É um atraso questionar a vacina obrigatória. Para controlar a pandemia, ela é fundamental
Após o presidente Jair Bolsonaro declarar, na segunda-feira, que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, tentou consertar. Disse que uma futura vacina contra a Covid-19 “não é obrigatória”, mas que o governo incentivará a imunização “como um grande instrumento” para a volta à normalidade. A afirmação preocupa mais que tranquiliza.
Primeiro, porque, ao contrário do que dizem ambos, a vacinação é obrigatória. O presidente deveria saber disso, já que, em fevereiro, sancionou a Lei 13.979, que, entre outras medidas, autoriza a imunização compulsória contra a doença. Ainda que não existisse tal lei, o artigo 268 do Código Penal estabelece detenção de um mês a um ano, além de multa, para quem “infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Não só a vacina é obrigatória, como recusar-se a tomá-la pode dar cadeia.
O que mais aflige, porém, é a postura leniente. O governo fez bem ao firmar um acordo com a farmacêutica AstraZeneca — que desenvolve uma vacina com a Universidade de Oxford —, para transferir tecnologia e produzi-la no Brasil. Mas ainda não há garantia de que essa vacina dê certo. E de pouco adiantará ter o imunizante sem uma estratégia — que leve em conta os desafios de logística e distribuição — para proteger a população.
Não basta “incentivar”. Prova disso é que, nos últimos anos, os índices de vacinação têm despencado, apesar das inúmeras campanhas. União, estados e municípios têm se revelado ineptos para atingir as metas — tanto que um mal erradicado, o sarampo, voltou a matar. Mesmo quando há doses disponíveis, a população não está protegida. É preciso uma postura mais ativa, tal o vulto recente dos movimentos antivacina.
A liberdade individual daqueles que se recusam a tomar a vacina não pode se sobrepor ao bem coletivo. Um infectado pelo coronavírus, especialmente se assintomático, põe em risco toda a comunidade. Casos graves demandam longa internação e custam caro ao Estado — despesa paga por toda a sociedade. Sem falar no efeito deletério da pandemia na atividade produtiva, que só passará em definitivo quando houver uma vacina eficaz.
Não à toa, o mundo assiste a uma corrida pelas vacinas, em que países ricos já reservaram mais de um bilhão de doses, mesmo sem garantia de que os imunizantes sejam eficazes. O “nacionalismo das vacinas”, que privilegia ações isoladas em vez da iniciativa da OMS para assegurar uma distribuição equânime, tende a limitar estoques, ao menos num primeiro momento. Daí a necessidade de estratégias racionais.
Há tempo para se precaver de erros comuns nas campanhas de vacinação. Ao questionar a indiscutível obrigatoriedade, porém, o governo larga mal. Reproduz um comportamento do início do século passado, quando o Rio, capital da República, foi palco da insólita Revolta da Vacina. É lamentável que, em pleno século 21, ainda se tenha de combater o terraplanismo na Saúde.
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