- Folha de S. Paulo
Antes ainda de a Lava Jato completar seis meses, o jogo perigoso praticado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal surgiu à minha frente com uma clareza de tal sorte fulgurante que me perguntei se eu não estava numa daquelas operações mentais a que toda pessoa está sujeita: imaginar uma conspiração e, depois, torcer os fatos para que estes endossem o suposto engenho, a exemplo do que fazem os "cegos de tanta luz".
Ao constatar as prisões preventivas em massa, raramente ancoradas no artigo 312 do Código de Processo Penal, mas endossadas pela segunda instância, tive a certeza de que caminhávamos para uma situação muito delicada. "Descobriu isso só agora, Reinaldo?, depois da queda de Dilma?" Consultem o arquivo do meu blog e desta Folha, por exemplo, e vocês constatarão que não.
A primeira percepção, pois, foi um insight mesmo, algo que, como escreveu o poeta, "se soube de repente".
Mas depois me tranquilizei –em relação à minha suposta paranoia apenas– ao submeter o que estava em curso a alguns valores que constituem a base do meu, vá lá, pensamento. E eu tenho por princípio que, numa democracia, não me servem procedimentos que transbordem dos marcos institucionais –muito especialmente, das leis.
Formulei definições próprias para "progressista" (esquerdista) e "conservador" (direitista) –sempre considerando um regime democrático, já que, numa ditadura, quase tudo é relativo. O primeiro promove, como um ato de vontade, a transgressão aos limites legais. As alegorias prediletas a justificar seus crimes são a justiça e a igualdade. Oh, quantos crimes de corrupção passiva lavagem de dinheiro se cometeram em nome de tal dupla, não é, PT?
Já a um conservador deveria ser óbvio que agredir a lei para promover justiça incide em duas consequências negativas: no mais das vezes, não se corrige nada –só os militantes se divertem– e ainda se depreda o tal molde, estimulando, portanto, novos crimes e crimes novos.
Sim, eu me espantei um tantinho quando vi grupos organizados identificados com a chamada "direita" a fazer da Lava Jato a sua maior referência política e de Janot "um certo Capitão Rodrigo" de sua afirmação moral.
Transformava-se o meio num fim; fazia-se do instrumento o protagonista da vontade. Esse é o percurso de todo fanático.
Flagrados a assaltar os cofres públicos, mas ainda mais pernósticos por assaltar a institucionalidade, os petistas jogaram a isca, e a direita a engoliu com a voracidade inteligente de um peixe: "Corruptos somos todos; o mal é do modelo; é do sistema". E Janot sentenciou: "Os companheiros têm razão!"
Janot, Deltan Dallagnol e Sergio Moro já podem tocar o joelho do seu Moisés da Moral. Em vez do ar vetusto do patriarca, essa estátua tem a cara de Joesley Folgadão. E a direita, que se deixou enredar pelas fantasias de um novo ente de razão, grita em desespero: "Prendam ou condenem Lula antes que ele se eleja!" É patético.
A Lava Jato evidenciou, sim, quão corrompida estava a carne (né, JBS?) da política brasileira. Teve a chance de concorrer para aprimoramento institucional. Preferiu promover a razia saneadora na "classe política" e no Estado de Direito.
Se o Congresso brasileiro não reagir –e, por enquanto, não há por que apostar nisso–, os dias turbulentos não cessarão tão cedo. Afinal, alguns ditos conservadores são os primeiros a considerar o "devido processo legal" mera frescura de formalistas.
Se os esquerdistas chegarem ao poder, seus antípodas do mesmo lado, os direitistas, terão a chance de experimentar o remédio que prescrevem. Se for o contrário, então o contrário. Em qualquer dos casos, vence a derrota. E quem resta segurando a lamparina, coitadinho? Como sempre, é o liberal. Caso sobreviva.
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