A lei 12.850, de 2013, que rege as delações premiadas, não é clara a respeito: o que acontece se um colaborador omite fatos, mente, manipula o Ministério Público?
Entende o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que o delator de má-fé pode perder os benefícios recebidos no acordo fechado com as autoridades, mas permanecem válidas as provas e informações por ele fornecidas.
Com a tese —respeitável, convém assinalar—, atenua-se a consternação geral (exceção feita a grande parte do mundo político) com o inesperado anúncio, feito por Janot nesta segunda (4), de abertura de procedimento capaz de levar à rescisão das delações do empresário Joesley Batista e de outros dois executivos ligados à JBS.
No entender do procurador, portanto, a eventual comprovação de dolo por parte do grupo não impedirá o andamento de investigações como as que envolvem ninguém menos que o presidente da República, Michel Temer (PMDB).
É cristalino, no entanto, que as implicações do episódio transcendem em muito a esfera jurídica.
Abriu-se novo flanco de ataques à Operação Lava Jato, às vésperas de uma aguardada segunda denúncia formal contra Temer: mais uma vez a acusação, de crime comum no exercício do mandato, deve ser baseada, ao menos parcialmente, em dados entregues pela JBS.
Janot já recebera críticas devido ao açodamento e, com maior indignação, à generosidade extrema no acordo com Joesley e Wesley Batista —que, tendo confessado operar uma máquina de propinas e doações eleitorais irregulares, receberam imunidade penal.
Surge agora gravação, de conteúdo ainda obscuro, em que os delatores sugerem manter contatos frequentes com o então procurador Marcelo Miller, próximo a Janot. Posteriormente, em abril, Miller deixou o cargo público para ingressar em escritório de advocacia contratado pelo grupo dono da JBS.
Diante de tal associação de eventos, o procurador-geral não poderia deixar de proceder à revisão do acordo. Previsivelmente, a medida alimenta questionamentos a sua atuação, a poucos dias de encerrar-se o mandato, e ao exagero no recurso às delações.
Considerável parcela dessa ofensiva tem, sem dúvida, motivos interesseiros —ainda que o debate seja, de fato, relevante.
Temer, tudo indica, terá maior facilidade para desvencilhar-se da segunda denúncia a ser apresentada pela Procuradoria. Quanto à primeira, resta ainda explicar a indesmentível mala de dinheiro entregue a um assessor do Planalto indicado a Joesley Batista.
Se Janot estiver correto, o presidente terá de haver-se de novo com o caso quando deixar o posto e perder o foro privilegiado.
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