Folha de S. Paulo
Crescerá o sentimento de conluio da classe
política
O
maior bloco de Carnaval do mundo é o Galo da Madrugada. Mas temos provavelmente também
agora o maior bloco parlamentar já registrado. Ele reúne 20 dos 23 partidos com
representação na Câmara dos Deputados (87% do total): são 496
parlamentares ou 97% dos membros da casa.
O bloco reúne, entre outros partidos, o PT
e o PL. Também integram o bloco: PCdoB e PV (que compõem a federação com o PT),
União Brasil, PP, MDB, PSD, Republicanos, PSDB, Cidadania, Podemos, PSC, PDT,
PSB, Avante, Solidariedade, Pros, Patriota e PTB. Apenas o Novo (3 deputados) e
a federação formada por Psol e Rede (14 deputados) não participam do bloco.
A aberrante situação da Câmara não se repete no Senado, mas o quadro é igualmente bizarro: o maior bloco reúne 31 senadores de três partidos governistas, dois formalmente independentes e um de oposição. Participam partidos do governo e da oposição. A clivagem ideológica ou governo-oposição é virtualmente inexistente. Os partidos do núcleo duro do bolsonarismo estão divididos em dois blocos: o PL forma um bloco a parte, e os Republicanos e Progressistas outro.
E la nave va. Em um contexto em que a
polarização recrudesceu, atingindo níveis inéditos, e o novo presidente
mantém-se em campanha permanente.
Inexiste congruência em qualquer dimensão
relevante entre o chefe do Executivo —seu gabinete que não reflete a composição
partidária da base parlamentar— e os blocos parlamentares. Não se trata de
situação nova. Nos governos Lula e Dilma inexistia congruência partidária sob
qualquer métrica relevante (basta lembrar que Marcelo Crivella e George Hilton
foram ministros). A incongruência apenas mudou de magnitude.
No passado ele foi uma das causas da
malaise política que levou às manifestações de 2013, e a recusa iliberal da
"velha política". É fonte permanente de cinismo cívico e críticas
antissistema.
Há registros nas democracias em que as
principais forças políticas governam juntas (ex. Alemanha, Áustria, Holanda,
Colômbia, entre outros). A Alemanha teve quatro grandes coalizões de governo
(as Groko) entre 1966 e 2017, nas quais os arquirrivais, SPD e o CDU/CSU,
chegaram a controlar 90% das cadeiras do Parlamento, como em 1966-1969. Mas as
similaridades acabam aí.
A razão para a formação da groko foi
programática: em 1966 os liberais do FDP, abandonaram o governo por oporem-se à
reforma tributária proposta. Tais coalizões de governo são
contratualizadas como mostrei aqui. Na década de 1960 e 1970, a Groko gerou
enorme reação na sociedade civil e foi um dos alvos do grupo terrorista
Baader-Meinhof que a chamou de "conluio da burguesia". No Brasil, o
alvo seria o "conluio da classe política".
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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