Valor Econômico
Por enquanto, a estratégia de Bolsonaro de
buscar a redução a qualquer custo da inflação e de dar mais dinheiro a uma
parcela expressiva da população não levou a uma mudança do quadro eleitoral
A 42 dias do primeiro turno, os fatores
mais decisivos para o resultado das eleições serão o impacto sobre os eleitores
dos números mais favoráveis da inflação e especialmente o efeito do aumento do
Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600. Por enquanto, a estratégia do presidente
Jair Bolsonaro de buscar a redução a qualquer custo da inflação e de dar mais
dinheiro a uma parcela expressiva da população, mesmo que desrespeitando regras
fiscais e eleitorais, não levou a uma mudança significativa do quadro eleitoral.
Na semana passada, pesquisas do Datafolha e do Ipec mostraram que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue com uma folga considerável na
liderança da disputa, embora ela tenha se estreitado.
A percepção sobre a situação da economia,
enfim, será o ponto mais importante para o resultado da eleição, como dizem os
analistas políticos há muitos meses. Outro fator, porém, tem ganhado força nas
últimas semanas - a questão religiosa. É justamente entre os evangélicos que
Bolsonaro tem conseguido melhorar o seu desempenho nas pesquisas. Em maio, o
presidente vencia Lula por 39% a 36% nesse grupo, segundo o Datafolha. No
levantamento da semana passada, Bolsonaro tinha 49% das intenções de voto do
segmento, enquanto o petista tinha 32%.
Na economia, a inflação ao consumidor acima de dois dígitos no acumulado em 12 meses desde setembro de 2021 é o fator que derrubou a popularidade do Bolsonaro. O dano maior ocorre entre os mais pobres, devido à escalada dos preços de alimentos, que sobem mais de 17% em 12 meses. A disparada das cotações de combustíveis e energia elétrica também puxou a inflação para cima, e foi aí que o governo agiu.
O Congresso impôs limites à cobrança do
ICMS pelos Estados sobre esses e outros itens, o que derrubou os preços,
culminando na queda de 0,68% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) em julho. Além disso, o recuo do petróleo e a baixa do dólar por aqui
abriram espaço para a Petrobras reduzir as cotações dos combustíveis no mercado
doméstico. Em menos de um mês, a empresa cortou três vezes os preços da
gasolina nas refinarias. Com isso, as projeções para o IPCA neste ano caíram da
casa de 9% para 7%.
O tombo dos combustíveis, porém, pouco
afeta o bolso dos mais pobres, a maior fatia da população e o segmento em que
Bolsonaro está muito distante de Lula. Entre os entrevistados com renda
familiar mensal até dois salários mínimos, o petista bate o presidente por 55%
a 23%, segundo a pesquisa mais recente feita pelo Datafolha. Nessa faixa de
renda estão 51% dos ouvidos pelo instituto. Até o momento, o Auxílio Brasil
turbinado não mudou o panorama dos votos nesse segmento, mas o benefício com o
novo valor só começou a ser pago a partir do dia 9 deste mês. As próximas
pesquisas vão mostrar se o Auxílio a R$ 600 poderá ter efeito mais forte sobre
essa faixa do eleitorado.
“O pacote de bondades, as frequentes
reduções dos preços dos combustíveis e a melhora do ambiente econômico ainda
são elementos que potencialmente contam a favor da possibilidade de Bolsonaro
crescer nas pesquisas”, escreve Ricardo Ribeiro, analista político da MCM
Consultores e sócio da Ponteio Política, para quem “essa ainda é uma hipótese
razoável”. Ele observa que candidatos incumbentes costumam crescer durante a
campanha. “Além da vantagem na utilização do poder de fogo do governo para
criar medidas de impacto eleitoral - como fez e está fazendo Bolsonaro -,
governantes quase sempre têm alguma realização para destacar e mostrar aos
eleitores durante a campanha”, afirma Ribeiro. Com isso, é de se presumir que o
presidente suba nas pesquisas até o fim de setembro. O ponto é se ele vai
crescer o suficiente para equilibrar de fato a disputa, destaca Ribeiro, para
quem essa não é a tendência que deve prevalecer nesta eleição. “Quando se
observa a eleição em um horizonte temporal mais amplo, ressalta-se a
estabilidade da disputa: Lula lidera com intenção de voto no primeiro turno
entre 40% e 45%, enquanto Bolsonaro flutua entre 30% e 35%. No segundo turno,
Lula fica sempre acima de 50% e Bolsonaro sempre abaixo de 40%”. Isso ocorre
basicamente desde meados do ano passado. Na visão de Ribeiro, essa estabilidade
é consequência do fato de a eleição contrapor o atual presidente a um
ex-presidente. “A maioria dos eleitores conhece e já tem uma avaliação
consistente, positiva ou negativa, a respeito de cada um deles. É por isso que
os percentuais totais de intenção de voto espontâneo deste ciclo eleitoral
presidencial sempre foram maiores do que nas eleições anteriores”, nota ele.
“Isso significa que a campanha nas ruas,
nas redes sociais, no Whatsapp, no Telegram e no rádio e na televisão (que
começará na sexta-feira) tende a alterar apenas marginalmente o retrato da
disputa - a não ser que surjam fatos novos de grande impacto. O eleitor já
conhece bem as qualidades e defeitos de Lula e Bolsonaro e os esqueletos que
mantêm no armário. Expô-los na campanha não deverá causar danos consideráveis a
um lado ou a outro”, avalia Ribeiro. Para ele, Bolsonaro tem chance de crescer,
mas provavelmente não a ponto de ameaçar para valer o favoritismo de Lula. O
analista vê mais chances de vitória do ex-presidente no segundo turno, mas diz
que, “a depender da previsível migração de votos de parte dos eleitores de Ciro
Gomes e, talvez, até de Simone Tebet para Lula, na reta final da eleição, o
petista pode até vencer no primeiro turno”.
Ribeiro também vê limites para a conquista
de votos de Bolsonaro entre os evangélicos. Em 2018, na véspera do segundo
turno, Bolsonaro tinha 59% das intenções de voto nesse grupo, enquanto Fernando
Haddad, o candidato de Lula, chegava a 26%. No Datafolha da semana passada,
Bolsonaro aparece com 54% dos votos evangélicos no segundo turno e Lula, com
37%. Para Ribeiro, o presidente está próximo do seu teto entre os evangélicos,
por já ter quase recuperado o que tinha em 2018.
Bolsonaro jogou pesado para reduzir a inflação e aumentar as transferências de renda para os mais pobres, caminhoneiros e taxistas, até o momento sem resultados expressivos. Se Ribeiro estiver certo, o presidente crescerá um pouco nas pesquisas nas próximas semanas, mas não a ponto de mudar o jogo eleitoral. Sem tempo para o governo adotar novas medidas populistas, o cenário para o pleito só mudaria em caso de surgimento de um fato novo e de grande impacto.
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