os discursos escritos entende que a presidente fez um balanço sobre o passado e deixou nas entrelinhas que amadureceu e vai mudar. Esse foi o grande recado. Mas é isso que vai ser colocado à prova nos próximos meses, antes mesmo da posse no dia 1º de janeiro.
O ambiente político pós-eleitoral é tenso, em especial no Congresso contaminado por derrotas eleitorais. Somente na Câmara, há 223 deputados que não voltam na próxima legislatura e não têm muito a perder em fim de mandato. São franco-atiradores. Mas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preocupado também com o novo Congresso.
Lula teme que Dilma enfrente as mesmas dificuldades que teve com o Senado, onde dispunha de base de apoio nominal suficiente para aprovar emenda constitucional (49 votos), com sorte conseguia 42, mas na prática só podia contar com 39 votos. Com muito esforço. Na Câmara, o líder do PMDB, Eduardo Cunha, ameaça efetivamente o governo com uma candidatura independente do Palácio do Planalto. Com uma oposição nem tão grande assim, mas revigorada, a situação no Congresso vai exigir da presidente muita política, conversa e a escalação de um ministério para ganhar antes de entrar em campo.
Tem jogo, se o ideário for cumprido à risca. É exagero falar que o Brasil é um país dividido. O que houve foi uma eleição disputada, como desde 1989 não se via. Segundo turno é assim, um ou outro. A oposição perdeu por pouco, ganhou musculatura e discurso para cobrar do governo. Mas a vitória, nessas circunstâncias, é também motivadora. O ambiente pode estar contaminado pela ansiedade dos que vão embora, mas seria muito maior se houvesse troca de guarda no Executivo.
Um Congresso com 28 partidos é sinal de instabilidade, mas quem está empenhado na viabilização política do novo governo reconhece no horizonte os sinais de um grande rearranjo partidário que no fim resultará em duas grandes legendas (PT e PMDB) e três ou quatro de tamanho médio, o suficiente para permitir a formação de maiorias mais estáveis. Por outro lado, Dilma também deve surpreender - se ouvir o ex-presidente Lula - e apresentar um governo viçoso, com nomes e medidas capazes de surpreender e estimular a população, o setor produtivo e o mundo para todos voltarem a acreditar no país. Dilma prepara o terreno do novo mandato. Lula se diz empolgado. Até lá, é de bom tom esperar para ver o que a presidente tem para mostrar.
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