- Folha de S. Paulo
Aceitar a morte do sequestrador no Rio como inevitável é diferente de celebrá-la
Quem faz reféns corre o risco de levar legitimamente uma bala na cabeça. Tanto o consequencialismo como a deontologia moderada tendem a considerar permissível ou até obrigatória a ação do policial que mata o criminoso que ameaçava a vida de inocentes. Uma coisa, porém, é aceitar a morte do sequestrador Willian Augusto da Silva como um revés inevitável e outra é celebrá-la, como fizeram policiais, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro.
Eu até compreendo a comemoração dos policiais. É verossímil, afinal, que eles tenham festejado não exatamente a morte do sequestrador, mas o sucesso da operação, que, a crer nas informações prestadas pelas autoridades, foi mesmo exemplar, tendo seguido todos os protocolos, incluindo a avaliação, por psicólogos, de que Silva estava em surto psicótico e representava perigo real.
E por que não podemos estender essa leitura mais benigna da celebração para Witzel e Bolsonaro? Em parte, podemos, mas declarações dadas pelas duas autoridades afastam a possibilidade de que tenha sido só isso. Bolsonaro, por exemplo, soltou um “não tem que ter pena”. Já Witzel há tempos insiste na tese de que franco-atiradores devem abater suspeitos mesmo que não estejam ameaçando a vida de ninguém.
No caso específico, há um complicador adicional para a posição mais linha-dura. Pelo que li nos jornais, Silva não era alguém que possa ser classificado como bandido e maniqueisticamente colocado na categoria dos vilões que merecem castigo. Ao que tudo indica, ele sofria de transtornos mentais, que, se não determinaram o ataque ao ônibus, decerto contribuíram para que ele ocorresse.
Não é absurdo imaginar que, se o sistema de saúde funcionasse melhor, Silva teria recebido um diagnóstico e teria sido tratado, evitando o surto e, assim, a própria tragédia. É preciso muita demagogia, ou ser uma pessoa muito ruim, para não sentir pena ou algum tipo de empatia numa situação dessas.
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