O papel de coordenador político do governo Dilma, atribuído pela presidente ao vice Michel Temer, sofreu sensível abalo restritivo na passagem de abril para maio. A função maior de tal papel é, ou seria, a de recompor as deterioradas relações entre os presidentes peemedebistas das duas casas do Congresso e o Executivo. Tendo em vista basicamente a aprovação das medidas do ajuste fiscal. E com as implicações de tratamento do PMDB rebelado como principal partido de sustentação do Palácio do Planalto. Assumidas, de um lado, por Dilma como alternativa a um agravamento da crise de governabilidade, capaz de escancarar as portas políticoinstitucionais à demanda popular de impeachment. E, de outro, as vinculadas a duplo objetivo do ex-presidente Lula: fechar essas portas e seduzir a cúpula do PMDB para apoio à sua candidatura a um terceiro mandato.
O preparo e a realização dos eventos de 1º de Maio puseram em xeque as metas, explícitas e implícitas, confiadas a Temer. O presidente do Senado, Renan Calheiros, além de crítica ferina à chefe do governo pelo cancelamento do discurso (tradicional) em rede de rádio e televisão sobre a data “por não ter o que dizer aos trabalhadores”, avaliou as medidas do ajuste como “desajustes que penalizam o trabalhador”. Depois de, na véspera, haver desqualificado funções atribuídas a Temer associando-as à prática do PT de aparelhamento do Estado, por meio da distribuição de cargos e “boquinhas”. Por seu turno, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aparecia sorridente ao lado de Aécio Neves no ato comemorativo do Dia do Trabalho, promovido pela Força Sindical, com forte teor oposicionista. No dia seguinte, afirmou que poderá acolher pedido de impeachment de Dilma para submetê-lo a pareceres jurídicos sobre sua consistência institucional, desde que proposto por todos os partidos de oposição. E, ontem à noite, infligiu pesada derrota ao Palácio do Planalto com a aprovação final pela Câmara – por 333 votos a favor contra 144 do PT e aliados esquerdistas – da chamada PEC da Bengala. Quanto ao ex-presidente Lula, centrou sua participação no ato de 1º de Maio realizado pela CUT em São Paulo em ataques ao projeto de terceirização de serviços aprovado na Câmara e a medidas do ajuste fiscal, apontando para o cartaz destacado no palanque – “Abaixo Plano Levy. Derrotar as MPs 664 e 665, que cortam benefícios sociais”.
A reafirmação do papel de Temer passa pela e depende da aprovação das duas Medidas Provisórias, básicas para o ajuste fiscal, que alteram regras do seguro-desemprego, do abono salarial, do seguro-defeso (de pescadores), da pensão por morte, do salário reclusão. As quais, juntamente com a que reduz a desoneração da folha de pagamento das empresas, são decisivas para uma queda das despesas da União. Prevista para representar uma economia de R$ 18 bilhões, já reavaliada para bem menos em face de sucessivas concessões negociadas na Câmara e no Senado. A obtenção de respaldo legislativo às duas MPs propiciará a Michel Temer uma reafirmação, mesmo que provisória, de seu papel de articulador político do governo. E um alívio político-institucional à presidente. Ademais de reduzir as preocupações do mercado, interno e externo, com as incertezas sobre o ajuste. Para tanto, ele dirigiu fortes apelos às lideranças do conjunto dos partidos da base governista, reforçados pela advertência de que a alternativa às MPs será um “contingenciamento radical” das verbas orçamentárias dos ministérios por eles ocupados. E cobrou a unidade de votos favoráveis das bancadas do PT (improvável por causa da subordinação de parte delas à CUT), implicitamente, assim, atribuindo a uma divisão dessas bancadas um eventual peso maior de votos contrários nas do PMDB (e de outros partidos da referida base), a fim de evitarem assumir, em lugar dos petistas, o desgaste maior do respaldo a medidas impopulares.
Por outro lado, uma rejeição das duas MPs ou uma desfiguração muito grande delas agravarão o mix de crises política e econômica, que sacode o país. Acentuando os problemas da relação conflituosa entre o Congresso e um Executivo extremamente fragilizado. Que tornarão ainda mais precária a governabilidade. E, no plano da economia, condicionando por inteiro a viabilização das metas – sérias mas insuficientes – do ajuste fiscal a custos ainda maiores para as atividades produtivas e para o conjunto da sociedade. Com recessão e desemprego mais agudos, aumento da carga tributária, persistência da pressão inflacionária (turbinada pela correção do populismo tarifário do governo anterior) e da consequência de juros elevadíssimos. Num contexto que amplia o risco de rebaixamento do crédito externo do país ao grau especulativo (conforme advertências feitas pelo próprio ministro Joaquim Levy). A isso tudo juntando-se os efeitos, econômicos e sociais, dos desdobramentos da operação Lava-Jato. De par com o revigoramento da movimentação social e política do “fora Dilma” e “ fora PT”, reavivados ontem pelos grandes panelaços e buzinaços, na hora da transmissão do programa do partido.
Jarbas de Holanda é jornalista
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