Mecanismo permitiu estabilizar dívida pública e mantém juros historicamente baixos
Nem tanto por mérito próprio, e certamente não pelas realizações até aqui do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil faz parte hoje de um grupo de economias que exibem as menores taxas de juro da história.
Em um movimento agora acentuado pela pandemia da Covid-19, muitos países já vinham adotando ações excepcionais para sustentar suas economias desde a crise financeira global de uma década atrás.
Nas nações ricas, os bancos centrais injetaram valores trilionários no mercado e mantiveram no chão os juros que remuneram investidores e oneram empréstimos ao setor produtivo. O duplo objetivo vinha sendo estimular poupadores a gastar e as empresas, a investir.
Enquanto esse movimento percorreu, nesta década, quase todos os países relevantes, o Brasil tomou a direção oposta: o Banco Central iniciou, em 2013, uma escalada em sua taxa básica de juros.
Naquele momento, não só a inflação ganhava ímpeto, obrigando a um esfriamento da economia, como a dívida pública nacional saía do controle. Era a conta que chegava após um período de gastos excessivos sem lastro na arrecadação, agravando uma tendência que já se verificava havia muitos anos.
Entre 2013 e 2016, a dívida pública saltaria quase 20 pontos, atingindo 70% como proporção do PIB (Produto Interno Bruto); e a inflação alcançaria dois dígitos em 2015.
A fim de conter a disparada dos preços e continuar atraindo investidores para financiar rombos crescentes, o Banco Central praticamente dobrou a Selic, o juro básico do país, para 14,2% ao ano. Combinado à enorme desconfiança que existia sobre a solvência das contas públicas, o resultado foi uma das maiores recessões da história: o PIB encolheria -3,5% em 2015 e outros -3,3% em 2016.
A confiança só seria retomada, permitindo a queda dos juros, após a aprovação, ao fim de 2016 e no governo Michel Temer, da Proposta de Emenda à Constituição que instituiu o chamado teto de gastos.
O mecanismo, válido para todos os níveis de governo e que limita a despesa ao Orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação, pôs fim a um longo período de descontrole no gasto público. A partir do teto, a despesa primária do governo central cresceria 1,2% ao ano, menos de um quinto do que ocorria entre 1997 e 2014.
Com o teto agindo como uma âncora nas expectativas dos agentes econômicos, já que as despesas agora tinham um limitador, o Banco Central pôde cortar os juros, até a Selic cair aos 2% ao ano atuais, mantendo a inflação sob controle.
O resultado foi uma significativa redução no custo de rolagem do endividamento, e a dívida pública manteve-se estável nos últimos dois anos ao redor de 76% do PIB.
Mas, se esse já era um patamar elevado para um país emergente como o Brasil, a chegada da pandemia fez disparar novamente o endividamento, com as medidas emergenciais adotadas elevando o indicador a quase 100% do PIB.
Na prática, quase todas as economias do mundo terminarão 2020 mais endividadas, entre 15 e 25 pontos. Relativamente, portanto, o Brasil não estará em pior posição do que antes da pandemia.
Antes da chegada do vírus, outros países já tinham inclusive a relação dívida/PIB maior que a brasileira. Ela ultrapassava 230% no Japão e ronda os 100% nos EUA. No conjunto da zona do euro, o indicador pode exceder 110% neste ano.
A diferença é que, além de terem renda elevada e moedas consideradas reserva de valor, para as quais investidores correm em crises, esses países têm mantido estável a relação entre a dívida e o PIB há muitos anos, coisa que o Brasil só conseguiu fazer no biênio 2018-2019.
Agora, além do salto no endividamento, dúvidas sobre o compromisso de Jair Bolsonaro em relação ao teto aumentam a pressão por mais gastos, obrigando o Tesouro Nacional a encurtar perigosamente os prazos de vencimento da dívida para poder refinanciá-la com juros entre 2% e 3% ao ano.
Para rolá-la em prazos maiores, o mercado, desconfiado, já exige taxas acima de 7% ao ano, o que elevaria muito o custo de refinanciamento e, novamente, a dívida —instaurando um círculo vicioso.
O que a história econômica recente do Brasil revela é que o teto de gastos continua sendo fundamental para manter o controle orçamentário. Mas, diante de gastos crescentes, tornou-se imperativo também que Executivo e Congresso levem adiante a aprovação da chamada PEC Emergencial, que institui gatilhos previstos no teto para cortar despesas de pessoal quando ele estiver ameaçado.
Esse é hoje o caminho mais seguro para que o país siga desfrutando dos benefícios do ambiente global de menores juros da história.
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