A eleição de Jair Bolsonaro angariou enorme oposição à continuidade das administrações petistas e acirrou também os ânimos de grupos que são contra a democracia. O apoio ao presidente se mantém estridente nas redes sociais e uma franja radical tem criticado as instituições com a falta de educação e inteligência que já se tornaram habituais. O ataque à democracia, via liberdade de imprensa, porém, veio de onde menos se esperava: do Supremo Tribunal Federal, o guardião de todas as liberdades. Sob fogo cerrado da extrema direita, o protagonismo dos ministros do tribunal já havia lhes trazido antipatia ou a franca oposição de setores amplos do Legislativo e da sociedade. As ações do presidente do STF, Dias Toffoli, contribuem para acelerar sua perda de prestígio, coroando uma obra feita de estrelismos e idiossincrasias em uma corte onde ninguém parece se entender.
O ato de Dias Toffoli foi imprudente, precipitado e, ao que tudo indica, ilegal. Ao assumir e propor-se como pacificador do tribunal, Toffoli sabia que pisava em terreno minado. Logo depois, seções em que ministros acusaram os procuradores da Lava-Jato de cretinos mostraram um grau de animosidade prejudicial à operação e à seriedade da Casa. Havia razões de sobra para Toffoli agir com paciência e sobriedade. Contribuiu para subir a exasperação no STF e favorecer a desrazão as supostas investigações da Receita sobre irregularidades nas declarações de IR de Toffoli, Gilmar Mendes e consortes e, depois, a campanha cerrada contra ambos feita pelos adeptos de Bolsonaro nas redes sociais.
Toffoli cometeu a temeridade de considerar críticas a ele, ou a outro ministro qualquer, como ataques à instituição ao abrir um inquérito de objeto genérico, sigiloso, sem seguir ritos estabelecidos pela corte. Com isso, levantou inúmeras suspeitas sobre quais seriam seus possíveis alvos, a começar pelos "cretinos" da Lava-Jato. O inquérito, porém, estreou censurando dois sites por publicarem, com base em documento verídico, que Toffoli fora citado por Marcelo Odebrecht em um dos mails, no âmbito das investigações sobre corrupção, como "amigo do amigo do meu pai", sem mais considerações. A determinação partiu de Alexandre de Moraes, encarregado da tarefa por Toffoli, que depois recuou diante da enorme indignação da sociedade. Não se sabe ao certo o que Toffoli pretendia, mas sabe-se que conseguiu reunir boa parte do próprio Supremo contra si.
Há indícios fortes para atribuir crimes de calúnia, injúria e difamação a exaltadas palavras de ordem, mentiras e críticas ao STF, em geral vindas de apoiadores do presidente Bolsonaro, que insinuam ameaça física aos ministros e qualificações quase impublicáveis. Há instrumentos legais para coibir essas provocações. A Toffoli bastaria ter feito um pedido de investigação à Procuradoria Geral da República, que tomaria as providências.
Da forma estabanada com que foi iniciado o inquérito, Toffoli arrumou mais adversários para o STF. Raquel Dodge, que comanda a PGR, não precisou de muita argumentação para pedir o arquivamento da iniciativa. Moraes rejeitou a decisão da PGR. O ministro Edson Fachin pediu esclarecimentos e, diante de ações judiciais de parlamentares e associações, poderá levar o inquérito à deliberação do plenário do Supremo, onde tudo faz crer que seria rejeitado, em um desgaste terrível e incomum para o presidente da instituição.
A repulsa à censura patrocinada por Toffoli e Moraes estimulou senadores a agitarem novamente o espantalho da CPI "Lava-Toga" e deputados a ameaçarem trazer a plenário projeto que pune os abusos de autoridade, com os quais o Legislativo limitaria os poderes do Judiciário. No meio dessa temerária fuzarca há o dispositivo que fixa em 70 anos a idade máxima para aposentadoria dos servidores, enfiada pelo Executivo na PEC da reforma da previdência. Se aprovado, daria a Bolsonaro, que em campanha chegou a namorar a ideia de nomear mais 10 ministros para o STF, o poder de fazer mais duas indicações, além das duas a que terá direito, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Com tudo isso, o STF fragilizou-se diante de investidas, muitas delas antidemocráticas, contra seus poderes. E, ao não discriminar as ameaças, colocou no mesmo balaio órgãos de imprensa e encrenqueiros autoritários, unindo-os falsamente em torno da defesa da democracia que, para os primeiros, é uma necessidade vital, e para os segundos, um regime intolerável.
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