Por Andre Guilherme Vieira e Bruno Peres – Valor Econômico
SÃO PAULO e BRASÍLIA - O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff não traz riscos à democracia, na avaliação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "Havia muita dúvida quando se tratava do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Ulisses Guimarães e eu temíamos a quebra da democracia, do regime. E no caso do Collor não houve consequência negativa para a democracia. E, neste momento, com todo esse debate [sobre a abertura de processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff], não acho que haja risco à democracia", disse.
Para Fernando Henrique, o atual momento mostra um amadurecimento e fortalecimento da democracia. "Temos uma crise de desemprego, uma crise moral por causa da corrupção e uma crise de falta de lideranças políticas. No passado, já se cogitaria qual seria o militar que viria. E hoje nós nem sabemos o nome do militar. Mas sabemos os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso é um fato sociológico da maior importância", avaliou o ex-presidente.
Sobre o processo de impeachment autorizado ontem pela Câmara dos Deputados, o ex-presidente avaliou que não é golpe, ao contrário do que afirma o governo. O tucano também discorda da proposta, ventilada por ministros de Dilma, de convocar uma nova eleição presidencial.
“Isso não está na Constituição. E é sempre perigoso. Já é ruim ter de passar por processo de impeachment. O processo que leva a isso não é um desejo. Então, imagina criar mais uma regra que não está na Constituição. Se o Tribunal Superior Eleitoral disser que a chapa [Dilma-Temer] é nula, se for este ano é eleição geral. E se for ano que vem o Congresso elege. Olha, nenhuma dessas soluções é maravilhosa. Nós vamos ter de juntar nossas forças para, a despeito de tudo, manter a liberdade, manter a democracia e o respeito. E não insistir em uma coisa que não é verdadeira. Não há golpe nenhum, é tudo dentro da lei, seguindo o rito da Constituição".
Indagado pelo Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, durante entrevista coletiva em evento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, Fernando Henrique negou que a Lava-Jato esteja ameaçada pela iminência de o PMDB assumir a presidência da República - integrantes do partido estão entre os principais investigados pela operação por suspeita de corrupção, como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o próprio vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), que, apesar de não ser formalmente investigado, já foi mencionado por delatores.
"Acho que hoje as instituições estão fortes. A Lava-Jato, como outras apurações, tem de ser feita. É preciso respeitar a lei, mesmo aqueles que vão presos eu acho que tem de haver respeito à lei, o juiz tem de julgar se é caso de habeas corpus, se for o caso deve dar. Eu acho que é fundamental manter muito firme a ideia de que nós temos um Estado Democrático de Direito", disse FHC.
O ex-presidente minimizou o fato de o PMDB já estar se articulando para alterar dispositivos legais, como a lei da delação premiada, com o objetivo de tornar a ação da Lava-Jato menos eficaz.
"Olha aqui, quantos parlamentares há do PMDB? Sessenta e poucos. É 12% do Congresso. Nenhum partido sozinho faz nada, pode querer o que quiser, não adianta. Se não houver uma opinião nacional ninguém faz nada, não leva adiante as transformações. Ninguém vai parar nada que o país não queira parar. O país quer avançar", avaliou.
Sobre o fato de o PSDB ter perdido o protagonismo no processo de impeachment, assumido pelo PMDB, Fernando Henrique reconheceu que os tucanos têm "uma força relativa no Congresso".
"Em primeiro lugar o processo de impeachment não foi definido pelo PMDB, foi pelo povo que se manifestou. E o PSDB tem uma força relativa no Congresso, não é o partido majoritário. De modo que ele tem de entender qual é o seu papel e ajudar a construir o Brasil. Mas o que decide as questões é o sentimento popular. Recentemente é assim. Agora tem internet, as pessoas opinam, se manifestam. Os partidos já não têm o protagonismo solitário do passado. São importantes, porque eles levam a reinvindicação a ser institucionalizada. Mas é preciso entender que uma andorinha só não faz verão", afirmou o ex-presidente.
Alianças
FHC disse que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o "presidencialismo de cooptação", que resultou em um sistema viciado que "corrompeu à democracia". O tucano ainda criticou as alianças feitas pelos governos do PT com partidos pequenos.
"Quando você tem até quatro ou cinco partidos, você tem presidencialismo de coalizão. Eu tive dois [PMDB e PFL, atual DEM]. Tem de ter programa, ter uma agenda”, afirmou. “Hoje temos um presidencialismo de cooptação. Um certo presidente, não preciso aqui dizer quem é, resolveu fazer alianças com partidos pequenos e seguir pela cooptação. Isso é corrupção, não tem como funcionar. Esse sistema corrompeu à democracia. A própria democracia está corroída", disse o ex-presidente.
PSDB + PMDB
O PSDB ainda debate um conjunto de propostas a ser apresentado ao vice-presidente Michel Temer como sugestões para um governo de transição diante da perspectiva de afastamento do cargo da presidente Dilma.
Em linhas gerais, o partido aponta como condições para colaboração com uma gestão Michel Temer apoio absoluto à Operação Lava-Jato, da Polícia (PF); debate acerca de uma reforma política; ampla reforma administrativa do Estado; modernização da legislação trabalhista; reforma da Previdência; e revisão da política externa brasileira.
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