sábado, 17 de julho de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Só faltam Cuba e Coreia do Norte

O Globo

Do final dos anos 1980 e ao longo dos 90, os países socialistas ou comunistas caíram no capitalismo, exceto dois, Cuba e Coreia do Norte.

A História mostrou três tipos de transição. O primeiro modelo é o chinês. Também o mais antigo. Dez anos antes da queda do Muro de Berlim, Deng Xiaoping iniciava as reformas econômicas, depois copiadas pelo Vietnã.

Nesse modelo, o Partido Comunista comanda a introdução dos grandes investimentos privados estrangeiros. É um passo obrigatório para países sem capital, sem tecnologia e infraestrutura, e também, naturalmente, sem empreendedores privados nacionais. Estes acabam aparecendo no decorrer do tempo, formando-se uma combinação entre empresas nacionais e estrangeiras. É nesse nível, da competição entre grandes multinacionais, que se dá hoje a disputa geopolítica entre Estados Unidos e China.

Até aqui, a coisa está funcionando, quando se consideram os indicadores econômicos. Há forte crescimento da produção, da renda e do emprego. Sem liberdades, a não ser a de abrir um negócio.

Não se sabe, entretanto, até onde vai. A população enriquece, torna-se classe média, com acesso cada vez maior à educação e progressivamente exposta ao mundo das democracias ocidentais. Pode ser que ocorra algo como o que se passou na Coreia do Sul, cuja arrancada para o desenvolvimento também se deu com uma ditadura política, embora não comunista. O país alcançou a democracia por pressão das classes médias. Mas a China é muito maior, mais complexa, e a ditadura muito mais forte.

O segundo modelo é o da Europa do Leste: Polônia, República Tcheca etc. A virada é completa, com a introdução simultânea do capitalismo e da democracia política — aliás, requisito para entrar na União Europeia, como muitos já fizeram.

O terceiro e pior modelo é o da falecida União Soviética. O pessoal do partido ficou com as maiores estatais privatizadas e as melhores oportunidades de negócios, tudo a preço de banana roubada. Também manteve o poder político no novo regime, chamado de democrático, com eleições nacionais, mas sem imprensa livre e sem liberdade partidária. O nome disso é autocracia à Vladimir Putin.

E Cuba depois dos Castros? Trata-se de uma ditadura extrema e cruel, fiel ao comunismo. A ilha só teve momentos bons quando recebia ajuda externa. Primeiro, da União Soviética. Quando esta desabou, Cuba entrou na primeira grande crise econômica e social, nos anos 1990.

Foi então que Fidel permitiu uma tímida abertura. Tipo: famílias puderam transformar suas casas em pequenos restaurantes. Mas Fidel nunca se convenceu mesmo dessas pequenas aberturas.

Depois, a ilha deu sorte: Chávez. O coronel passou a entregar petróleo quase de graça, resolvendo o principal problema. Quase 100% da energia em Cuba é gerada por termelétricas.

Quando a Venezuela começou a naufragar, e a economia comunista continuava incapaz de gerar produto, Raúl Castro voltou a promover algumas aberturas, tímidas, como a permissão para a compra e venda de automóveis usados.

O atual governo cubano, comandado por Miguel Díaz-Canel, encontra-se num dilema: a necessidade de avançar nas reformas liberais e a fidelidade ao legado dos Castros. Estava levando assim quando eclodiram as grandes manifestações da semana passada, estimuladas pela internet.

Há pouco tempo, Díaz-Canel autorizou a internet móvel. Foi por esse meio que as oposições começaram a se manifestar, e as pessoas a trocar informações sobre a dificuldade de obter comida, remédios, roupas, eletrodomésticos e empregos.

A pandemia entornou o caldo. O governo reagiu com forte repressão, cancelou a internet e anunciou algumas medidas, como a possibilidade de os viajantes ao exterior trazerem mais comida e remédios. Nada.

Põe a culpa no embargo americano — que é um problema, mas não o principal. Afinal, Cuba negocia intensamente com China, Espanha e outros países europeus. O problema é que, exportando açúcar e charutos, não gera renda suficiente.

Parece uma ditadura forte, mas outras já caíram por força do povo nas ruas.

O certo é que o embargo não cai, nem o mundo apoiará Cuba enquanto o governo cubano não der os primeiros passos na direção da abertura econômica e política.

 

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