Alta no preços dos alimentos requer medidas racionais, não ações demagógicas
A repercussão da crise do arroz despertou um instinto essencial de Jair Bolsonaro, a demagogia. Mais do que a escassez relativa do produto e a carestia, foi o burburinho nas redes sociais e nos meios de comunicação que moveu o presidente, pois o problema já era notável havia semanas.
Bolsonaro age a seu modo. Isto é, tenta se descolar da crise, procura demonstrar dureza de modo populista, bafeja autoritarismo, toma medidas para inglês ver e assevera, ao mesmo tempo, que é um democrata e um liberal que tenta combater os inimigos do povo.
Seu governo intimou produtores, industriais e comerciantes a explicarem o aumento de preços, por exemplo, medida de resto sem resultado prático. Decerto tomou a decisão acertada, embora tardia, de facilitar importações de arroz.
Um acompanhamento mais metódico teria permitido um diálogo profissional com empresas e especialistas do ramo, de modo a tomar medidas possíveis, cabíveis e a bom termo. Mas essa seria a atitude de um governo racional.
O problema é de fato espinhoso. A inflação geral, medida pelo IPCA, está em 2,4% ao ano, das cinco mais baixas desde 1999, quando o país adotou o sistema de metas de inflação e o câmbio flutuante. A alta dos alimentos consumidos em casa, porém, está entre as 20% maiores do período, em 11,4% ao ano.
Nesses pouco mais de 20 anos, já houve carestias maiores. Mas jamais foi tamanha a disparidade entre o IPCA e a inflação de alimentos. Não há, porém, indício de descontrole inflacionário, sobretudo porque os preços estão ancorados pela grave crise, que contém ainda mais reajustes nos serviços e deprime os salários.
É verdade que o desequilíbrio de preços pode por vezes começar em um cenário de grande incerteza. As avaliações de risco são difíceis, pois dependem da recuperação econômica e do efeito do fim do gasto extraordinário do governo.
Há que se considerar ainda o risco de descontrole fiscal. Tentativas irresponsáveis de burlar o teto de gastos, por exemplo, podem provocar tensão financeira e desvalorizar ainda mais o real, um fator possível de inflação.
Diante desses problemas do mundo real, o presidente reage de modo estabanado, demagógico ou muitas vezes inepto. Foi assim com o preço dos combustíveis, com a pandemia, com as queimadas, com a política de reformas.
O controle das expectativas econômicas e a administração de todos esses problemas, da oferta de alimentos à boa gestão fiscal, depende de governo sereno, metódico e racional. É irrealista esperar tais comedimentos de Jair Bolsonaro, mas se deve insistir nessa tarefa um tanto inglória.
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