- O Globo
Em recente ciclo de palestras na Academia Brasileira de Letras sobre os papéis dos Poderes da República, um tema surgiu constantemente: o papel do Poder Moderador na História brasileira, desde a Constituição de 1824, passando pelo papel das Forças Armadas, até os dias de hoje, quando alguns consideram que o Supremo exerce esse papel moderador.
O debate sobre sistemas de governo, que a crise política traz de volta, também se repete, com propostas de retomada do parlamentarismo, ou a adoção do semipresidencialismo, a exemplo de França ou Portugal.
Há discordâncias sobre a atualidade de uma figura para exercer um Poder Moderador, como o imperador, ou uma instituição, como Forças Armadas ou STF, e uma concordância, resumida pela posição do historiador e membro da ABL José Murilo de Carvalho: o problema hoje se coloca em termos de combinar representatividade com governabilidade, em situação de ampla participação eleitoral e conflito distributivo.
José Murilo lembra que o Poder Moderador na Constituição de 1824 torceu a ideia de Benjamim Constant ao entregar ao imperador a chefia também do Executivo, o que gerou disputa desde a década de 1860.
Entre os republicanos, havia parlamentaristas e presidencialistas, mas, na pressa de se fazer a Constituição de 91, os parlamentaristas, como Sílvio Romero, Medeiros e Albuquerque, Rui Barbosa foram atropelados. Positivistas, Quintino Bocaiúva e Aníbal Freire eram os principais presidencialistas.
Situação muito semelhante à da Constituinte de 1988, que nos legou o sistema presidencialista com uma Constituição de características parlamentaristas. E mais uma coincidência histórica: “Quase todos os argumentos da época do plebiscito, dos dois lados, foram então usados”, lembra José Murilo com ironia, referindo-se ao plebiscito de 93 que confirmou o presidencialismo como sistema preferido dos brasileiros.
Nos anos 30, com revoltas por todo o lado, inclusive no Exército e na Marinha, os militares arrogaram-se informalmente e ilegalmente o papel de Poder Moderador, de força apartidária para resolver as crises (na Primeira República fora poder desestabilizador). Até que em 64 resolveram assumir a ditadura imoderada.
Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, crê que o poder do STF hoje vem da conjugação da institucionalização constitucional e da sintonia com a opinião pública indignada, e dos juízes de 1ª instância autônomos, independentes, indignados também, e eficientes.
O fato novo para ele tende a ser a autonomia profissional e a independência moral dos juízes de 1ª instância. “Se o STF não tivesse se alimentado da coragem da 1ª instância, da liberdade de expressão que vigora, do desenvolvimento das mídias sociais e da opinião púbica, provavelmente continuaria apenas como poder harmônico, até demais, com os interesses vitais do Congresso e do Executivo”. Já no regime militar, diz Falcão, as Forças Armadas não eram neutras nem moderadas. “Eram interferentes quando contrariadas, e impositivas pelos atos institucionais, cassações etc.”
O ex-presidente da OAB Marcus Vinicius Coêlho, por outro lado, acha que cabe, sim, ao STF função moderadora no desenho traçado em 88. “No estado democrático de direito, cabe ao Tribunal Constitucional intervir quando ameaçada a Constituição, sob pena de nada valerem direitos fundamentais e segurança jurídica”.
Contudo, esse papel moderador é parcial, pois falta ao STF competência para lidar com questões eminentemente políticas. “Daí a importância da discussão sobre o semipresidencialismo. No regime semipresidencialista, a figura do presidente mantém-se próxima da “alta” política, exercendo as funções de Estado e relegando ao primeiroministro as funções de governo.
O sociólogo e ex-ministro Francisco Weffort crê que o Poder Moderador é importante tema, mas deve ter novo significado na democracia moderna. Para Weffort, o equilíbrio e a estabilidade que se esperam de um Poder Moderador só podem vir de qualidades intrínsecas ao sistema político, em geral associadas ao partidário.
“A estabilidade na democracia moderna está associada em geral a sistemas bipartidários. São regimes parlamentaristas (Inglaterra) ou presidencialistas (francês ou alemão), nos quais temos presidente como chefe de Estado, com mandato de prazo determinado, e primeiros-ministros que podem mudar conforme circunstâncias parlamentares e políticas. Na maior parte desses países, temos também sistemas de voto distrital que favorecem criação/ consolidação de grandes partidos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário