Menos lenços, mais reforma
Por Monica Gugliano – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
SÃO PAULO - O cientista político Francisco Weffort disse em sua página na internet que os casos de corrupção no PT se encadeiam como lenços de papel. "Quando você puxa um, saem pelo menos três". Nesta entrevista, Weffort critica com severidade o PT, mas não poupa o PMDB, que vê completamente descaracterizado - como também o PT - nem o PSDB, pelo que considera sua incapacidade de fazer uma política coordenada, de partido. Chama os pequenos partidos de "balcões de negócios", ressalvando algumas exceções. "São uma geleia geral, qualquer um pode dizer o que bem entende e fazer o que quiser, porque nada significa nada."
Para Weffort, a reforma política é um tema que foi desmoralizado. "Passou a ser um slogan para quem não quer mudar nada", mas precisa voltar com urgência. Em sua opinião, essa mudança, tanto partidária como eleitoral, será decisiva para superar a judicialização que está ocorrendo na política brasileira. "Mas tampouco você pode permitir que os governantes se dediquem a fazer fortuna com os privilégios outorgados pela representação que têm".
Weffort afirma que, embora não tenha sido o PT quem inventou a corrupção, "no PT ela se tornou sistêmica". Então, "o que se está combatendo no Brasil não é um episódio. É o sistema da corrupção".
Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Weffort foi ministro da Cultura no governo de Fernando Henrique Cardoso. Como um dos fundadores do PT, esteve muitas vezes ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, diz nunca ter se sentido de fato aninhado entre os membros do partido. Como já afirmou em diversas ocasiões, era, na época, "um fulano" saído da rua Maria Antônia (em São Paulo, sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, entre 1949 e 1968) que se aproximava da esquerda. Em outras palavras, sempre se sentiu mais próximo dos intelectuais de São Paulo do que das portas das fábricas de automóveis do ABC.
Fernando Henrique foi seu professor na USP. Trabalharam juntos no Chile. Politicamente, estiveram afastados por mais ou menos uma década. No fim de 1994, Weffort deixou o PT e em 1995 assumiu o Ministério da Cultura. Escreveu mais de uma dezena de livros, entre eles, "O Populismo na Política Brasileira", coletânea de ensaios publicada em 1978.
A seguir, os principais trechos da entrevista que Weffort concedeu ao Valor.
Valor: O senhor é muito crítico com o PT e diz que o partido não tem condições de estar no governo. E os outros?
Francisco Weffort: Os outros não são melhores.
Valor: O senhor acha que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, acusado na operação Lava-Jato de ter recebido recursos desviados da Petrobras que estariam depositados na Suíça, tem condições de permanecer no cargo?
Weffort: Mas quem tem?
Valor: Os críticos do PSDB dizem que a única bandeira dos tucanos, atualmente, é o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que pensa a esse respeito?
Weffort: Na minha opinião, a oposição comete vários erros, mas não é verdade que todo o PSDB esteja batalhando pelo impeachment. Um grupo do partido batalha pelo impeachment. Não creio que seja uma política do partido, no sentido global. Fernando Henrique mesmo tem manifestado muitas dúvidas sobre isso. O Alckmin [Geraldo Alckmin, governador de São Paulo] também. É um pouco mais complicado do que parece.
Valor: Quais são essas complicações?
Weffort: A complicação maior não é tanto o que faz um ou outro. É que eles não fazem nenhuma política coordenada, de partido. Por exemplo, quando surge uma votação que é contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal, teriam que defender a lei, que, aliás, foi uma das grandes realizações do governo de Fernando Henrique. Mas isso não acontece.
Valor: O senhor diria que os partidos estão sem rumo?
Weffort: O Brasil já teve partidos ruins, mas nunca tão ruins. O Brasil do período democrático, de 1945 a 64, teve um sistema partidário fraco. Ainda assim, e apesar de todos os problemas que tinha, era um sistema muito melhor que esse. O atual é um dos piores que já tivemos. São dois fenômenos interessantes que aconteceram. Um foi a queda do Muro de Berlim, que arrebentou com as perspectivas da esquerda. A esquerda tinha uma ilusão. A partir da queda do Muro, já não tem mais nem ilusão. O outro fenômeno foi a generalização da globalização. Tivemos um fenômeno da incorporação do Brasil ao sistema econômico internacional extraordinário. Nós somos parte dele. É como se não houvesse outra política econômica senão aquela que vinha sendo realizada por Fernando Henrique e depois por Lula. Não dá para querer voltar atrás, para a política do tempo de Getúlio Vargas. Não temos mais como fazer isso. A política econômica do Brasil, seja lá o governante que for, será uma variante dessa que já tivemos com os últimos dois presidentes. Agora, a presidente Dilma Rousseff quer instaurar um novo modelo? Como? De onde? Isso complicou ainda mais o quadro partidário.
Valor: Por quê?
Weffort: Porque o Executivo tem um peso muito grande nos partidos. E os partidos se descaracterizaram completamente. O PT se descaracterizou. O PMDB se descaracterizou há muito mais tempo. Quanto aos partidos pequenos, com exceção de alguns poucos, são balcões de negócios. Não temos partidos. Temos 36 partidos, mas, como partidos, precariamente, são cinco ou seis.
Valor: E os outros?
Weffort: Pela mescolança, são uma geleia geral, qualquer um pode dizer o que bem entender e fazer o que quiser, por que nada significa nada.
Valor: E como seria possível mudar isso? Com a reforma política?
Weffort: Esse é um tema que foi desmoralizado, mas precisa voltar com urgência. Temos que fazer uma reforma política. Mas se isso ficar na dependência só dos deputados, não vai acontecer. Tem que partir de outros meios. Da imprensa, segmentos da opinião pública. Não é possível mais esse sistema partidário. É preciso ter uma nova lei eleitoral. Precisa ter uma representatividade, uma relação entre eleitor e deputado mais próxima. Não é possível uma cidade como São Paulo, com 12 milhões de habitantes, ter uma administração que vai depender do governo federal. É o que ocorre com o prefeito de São Paulo. Você tem que ter distritos numa cidade desse tipo, como há em outros países, na Alemanha, nos Estados Unidos, na Inglaterra. Temos que adotar um sistema distrital, que pode ser o alemão - que é misto- ou o inglês. Tem que ter uma proximidade maior entre o eleitor e o representante.
Valor: Hoje, o eleitor nem lembra em quem votou...
Weffort: É o que acontece hoje. O eleitor se esquece da pessoa na qual votou. Não sabe quem é seu representante. Na Câmara, dos 513 parlamentares, deve haver mais ou menos 15 ou 20 que são conhecidos. Quinhentos são desconhecidos. Talvez no bairro em que moram alguém conheça. Por isso a importância da eleição distrital.
• "Se há corrupção entre empresas e políticos, tem que punir a corrupção e não eliminar as possibilidades de financiamento"
Valor: Os parlamentares também parecem não se importar com os eleitores que lhes deram o mandato, não?
Weffort: Há um esquecimento de lado a lado. Não é possível um sistema democrático que funcione desse jeito. Por isso essa discussão precisa voltar. Quando Lula falou sobre isso, ou Dilma, ninguém sabia o que propunham. A reforma política passou a ser um slogan para quem não quer mudar nada. Mas, sem dúvida, precisamos fazer a reforma política. Não há nada mais irresponsável que o sistema partidário que temos. Não tem responsabilidade com nada. Hélio Jaguaribe, nos anos 50, falava que o Brasil tinha uma política intransitiva. O representante não se liga com o representado. Chegamos ao máximo da intransitividade política. A política virou um assunto só para eles. Baixo clero, alto clero, ninguém sabe muito bem como aquilo funciona.
Valor: As denúncias de corrupção, que envolvem muitos políticos, não pioram esse quadro?
Weffort Você tem a seguinte equação, hoje: dúvidas na Justiça sobre ações do presidente da Câmara e sobre ações da Presidência da República. Os atores mais importantes estão sob investigação judicial. O último a ser submetido foi Lula, que viu sua família começar a ser investigada. Tudo no sistema político brasileiro tornou-se um caso de polícia. A judicialização que está ocorrendo na política brasileira não nos deixa alternativas, a não ser mudanças. Ou muda o sistema partidário ou então vamos viver muitos anos - além dos que já vivemos - nesse jogo de acusações que paralisam o país. Mas tampouco você pode permitir que os governantes se dediquem a fazer fortuna com os privilégios outorgados pela representação que têm. E é isso o que ocorre. Pode estar ocorrendo no Executivo, pode estar correndo no Legislativo. A imagem que mais se adequa a esta crise é a do pântano. Não estamos atravessando um deserto, mas um pântano. É um lodo. No deserto, você tem algum tipo de orientação, pelas estrelas, pelo Sol. No pântano, fica difícil qualquer orientação. Você anda, anda e, como não vê nada, volta para o mesmo lugar. É o que acontece conosco.
Valor: O senhor acha que o fim do financiamento privado para campanhas pode ajudar a melhorar esse quadro?
Weffort; Isso é demagogia. Se há corrupção entre empresas e políticos - que é o que vemos - tem que punir a corrupção e não eliminar as possibilidades de financiamento. Inclusive, por que a salvação desse tipo de situação é sempre o Estado, o Tesouro Nacional. O financiamento público vai tirar recursos de onde?
Valor: Todos os partidos no Brasil, em maior ou menor grau, guardam pouca semelhança com a época em que foram criados. Ou mesmo com as propostas que os justificaram. O PT não seria mais um?
Weffort: O PT se desnaturou de maneira completa. Não é que deixou de ser um partido. Lula, que construiu o PT, perdeu o carisma. Ele é uma figura política importante. Mas hoje em dia aparece pouco, quer se resguardar. O PT se desmoralizou completamente. Era a UDN de macacão, como dizia Brizola. Hoje não é UDN nem tem mais macacão. E todos os símbolos que o PT tinha hoje são meramente formais.
Valor: O senhor, assim como outros fundadores do PT, faz pesadas críticas ao partido. Por quê?
Weffort: Honestamente, nunca pensei que o PT chegaria a esse ponto. Até a campanha das diretas, as condições da participação política eram bastante restritas e, naquela fase inicial, o PT tinha que lutar sobretudo para sobreviver. Era um dos partidos mais fiscalizados. Quem daria dinheiro ao PT? O PT não tinha nada, não tinha governadores, nada. Só os militantes contribuíam, davam dinheiro. Num certo momento, o PT tinha dois, três deputados. E as condições de trabalho dessas pessoas eram precárias. Entre eles estavam o José Genoino, o José Dirceu, condenados pelo mensalão. O que aconteceu? Quando? O partido, volto a dizer, se desnaturou. E, à medida em que foi chegando aos órgãos do Executivo, piorou. E mudou fortemente quando chegou à Presidência da República. Solidificou a ideia de que os fins justificam os meios, que é injustificável. Na política, como em tudo na vida, os fins já aparecem nos meios.
Valor: O senhor diria que a chegada do PT ao poder e, em especial, à Presidência da República, contribuiu para a desestruturação das ideias e convicções do partido?
Weffort: O poder corrompe. E o poder absoluto corrompe de maneira absoluta. A proximidade do Estado no Brasil não é a proximidade de um poder absoluto, mas é a proximidade de um poder muito grande para segmentos muito frágeis da sociedade. A chance de corrupção aparece aí como uma probabilidade muito grande. É muito difícil entrar num sistema desses sem se corromper. Para evitar isso, precisaríamos de um sistema institucional muito forte. E não temos.
Valor: Entre os que apoiam o governo há quem diga que um dos méritos de toda esta crise é mostrar que as instituições no Brasil funcionam. Que trabalham com independência, e prova disso seriam as investigações da Polícia Federal. Antes dos governos petistas, dizem essas pessoas, a corrupção não aparecia por que não era investigada. O que acha?
Weffort: Isso é uma desculpa. É um álibi para a corrupção. Não foi o PT quem inventou a corrupção. Mas no PT ela se tornou sistêmica. O Brasil sempre teve uma certa margem de corrupção. Mas nunca foi nesta escala. Analistas internacionais falavam do México, da Argentina. Hoje, o Brasil deixa esse pessoal longe. O que se está combatendo no Brasil não é um episódio. É o sistema da corrupção.
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