O Globo
Do final dos anos 1980 e ao longo dos 90,
os países socialistas ou comunistas caíram no capitalismo, exceto dois, Cuba e
Coreia do Norte.
A História mostrou três tipos de transição.
O primeiro modelo é o chinês. Também o mais antigo. Dez anos antes da queda do
Muro de Berlim, Deng Xiaoping iniciava as reformas econômicas, depois copiadas
pelo Vietnã.
Nesse modelo, o Partido Comunista comanda a
introdução dos grandes investimentos privados estrangeiros. É um passo
obrigatório para países sem capital, sem tecnologia e infraestrutura, e também,
naturalmente, sem empreendedores privados nacionais. Estes acabam aparecendo no
decorrer do tempo, formando-se uma combinação entre empresas nacionais e estrangeiras.
É nesse nível, da competição entre grandes multinacionais, que se dá hoje a
disputa geopolítica entre Estados Unidos e China.
Até aqui, a coisa está funcionando, quando se consideram os indicadores econômicos. Há forte crescimento da produção, da renda e do emprego. Sem liberdades, a não ser a de abrir um negócio.
Não se sabe, entretanto, até onde vai. A
população enriquece, torna-se classe média, com acesso cada vez maior à
educação e progressivamente exposta ao mundo das democracias ocidentais. Pode
ser que ocorra algo como o que se passou na Coreia do Sul, cuja arrancada para
o desenvolvimento também se deu com uma ditadura política, embora não
comunista. O país alcançou a democracia por pressão das classes médias. Mas a
China é muito maior, mais complexa, e a ditadura muito mais forte.
O segundo modelo é o da Europa do Leste:
Polônia, República Tcheca etc. A virada é completa, com a introdução simultânea
do capitalismo e da democracia política — aliás, requisito para entrar na União
Europeia, como muitos já fizeram.
O terceiro e pior modelo é o da falecida
União Soviética. O pessoal do partido ficou com as maiores estatais
privatizadas e as melhores oportunidades de negócios, tudo a preço de banana
roubada. Também manteve o poder político no novo regime, chamado de
democrático, com eleições nacionais, mas sem imprensa livre e sem liberdade
partidária. O nome disso é autocracia à Vladimir Putin.
E Cuba depois dos Castros? Trata-se de uma
ditadura extrema e cruel, fiel ao comunismo. A ilha só teve momentos bons
quando recebia ajuda externa. Primeiro, da União Soviética. Quando esta
desabou, Cuba entrou na primeira grande crise econômica e social, nos anos
1990.
Foi então que Fidel permitiu uma tímida
abertura. Tipo: famílias puderam transformar suas casas em pequenos
restaurantes. Mas Fidel nunca se convenceu mesmo dessas pequenas aberturas.
Depois, a ilha deu sorte: Chávez. O coronel
passou a entregar petróleo quase de graça, resolvendo o principal problema.
Quase 100% da energia em Cuba é gerada por termelétricas.
Quando a Venezuela começou a naufragar, e a
economia comunista continuava incapaz de gerar produto, Raúl Castro voltou a
promover algumas aberturas, tímidas, como a permissão para a compra e venda de
automóveis usados.
O atual governo cubano, comandado por
Miguel Díaz-Canel, encontra-se num dilema: a necessidade de avançar nas
reformas liberais e a fidelidade ao legado dos Castros. Estava levando assim
quando eclodiram as grandes manifestações da semana passada, estimuladas pela
internet.
Há pouco tempo, Díaz-Canel autorizou a
internet móvel. Foi por esse meio que as oposições começaram a se manifestar, e
as pessoas a trocar informações sobre a dificuldade de obter comida, remédios,
roupas, eletrodomésticos e empregos.
A pandemia entornou o caldo. O governo
reagiu com forte repressão, cancelou a internet e anunciou algumas medidas,
como a possibilidade de os viajantes ao exterior trazerem mais comida e
remédios. Nada.
Põe a culpa no embargo americano — que é um
problema, mas não o principal. Afinal, Cuba negocia intensamente com China,
Espanha e outros países europeus. O problema é que, exportando açúcar e
charutos, não gera renda suficiente.
Parece uma ditadura forte, mas outras já
caíram por força do povo nas ruas.
O certo é que o embargo não cai, nem o
mundo apoiará Cuba enquanto o governo cubano não der os primeiros passos na
direção da abertura econômica e política.
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