- O Estado de S.Paulo
Ao se comportar como se estivesse num palanque, Lula deixou de defender a si mesmo
Não será nenhuma surpresa se o ex-presidente Lula, que hoje se considera o bambambã do enfrentamento à Lava Jato, chegar amanhã à conclusão de que foi um grande erro de estratégia a forma como ele respondeu ao interrogatório feito pelo juiz Sérgio Moro e por três procuradores da República na última quarta-feira.
Como em outro depoimento à Justiça, só que em Brasília, Lula discursou. E bem, porque hoje, certamente, ele não tem rival num palanque nem no domínio das massas que o seguem. Lula só se esqueceu de que ele não estava num palanque nem falava à multidão. Estava de frente a um juiz, na condição de réu numa ação que apura se é dele ou não um apartamento triplex, no Guarujá. O Ministério Público afirma que é. Lula afirma que não é.
Lula poderia ter aproveitado o momento para dizer que não é mesmo o dono do imóvel. Só isso. Se perguntassem a ele se assinou algum documento em relação ao triplex, responderia que não. Pronto. O MP, que o acusa de ser o dono do apartamento, que apresente as provas, a escritura, um contrato de gaveta, qualquer coisa, enfim.
Mas Lula, em vez de ficar na resposta simples, preferiu fazer um discurso. Como queria gravar também o depoimento, a conclusão que fica é a de que pretendia usar as imagens e suas falas na campanha eleitoral do ano que vem. Acontece que o discurso político pode inflamar as massas que o seguem, os partidos que estrategicamente estão a seu lado. Mas não serve para o juiz, que vai observar a acusação, as provas e o que respondeu o acusado e daí formar sua convicção e proferir a sentença.
Em resumo, ao se comportar como se estivesse num palanque, Lula deixou de defender a si mesmo.
A conclusão mais lógica para o comportamento de Lula é a de que, apesar de sua inteligência, sua perspicácia, seu raciocínio rápido e sua formação política talhada na luta, faltou-lhe a orientação de um marqueteiro.
No caso, do marqueteiro João Santana, responsável pela reeleição de Lula em 2006, logo depois do escândalo do mensalão, e quando a situação política do então presidente era tão ruim que muitos já apostavam no fim do PT no poder. Foi ele que orientou Lula a se comportar como uma coitadinho num debate com Geraldo Alckmin, no segundo turno da eleição presidencial de 2006. O eleitor viu Alckmin investir como um touro raivoso sobre Lula, enquanto o petista mais e mais passava a imagem de vítima. O resultado apareceu nas urnas.
Alckmin conseguiu a incrível proeza de receber só 37,5 milhões de votos no segundo turno, 2,4 milhões a menos do que os 39,9 milhões do primeiro turno. Caso de acerto do marqueteiro.
O eleitor não gosta de arrogância. E Lula exibiu arrogância.
Quanto a João Santana, ele não pôde orientar a forma como Lula deveria se comportar porque, como o antigo chefe, também está encrencado na Lava Jato. Mas fez um acordo de delação premiada, junto com a mulher, Mônica Moura, e o resultado foi a divulgação de todo o conteúdo no dia seguinte ao interrogatório de Lula. Como o depoimento de Santana e Mônica compromete Lula e a presidente cassada Dilma Rousseff até não ter mais jeito com dinheiro de caixa 2 para as campanhas petistas, logo tudo o que o ex-presidente disse em Curitiba foi ofuscado. Ele terá, agora, de encontrar respostas para as acusações do marqueteiro, como a de que era o chefe e tinha pleno conhecimento do caixa 2. As mesmas revelações dizem que Dilma trabalhou para obstruir a Justiça, o que pode lhe valer de três a oito anos de cadeia.
João Santana carregará no currículo a proeza de ter salvado o projeto de poder do PT, reelegendo Lula em 2006 e elegendo Dilma Rousseff em 2010 e 2014. E de, um tempo depois, ter sido o coveiro de tal projeto.
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