- Zero Hora (RS)
Nada é pior do que aquelas situações em que o ridículo esconde o absurdo ou o crime. O perigo torna-se profundo quando o tom de tudo é palhacesco e nos confunde, sem saber se devemos rir ou chorar, dar gargalhadas pelo disparate ou nos entristecer de raiva.
É o caso do "shopping" da Câmara dos Deputados, que seu presidente, Eduardo Cunha, do PMDB, fez entrar de contrabando na medida provisória do ajuste fiscal. Se a presidente Dilma não vetar a esdrúxula decisão (que o Senado também aprovou), seremos o primeiro país do mundo em que o parlamento será centro de compra e venda.
Ou estou errado e, apenas, vão oficializar algo que já existe? A ideia de Cunha habilita vender no varejo (direto ao consumidor) o que parlamentares e políticos já fazem no atacado, negociando votos. Por acaso, a maioria das fraudes que a Polícia Federal e o Ministério Público investigam todo dia não se origina no núcleo político?
O "Parla-shopping" só vai "democratizar" os fornecedores, vendendo roupas de marca e eletrônicos em vez de votos apenas...
Se nada é pior do que o ridículo perigoso, nada é melhor do que a "maquillage" (escrita em francês, original de maquiagem) para disfarçar a sabujice e adulação. Horas depois das prisões, na Suíça, de dignatários do futebol do continente americano, a Confederação Brasileira de Futebol retirou da fachada da sede o nome de José Maria Marin, que em imensas letras de aço brilhavam dia e noite, como sol e luas. A "sede José Maria Marin" da CBF já não tem nome!
O próprio Marin é veterano bajulador do poder. Deputado estadual em São Paulo durante a ditadura, foi instigador da "punição exemplar" ao diretor de notícias da TV Cultura, Vladimir Herzog, preso e morto sob tortura em 1975. Em furiosos discursos na Assembleia, alegava que a emissora estatal não cobria inaugurações de obras... Depois, quando o delegado Sérgio Fleury (que passou à História como torturador- mor) foi condenado pela Justiça por executar presos comuns, Marin foi seu grande defensor.
O futebol nos apaixona, mas, também, nos confunde e acovarda. Se a maré global não nos arrastar, ficamos inertes na areia. Agora, nossos brios só vieram à luz após o FBI e a Procuradoria de Justiça dos EUA desvendarem que a corrupção na Fifa envolvia, pelo menos, dois brasileiros. O Senado, de um lado, a Polícia Federal e o procurador-geral Rodrigo Janot, de outro, entrarão no assunto, anunciou o próprio ministro da Justiça.
Ironicamente, outra vez os EUA ditam as regras. Se não fosse por eles, continuaríamos desatentos e servis à CBF, tal qual seguimos sem saber o que houve por trás das bilionárias obras da Copa do Mundo, realizadas sem licitação pelo tal RDC, "regime diferenciado de contratação", onde $ó há bon$ amigo$.
O assalto à Petrobras foi (ou é) tão profundo que viramos zumbis tontos, sem entender como o trio PT-PMDB-PP organizou-se em quadrilha. A desfaçatez dos grandes empresários envolvidos, confessando como corrompiam, supera a literatura universal do absurdo – do teatro de Ionesco e Becket ao romance de Kafka.
Agora, a República depende dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara Federal, Eduardo Cunha, ambos do PMDB e sob suspeita nas fraudes da Petrobras. A presidente Dilma entregou a articulação do governo ao vice Michel Temer (também do PMDB) e saiu de cena.
Em plena crise mundial, a ânsia da oposição se alia ao sensacionalismo da imprensa e (querendo ou não) passa a ideia de caos. Assim, perdemos a bússola. E, em vez de contar com os quatro pontos cardeais, decidimos como se houvesse apenas abismos.
O perigo é sermos levados ao suicídio antes que a crise (real ou inventada) nos mate.
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