domingo, 12 de junho de 2022

Míriam Leitão: Semelhanças e diferenças

O Globo

Na economia, existem algumas semelhanças. Bolsonaro quer intervir na Petrobras, Lula também quer. Bolsonaro demitiu com canetadas três presidentes da estatal, Lula diz que falta coragem ao seu oponente para dar uma canetada e mudar a política de preços dos combustíveis. Mas, no geral, predominam as diferenças. No governo Bolsonaro, cresceu fortemente o número de pessoas passando fome no Brasil, no governo Lula o Brasil saiu do mapa da fome. O PT derrubou durante dez anos, em 80%, o desmatamento na Amazônia. A média da destruição da floresta nos três anos de Bolsonaro é 53% maior do que a média dos três anos de Michel Temer. O PT governou o país por 13 anos. Quando sofreu impeachment, protestou, atacou os críticos, não admitiu seus erros e carimbou o evento como golpe, mas saiu do Palácio pela porta da frente. Bolsonaro há três anos e meio faz as piores ameaças institucionais ao país.

Em certos pontos da política macroeconômica o ex-presidente Lula e o atual presidente são bem parecidos. No projeto político, eles são diametralmente opostos. Nas próximas semanas e meses, o país vai esmiuçar esses pontos em debates, entrevistas e análises. O esboço do programa econômico do PT tem velhas propostas que ele sempre defendeu, algumas colocou em prática, com péssimos resultados. Na última semana, o intervencionismo econômico, do qual o partido é admirador, foi também a tônica do discurso de Bolsonaro e até do ministro Paulo Guedes. O que os distancia é que, sob Bolsonaro, o país vive em constante tormento institucional, com ameaças cada vez mais pavorosas supostamente em nome da liberdade.

— Surgiu uma nova classe de ladrão, que são aqueles que querem roubar nossa liberdade. Eu peço que cada vez mais vocês se interessem por esse assunto. Se precisar, iremos à guerra. Eu quero o povo ao meu lado consciente do que está fazendo e por quem está lutando — afirmou Bolsonaro, no último dias 4, na inauguração de uma estrada em Umuarama, Paraná, ameaçando o país com a guerra civil.

Alguém pode ponderar que era figura de linguagem, força de expressão, mas Bolsonaro passa o tempo todo convocando os seus seguidores a se armarem. Não ficou nas palavras. Aumentou as possibilidades de porte e posse de armas, reduziu o controle do Exército sobre armas e munições. O risco é óbvio, mas parece que as Forças Armadas o ignoram. No dia 11 de maio, na Expoingá, Bolsonaro falou, de novo, em armar o povo. “Somente ditadores temem o povo armado.” Ao lado dele estava o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. O silêncio aquiescente das Forças Armadas é perturbador. Pior é quando ecoam as conspirações de Bolsonaro. Na sexta-feira, o Ministério da Defesa voltou a alimentar a suspeita sobre as urnas eletrônicas.

O PT precisa atualizar suas propostas econômicas. O programa defendeu a revogação da reforma trabalhista. Depois o partido recuou. A reforma do governo Temer era muito ruim, tinha até um item que permitia que grávidas trabalhassem em local insalubre. O Congresso tirou os piores pontos. O projeto prometia aumentar o emprego e não aumentou. Todo esse debate se passa no mundo da carteira assinada, ou seja, os incluídos. O Brasil tem metade dos trabalhadores sem carteira, desempregado ou em desalento. O mundo do trabalho mudou radicalmente e as respostas da direita e da esquerda envelheceram. Então, o problema é mais complexo. Precisamos todos reestudar o tema.

Bolsonaro tem tomado medidas desesperadas para derrubar a inflação e assim se livrar do peso da impopularidade. Defende ideias ruins com as quais o PT frequentemente flertou. A participação de Bolsonaro e Paulo Guedes na quinta-feira, no encontro de supermercados, já nasceu como um clássico do intervencionismo econômico.

— Nova tabela de preços só em 2023. Travem os preços. Vamos parar de aumentar os preços por uns dois, três meses. Nós estamos em uma hora decisiva para o Brasil — disse Guedes, economista que sempre se definiu como liberal.

A última semana foi terrível para quem defende a lei na Amazônia. O desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira descortina o terror do avanço do crime organizado dominando o território da floresta. Bolsonaro estimulou a grilagem e a invasão de terras indígenas, Lula fez um programa bem-sucedido de comando e controle. É preciso debater cada ponto dos programas, mas não há equivalência entre erros econômicos e a tragédia institucional que está diante de nós.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Excelente artigo de Míriam Leitão,só ela mesmo.