- O Globo
O caso do anel de ouro branco e diamantes no valor de 220 mil euros (cerca de R$ 800 mil) que a mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral ganhou de presente em Mônaco, na comemoração de seu aniversário em 2009, é exemplar da promiscuidade de autoridades públicas e empresários, e, mais ainda, da maneira como escândalos desse tipo são tratados no Brasil.
Pela delação premiada do empreiteiro Fernando Cavendish, da construtora Delta, o anel foi produto de um achaque que sofreu do governador em plena Place du Casino, em Mônaco. Cabral o levou até a joalheria Van Cleef & Arpels, e o anel já estava pronto para ser comprado, sendo a conta apresentada ao empreiteiro.
Na versão oficial do governador, o anel foi dado de presente por Cavendish a sua mulher, Adriana Ancelmo, num jantar no restaurante três estrelas Le Louis XV, do chef Alain Ducasse, no Hôtel de Paris, em Mônaco, em que se comemorava o aniversário da então primeira-dama do estado, onde a Delta tinha quase que o monopólio das obras públicas.
O ex-governador do Rio disse ontem que devolveu o anel quando o estado considerou a empreiteira inidônea. Mas garantiu, na nota oficial, que não sabia o valor do presente. Essa, portanto, é a melhor versão possível do ex-governador para episódio tão revelador.
Só por ter admitido que sua mulher recebeu tal anel, o ex-governador Sérgio Cabral já entrou na esfera jurídica do crime de corrupção passiva. O detalhe de que foi o empreiteiro que ofereceu o presente, e não o ex-governador que o obrigou a comprá-lo, também tenta amenizar a situação de Cabral — que, além do mais, diz não saber o valor do anel, o que parece uma piada —, e também tem o intuito de minimizar sua culpa.
Mas o jantar no restaurante estrelado de Ducasse em Mônaco, por si só, já representa uma relação promíscua entre a autoridade pública e o empreiteiro, quanto mais um anel de brilhantes.
É por essas e outras que o juiz Sérgio Moro, em uma palestra ontem, disse que para combater a corrupção no Brasil os processos “não podem ser um faz de conta”, e defendeu uma “aplicação vigorosa da lei” e as prisões preventivas. Moro voltou a afirmar que as investigações da Operação Lava-Jato mostraram um quadro de “corrupção sistêmica” na Petrobras, que pode ter se alastrado para toda a administração pública.
Duas medidas adotadas recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foram citadas pelo juiz como avanços no combate à corrupção no país: a proibição de doações de empresas a campanhas políticas, e a autorização para prisão do réu a partir de condenação em segunda instância.
“A condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça. Nossos processos não podem ser um faz de conta. Tem que haver uma aplicação vigorosa da lei, claro que respeitando direitos fundamentais do acusado”.
Para o juiz Sérgio Moro, em um ambiente de corrupção sistêmica, se o governo der uma resposta inadequada, as pessoas “vão perdendo a fé” na Justiça. Para reafirmar que a Justiça tem meios de conter os crimes sequenciais que vêm ocorrendo no país envolvendo a administração pública, Moro defendeu as prisões preventivas, como a do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, embora não tenha citado seu nome:
“As prisões, em todos os casos, envolvem risco de reiteração criminosa, um comportamento serial da prática de crimes, uma prática profissional da lavagem de dinheiro. É diferente de um indivíduo que se envolve de forma infeliz no crime”.
Expondo esse conceito, Moro também se defendeu das críticas de que usa as prisões preventivas para levar os suspeitos a delações premiadas. Por isso, ele criticou o projeto que foi ressuscitado no Senado por seu presidente, Renan Calheiros, que responde a uma série de processos e é réu no STF, de combate ao abuso de autoridades.
Para ele, o teor do projeto é preocupante, pois permite que um magistrado seja punido pela interpretação que der a uma determinada lei. “Vai ser atentado à independência da magistratura”.
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