A situação fiscal do governo federal é muito grave e pode começar a ser revertida com a PEC do teto dos gastos. A dos Estados e municípios, porém, é calamitosa e não se vê solução a caminho, salvo o esparadrapo aplicado pela União por dois anos, em uma renegociação de dívidas onde as concessões aos entes federados foram maiores do que as exigências.
Há vários fatores comuns no processo que ampliou em excesso o endividamento público. O aumento de arrecadação, especialmente nos Estados e municípios, foi destinado a gastos correntes e, dentre eles, a salários e contratações de funcionários. O governo federal, nas administrações petistas, fez vistas grossas ao cumprimento dos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, à qual o PT se opôs no Congresso. E, da mesma forma com que a União aprofundou seus déficits na crença desastrosa de que os gastos do Estado sempre impulsionam a economia, o governo federal estimulou os governadores a investirem contraindo dívidas, inclusive em dólar, sem que os ratings estaduais o recomendassem.
A diferença entre União e os Estados e municípios é que, após a renegociação de dívidas em 1999, eles foram proibidos de emitir títulos e se financiar no mercado, o que lhes permitiu gradualmente deixar uma situação de insolvência na qual eles agora parecem novamente mergulhar. Segundo os dados mais recentes do Tesouro, hoje apenas 14 dos 27 Estados (incluindo o Distrito Federal) têm boa classificação de risco para se endividar. O governo federal abriu uma janela de R$ 7 bilhões disponível para empréstimos e só eles poderão reivindicá-la.
A torneira do aval do Tesouro para empréstimos, aberta pelo então ministro Guido Mantega, foi fechada por seu breve sucessor, Joaquim Levy, sob o argumento indesmentível de que os recursos não se destinaram a investimentos, mas a gastos correntes. As estatísticas não deixam margem a dúvidas. Os investimentos em 2015, na comparação com 2014, caíram 37,65% em termos nominais. Movimento oposto tiveram as despesas com pessoal, que subiram 13% nos Estados e 8,29% nos municípios (Valor, 21 de outubro). E a conta passou a ser ainda mais indigesta nos pagamentos dos inativos estaduais, que deram um salto no período de 28,4%. No geral, as despesas estaduais com pessoal aumentaram 96,6% nos últimos 7 anos, ante 56% da União.
A situação mais problemática é a do Estado do Rio, que decretou calamidade pública em junho. É a unidade da federação que mais compromete sua receita corrente líquida (36,13%) com créditos a pagar de R$ 17,6 bilhões. O rombo em sua previdência informado oficialmente foi de R$ 542 milhões, mas, segundo o Tesouro, foi de R$ 10,8 bilhões. Foi também o Estado em que a folha de salários mais cresceu: 146,6% entre 2009 e 2015.
Em renegociação iniciada no governo de Dilma Rousseff, e concluída antes da votação do impeachment sob Michel Temer, os Estados ganharam mais 20 anos para pagar suas dívidas, mais 10 anos nos débitos junto ao BNDES e seis meses de carência, sem desembolso, período que se encerra em janeiro. As contrapartidas iniciais seriam a proibição de novas contratações e de aumentos de salários, além do limite dos gastos pela inflação ano anterior. Dos limites, sobreviveu o teto de gastos, em um projeto ainda não aprovado. O Ministério da Fazenda cogitou enviar uma nova LRF ao Congresso, mas desistiu, preferindo concentrar força na aprovação da PEC dos gastos, que não inclui Estados e municípios.
É urgente, porém, colocar amarras nos gastos estaduais e municipais de forma coordenada. A falência dos Estados será jogada no colo da União, de uma forma ou de outra, e é preferível que seja ordenada, racional e tempestiva. Até porque dos gastos de 36,5% do PIB dos três níveis do governo, Estados e municípios são responsáveis por quase metade (Alexandre Schwartsman, "Folha de S. Paulo", 26 de outubro) e o próprio ajuste fiscal será ameaçado se a situação não for corrigida.
A LRF definiu limites para gastos e discriminou despesas que deveriam ser incluídas e modos de corrigir desvios. Mas ninguém fiscalizou nada, até que veio a recessão, as receitas despencaram e as contas não fecharam. O resultado é ruim, e pior se incorporados os gastos que a lei já incluía e que foram deixados de lado: terceirizados, inativos etc. A recuperação da economia, mesmo modesta, melhorará a arrecadação e criará um clima mais favorável a um acerto de contas crível e urgente com Estados e municípios em 2017 - como estão, elas põem em risco o ajuste.
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