A
violência contínua que existe no discurso do presidente Jair Bolsonaro nos
anestesia, aos poucos vai deixando de chocar. O objetivo é este mesmo:
anestesiar. É um método, estudado por cientistas políticos em vários cantos do
mundo, numa disciplina batizada decadência democrática. Anestesiados, nos
distraímos. E, distraídos, não percebemos que a guerra do presidente contra a
democracia está ganhando escala. Foi mostra desse ganho de escala o dia em que
a Polícia Civil do Rio bateu à porta do youtuber Felipe Neto para informá-lo de
que era investigado por chamar o presidente de “genocida”. Com base na Lei de
Segurança Nacional.
No caso de Felipe, o problema já passou — a juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio, viu “flagrante ilegalidade” na investigação e lembrou que a Polícia Civil nem sequer tem competência para investigar “crime contra a honra” do presidente. Além do quê, não é um vereador ou um membro da família do presidente quem tem autoridade de pedir a abertura desse tipo de inquérito. Mas, se Felipe está livre do problema, outros não estão, e ações assim vêm ficando mais comuns.
Em
geral, quase sempre via internet, alguém faz um comentário em oposição ao
presidente. O ataque, então, vem simultâneo. Pelas redes, é a onda de
cancelamento pessoal. Quando não se trata de uma pessoa conhecida, o mundo não
percebe. Não vê as mensagens privadas, os muitos tuítes, os comentários de Face,
os ataques pelo Insta que aquele indivíduo recebeu. Para um professor
universitário gaúcho ou um sociólogo do Tocantins, a pancada é dura. A onda de
agressão surge de repente — e dói.
Mas
há outro ataque, jurídico, levantando a Lei de Segurança Nacional ou outro
argumento. O importante é impor um custo em advogados, ameaçar de perda de
emprego. O objetivo é desestruturar emocionalmente, é intimidar. O objetivo é
calar qualquer forma de oposição.
Jair
Bolsonaro e os seus enxergam o mundo de uma forma particular: tudo é uma guerra
de informação. Nisso, ele e a nova leva do populismo autoritário de direita se
assemelham muito aos fascistas dos anos 1930. Aquele fascismo não era uma
ideologia, uma forma consistente de ver o mundo. Era, isto sim, uma estratégia
de alcançar o poder e de se manter no poder. Entre as táticas, estava
intimidação pessoal de quem demonstrasse oposição, para deixar claro a todos
que o preço de ser contra é alto. Mas a cartilha também incluía uma visão
paranoide de como o mundo funciona — capitalistas judeus são responsáveis pela
crise econômica alemã, marxistas culturais são quem de fato controla as
instituições do Brasil. E uma máquina maciça, usando a tecnologia mais recente
— rádio lá, redes sociais aqui —, investia pesado em desinformação para criar
bolhas onde informação não entra.
Para
Bolsonaro, esta é, pois, uma guerra de informação, e os fatos pouco importam. O
relevante no jogo como ele o enxerga é quem convence mais pessoas. Portanto,
quando hospitais lotam e mais gente morre, o alarme da sociedade não surge
naturalmente. Surge porque seus inimigos atuam como ele, na guerra de
informação. Bolsonaro não opera no mundo como ele é. Ele vive num em que a
realidade é fabricável.
O Centrão tentou indicar uma ministra da Saúde que poderia ter funcionado. Os militares tentam convencê-lo a adotar uma agenda positiva. Não adianta, nada muda a natureza do escorpião. Mas o perigo que ele representa mudou de escala não só pela forma de intimidar. Desinformação já elegia autoritários que desejam ser ditadores. Nos últimos meses, está também matando em vastas quantidades.
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