Dono da JBS orientou diretor a estreitar laços com ex-procurador Marcelo Miller, que faria a ponte na PGR
Jailton de Carvalho e Vinicius Sassine | O Globo
-BRASÍLIA- Na conversa gravada com Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais do grupo J&F, o empresário Joesley Batista, um dos donos do conglomerado, orientou o subordinado a se aproximar do então procurador da República Marcelo Miller para, a partir daí, chegarem ao procuradorgeral da República, Rodrigo Janot. A aproximação poderia abrir caminho para um futuro acordo de delação premiada, inclusive com a concessão de imunidade aos colaboradores.
Além disso, segundo a versão de Saud no áudio, Miller repassava informações sobre as tratativas de uma eventual delação a Janot por meio de um “amigo em comum”, dois meses antes da assinatura da colaboração premiada. No despacho que determinou a revisão do acordo, assinado na segunda-feira, o procurador-geral afirmou que os colaboradores só buscaram a Procuradoria-Geral da República (PGR), “direta ou indiretamente”, dez dias depois da provável data da gravação.
O longo diálogo entre os dois delatores foi entregue à PGR junto com outros anexos da complementação da delação premiada dos executivos da J&F, proprietária da JBS, na quinta-feira. Ao se deparar com o áudio, Janot determinou a abertura de um procedimento para revisar a delação. Os benefícios dados a Saud, Joesley e ao diretor jurídico do grupo, Francisco de Assis e Silva, poderão ser anulados. Eles ganharam imunidade penal e o direito de não serem presos.
A avaliação dentro da PGR é de que o detalhamento sobre a atuação de Miller é o que traz maior gravidade dentre todos os assuntos tratados no áudio, cuja data provável é 17 de março. Naquele momento, ele era procurador da República e integrava o gabinete de Janot, como integrante do grupo de trabalho montado para investigar fatos relacionados à Operação Lava-Jato.
Miller já estava em constante contato com os executivos da J&F, como se depreende do diálogo gravado. Ele só foi exonerado do cargo de procurador da República no mês seguinte, em abril. O ex-procurador passou a trabalhar como advogado e, integrando um escritório de advocacia, atuou no acordo de leniência assinado pelo grupo J&F. A leniência, uma espécie de delação para a empresa, foi assinada com a Procuradoria da República no Distrito Federal. Tanto a leniência quanto a delação foram assinadas em maio.
Saud, já na hora final da gravação, relata a Joesley conversas mantidas com Miller e tentativas de chegar a Janot já naquele momento. “Eu falei: ‘Você passa tudo pro Janot?’ Ele disse: ‘Não, não. Não vou te mentir não. Não passo não. É um amigo meu comum. Comum do Janot’”, diz o diretor do grupo. Joesley então diz que Miller estava repassando informações de dentro do banheiro, após conversar com os executivos: “Então ele passa... Então é verdade que ele corre no banheiro e passa.”
O diretor vai além e diz ter ouvido de Miller que Janot, depois de deixar o comando da PGR, iria para o escritório de advocacia onde passou a atuar o ex-procurador da República. “O Janot vai sair e vai ficar com o Marcelo no escritório do cara”, diz Saud a Joesley. O diretor afirma ainda que o “amigo comum” é “um tal de Christian”. “O Janot não vai concorrer, ele vai sair e vai vir advogar junto com ele e esse Christian nesse escritório. Vai ser um escritório único, vai ser ele, esse Christian, ele e o Janot.”
Além das citações à PGR, os delatores falam também de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente sobre a tentativa de envolver ministros na colaboração premiada, a partir da possibilidade de contato com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. “Zé Eduardo é o melhor caminho para chegar ao Supremo”, diz Saud, reproduzindo uma conversa que teria mantido com Miller. O diretor afirma que existiria “intimidade” entre Cardozo, a então presidente Dilma Rousseff e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
O áudio traz ainda referências aos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. “O trem do Gilmar que virou briga lá. Vamos esquecer isso e vamos pegar os três. Eu falei: ‘Marcelo, você é inteligente demais, você tá largando um amigo e quer três.’ Ele mandou eu digitar tudo lá pra ele. ‘Pode escrever o que você quiser aí, que eu conserto depois’”, diz Saud no áudio. “Eu falei pro Marcelo: ‘Cê quer pegar o Supremo? Seguinte, guarda o Zé, o Zé entrega o Supremo”, complementa Joesley. A estratégia não teria tido êxito.
Já o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), “pegou tudo em dinheiro”, segundo Saud, ao falar sobre repasses feitos pelo grupo ao governador tucano. Repasses em dinheiro vivo também beneficiaram o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), conforme o relato feito por Saud a Joesley. A forma como o grupo beneficiou os dois governadores da Região Sul foi o último assunto tratado pelos delatores e registrado por um gravador. “Os governadores, coitadinhos... Beto Richa... Pegou tudo em dinheiro. Fui eu e aquele José Jerônimo entregar pro Beto”, afirma Saud. “Colombo... Fomos eu e o... Entregar para o...", continua o diretor. “Gavazzoni”, responde Joesley. “Gavazzoni. Eu fui lá umas quatro vezes e o Florisvaldo umas três”, continua Saud. (Colaboraram Eduardo Bresciani, Renata Mariz e Karla Gamba)
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