• Desde o segundo mandato de Lula, o governo tem se permitido deixar a política econômica ao sabor das suas urgências eleitorais
- O Globo
Aos poucos, o país vai se dando conta de quão difícil será a reversão do círculo vicioso que o vem afastando cada vez mais da rota promissora que parecia ter encontrado, em meados da década passada.
Não custa rememorar a sequência de eventos relevantes. A intenção de abandonar essa rota promissora já vinha sendo esboçada na segunda metade do primeiro governo Lula. Ganhou força no segundo mandato, quando o agravamento da crise econômica mundial serviu de pretexto para que Lula desfraldasse a bandeira da “nova matriz macroeconômica”, para eleger a qualquer custo sua sucessora.
Os ruinosos desdobramentos dessa guinada só se fizeram sentir com mais intensidade no fim do primeiro mandato da presidente Dilma. Mas não a tempo de impedir sua reeleição. Hoje, no entanto, já não há como dissimular as reais proporções do desastre causado pela “nova matriz”.
Duplamente desgastado pelos custos políticos desse desastre e do rápido avanço das investigações da Operação Lava-Jato, o Planalto sentiu-se inseguro com a extensão do apoio com que poderia contar no Congresso. E se permitiu montar um ministério com composição partidária peculiar, que supostamente lhe asseguraria base parlamentar mais confiável, menos dependente do PMDB. Manobra que logo redundou em retumbante fracasso. Não impediu que o PMDB elegesse os presidentes da Câmara e do Senado e acirrou ainda mais a desconfiança do partido com relação ao Planalto.
Nesse clima já envenenado, a inclusão de Eduardo Cunha e Renan Calheiros na lista de parlamentares envolvidos nas investigações da Lava-Jato foi o que bastou para desencadear hostilidade aberta da dupla ao Planalto. E, desde então, o governo se vê perigosamente exposto às demonstrações de força da cúpula do PMDB no Congresso.
É nesse ambiente tão adverso que a presidente Dilma vem sendo obrigada a dar o dito por não dito, para viabilizar nova guinada na política econômica, agora em sentido contrário. Mas, tendo queimado boa parte do seu modesto capital político e perdido a ascendência sobre a base governista, a presidente vem enfrentando grande dificuldade para extrair do Congresso as medidas de ajuste fiscal requeridas.
Para que possam ser aprovadas, tais medidas vêm sendo extensa e sistematicamente desfiguradas. E, na contramão do esforço fiscal que se faz necessário, o governo vem tendo de lidar com a “pauta bomba” do Congresso. Não bastasse a irresponsável decisão recente sobre o fator previdenciário, o Congresso parece agora empenhado em patrocinar o avanço de uma “agenda federativa”, com ampla e generosa distribuição de benesses fiscais aos estados e municípios.
Tais fatos realçam o que há de mais preocupante no círculo vicioso que aqui se analisa. Desde o segundo mandato do presidente Lula, o governo tem se permitido, sem nenhum limite, deixar a política econômica ao sabor das suas urgências eleitorais. Foi o que se viu em 2010 e, com cores ainda mais fortes, em 2014. Alarmado agora com a extensão do desastre, Lula, afinal, percebeu que, sem um legado para mostrar, não terá como ser candidato em 2018. E teme que Dilma não consiga conter os danos a tempo.
Não se trata de temor infundado. Fragilizada pelo desempenho calamitoso da “nova matriz”, a presidente já nem mesmo consegue convencer seu próprio partido a dar respaldo convincente à penosa correção de rumo que se faz necessária. E, tendo perdido controle sobre a base governista, se vê alarmantemente vulnerável aos excessos populistas do Congresso, exacerbados, agora, pela agenda de confrontação dos presidentes da Câmara e do Senado.
Nesse embate inglório com o Congresso, cada revés do Planalto aumenta o desalento com a possibilidade de avanço do longo esforço de ajuste fiscal que se faz necessário. E intensifica o temor de que, na esteira da sua fragilização política, a presidente se mostre cada vez mais impotente diante dos desmandos fiscais que vêm sendo urdidos no Congresso.
Tendo plantado vento, Dilma agora se assusta com as proporções da tempestade.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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