• Planalto não terá como evitar forte desgaste político nos próximos meses. O tempo conspira contra a presidente
- O Globo
Janeiro se foi. O Congresso está prestes a retomar suas atividades. Passado o carnaval, o Planalto estará de novo às voltas com a batalha do impeachment. Mas muitos analistas estão convencidos de que a presidente tem razões de sobra para se tranquilizar. Com a intervenção do STF e o fortalecimento da resistência ao impeachment na base aliada, especialmente no Senado, o risco de afastamento da presidente teria desaparecido. O impeachment estaria enterrado de vez. Será?
É curioso que, em geral, esses mesmos analistas contemplam cenários extremamente pessimistas. Vislumbram grave aprofundamento do quadro recessivo e persistência da inflação muito acima da meta. Assustam-se com o crescimento explosivo do endividamento público e com o brutal aumento adicional de desemprego previsto para os próximos meses. E alarmam- se com a paralisante falta de perspectiva com que se debatem investidores, empresas e famílias, descrentes de que a presidente possa retirar o país da colossal crise econômica em que o meteu.
A percepção de desgoverno vai muito além da política econômica. Um bom exemplo é o que vem ocorrendo na área da Saúde. Dilma parece ter se dado conta, afinal, de que o ministro da Saúde — nomeado de afogadilho em outubro, em desesperada manobra para reforçar o apoio do PMDB na Câmara — não tem envergadura para enfrentar os enormes desafios com que o governo vem tendo de lidar na área. Mas terá Dilma condições de demitir o titular do ministério de maior orçamento na Esplanada, num momento político tão delicado, sem risco de um desabamento sério no castelo de cartas a que está reduzido seu apoio parlamentar? Claro que não. As urgências da Saúde terão de esperar.
Seja pelo aprofundamento da crise econômica, seja pela paralisia administrativa, justo quando a eficácia das políticas públicas se faz mais necessária, o Planalto não terá como evitar forte desgaste político nos próximos meses. O tempo conspira contra a presidente. Alguns meses mais podem lhe ser fatais. E é bem possível que o Congresso não se pronuncie sobre o afastamento de Dilma antes de abril. Em que estado estará a imagem da presidente em abril?
Há também que se ter em conta o desgaste adicional que advirá da longa e estreita relação de Dilma com a Petrobras. Há cerca de um ano e meio, na campanha presidencial de 2014, Dilma ainda não se dera conta das proporções do desastre que se abatera sobre a Petrobras. Ainda se congratulava por seu envolvimento de mais de uma década com a empresa: “Quem olhar o que aconteceu com a Petrobras nos últimos dez anos e projetar para o futuro, conclui que fizemos um grande ciclo. Eu estive presente em todos os momentos”. (“Folha de S. Paulo”, 2/7/2014)
Seja pela percepção cada vez mais nítida de quão devastadora foi a gestão da empresa no período, seja pelo fluxo cada vez mais intenso de revelações constrangedoras da Operação Lava- Jato, seja pelo avanço de ações judiciais que vêm sendo movidas no exterior contra administradores da empresa, a presidente está fadada a ficar cada vez mais desgastada com o descalabro da Petrobras. Em que estágio estará esse desgaste em abril?
Por sólidas, precisas e bem embasadas que sejam as razões formais que deram lugar ao pedido de abertura do processo de impeachment, ao fim e ao cabo, o julgamento de Dilma será político. A presidente será julgada pelo conjunto da obra. Em instigante artigo na “Folha de S. Paulo”( 21/ 1), Marcus André Mello resgatou oportuna citação de Gerald Ford, o desajeitado presidente que foi guindado à Casa Branca quando Richard Nixon se viu obrigado a renunciar para evitar o impeachment: “um delito merecedor do impeachment é todo aquele que dois terços da Câmara de Deputados considerarem que assim seja, com a concordância do Senado”. Como o conjunto da obra de Dilma será avaliado pelo Congresso em abril?
A verdade é que ainda falta muito para que o impeachment chegue a seu desfecho. E a presidente bem sabe que, quanto mais demorado for o processo, mais provável será seu afastamento.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC- Rio
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