quinta-feira, 22 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Copom dá sinais de que juros já podem ser reduzidos

Valor Econômico

O Copom não considera mais incertos os cenários com os quais trabalha, pois não os menciona, como no comunicado anterior

O Comitê de Política Monetária manteve, como era esperado, os juros em 13,75% ao ano, mas retirou do comunicado a projeção de um cenário alternativo, no qual essa taxa seria mantida ao longo do período relevante para a política monetária. Esse é um sinal importante relevante de que o Banco Central já não julga necessário considerar a hipótese de manter o nível de aperto atual, como insinua o cenário de referência, no qual a inflação em 2024 atinge 3,4%, bem perto de 3% do centro da meta. Outras pistas do comunicado indicam que o ciclo de afrouxamento está próximo.

O balanço de riscos para a inflação segue simétrico, mas eles são atenuados. Pelo lado da alta, há a persistência da inflação global, embora seu nível tenha se reduzido significativamente nas economias europeias e americana. A incerteza “ainda presente” sobre o desenho final do arcabouço fiscal do comunicado do Copom da reunião de maio tornou-se “residual” nesse de agora. E, por fim, entre os fatores de alta do risco, o Copom menciona uma desancoragem maior ou mais duradoura das expectativas, que não estão ocorrendo.

Os riscos de baixa consideram uma queda adicional dos preços das commodities em reais, movimento já parcialmente verificado, segundo o BC. Além dela, são relacionadas uma desaceleração econômica global mais acentuada causada por situações adversas do sistema financeiro e uma redução de crédito maior do que a compatível com o atual ciclo de política monetária, o que até agora também não parece estar acontecendo inequivocamente.

O Copom não considera mais incertos os cenários com os quais trabalha, pois não os menciona, como no comunicado anterior. Retirou, como era esperado, por desnecessário, o trecho em que indicava disposição de voltar a subir os juros caso o processo de desinflação não acontecesse como o esperado. E, mais relevante, em vez de dizer que permanece vigilante, avaliando se a manutenção do juro por período prolongado será capaz de assegurar a volta da inflação para a meta, o comunicado acentua agora que essa estratégia foi correta e que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária e de outros fatores - serão dependentes dos dados. Ou seja, a possibilidade de uma inversão de rota em direção ao relaxamento monetário, “com cautela e parcimônia,” poderá se materializar em qualquer uma das próximas reuniões do Comitê.

Pelo cenário de referência, que considera um câmbio a R$ 4,85, inferior aos R$ 5,05 anterior, e uma taxa Selic de 12,25% ao fim do ano - 1,5 ponto percentual inferior à atual - o IPCA projetado cai com força em 2023, para 5% (projeção anterior 5,8%) e o aproxima mais da meta no ano que vem (3,4% ante 3,6%). Os cortes de juros podem então começar em agosto, a um ritmo modesto, ou depois, a um ritmo maior. É certo que, pela base de comparação, a inflação voltará a subir depois de junho, mas não deverá se acelerar, deixando o campo aberto para o afrouxamento monetário.

Desde a última reunião do Copom, no início de maio, só houve melhora em cenários relevantes. No ambiente externo, o temor de um aperto das condições financeiras muito maior, motivado pela quebra de bancos regionais americanos, não parece ter afetado a economia americana de forma decisiva, nem contagiou outras economias. O Fed interrompeu o ciclo de altas, elevando as apostas de que não voltará a aumentar as taxas, ainda que tenha sinalizado condicionalmente a necessidade de ajustes que encerrem o ciclo em 5,75%.

Na economia doméstica, há sinais de crescimento maior, com o impulso não inflacionário da agropecuária no primeiro trimestre, diminuição do desemprego e aumento da renda. No entanto, há queda no consumo das famílias e recuo da inflação de serviços. O Copom já havia previsto um avanço maior do PIB do primeiro trimestre, assim como uma moderação no ritmo de atividade subsequente. A visão anterior de uma desinflação mais lenta foi até certo ponto relativizada pelo IPCA de maio, de 0,24%, abaixo de todas as expectativas, inclusive as do BC. O BC antecipava uma taxa anual em maio de 4,17%, ante os 3,94% observados. Além disso, o índice conjugou várias virtudes: queda de todos os núcleos de inflação e diminuição do índice de difusão.

O “comportamento benigno” da inflação anotado pelo Copom na reunião de maio se acentuou nos preços no atacado, para tornar-se a maior deflação observada no IGP-DI desde 1945. Nas últimas semanas, o avanço sem surpresas da tramitação do novo regime fiscal contribuiu para reduzir as taxas de juros futuras e para a melhoria da perspectiva de rating do crédito soberano do país, de neutro para positivo.

Esse conjunto de fatores produziu a redução dos prêmios de risco do Brasil abaixo dos 200 pontos (credit default swaps) e queda expressiva nos juros de médio e longo prazos. Desde a reunião de fevereiro do Copom, os juros DI para janeiro de 2025 recuaram de 13% para 11%, e os com vencimento em janeiro de 2027, de 13% para 10,5%. Com isso, os investidores anteciparam de novembro para agosto o calendário de início dos cortes de juros.

Zanin estava mais preparado que os senadores

O Globo

Novo ministro do Supremo deverá cumprir a promessa de não estar subordinado ‘a quem quer que seja’

Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin passou sem sobressaltos pela sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado ontem antes de ser aprovado pelo plenário da casa com o placar folgado de 58 votos a 18. Perguntas e respostas seguiram o padrão morno das sabatinas de senadores. Tudo dentro do previsível. Mais uma vez perdeu-se a oportunidade de questionar de modo mais rigoroso um candidato à mais alta Corte.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usou seu tempo para atacar o julgamento do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) saudou Zanin pela indicação ao Tribunal de Contas. Mesmo entre os que tentaram acertar o alvo, houve perguntas descabidas. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), relator da indicação, perguntou a Zanin como se portaria diante de decisões monocráticas que perduram por muito tempo, prática encerrada para temas considerados urgentes.

Confirmando as expectativas, o senador Sergio Moro (União-PR) foi quem mais fez perguntas. Logo no começo, o ex-juiz da Operação Lava-Jato tentou negar o óbvio ao dizer que não havia nenhuma questão pessoal em suas indagações. Moro, que no auge chegou a ser cogitado para o Supremo, tinha diante de si justamente o advogado que obteve anulação de suas sentenças contra Lula. Era uma oportunidade de confrontar Zanin de modo robusto, com o argumento mais forte de quem se opunha à indicação: a proximidade de Lula. Despreparado, Moro a desperdiçou. Ao inquirir Zanin, citou desinformação coletada na internet e afirmou que ele era padrinho de casamento de Lula. Foi logo corrigido.

Felizmente, a sabatina não foi apenas circo. Zanin foi questionado sobre Lei das Estatais, liberdade de imprensa, foro privilegiado para autoridades, aborto, diferenças entre traficantes e usuários de drogas e marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Procurando fugir de polêmicas, abusou da estratégia de se negar a dar detalhes sobre o que pensa.

Sobre o foro privilegiado, disse que não deveria “analisar um julgamento que já ocorreu no Supremo Tribunal”. Noutro momento, driblou a questão sobre a Lei das Estatais afirmando que, se confirmado, teria de analisar o assunto. Em raros momentos foi pressionado de forma mais enfática. Tais momentos, porém, foram insuficientes para dar à sabatina o caráter necessário de confronto, de inquisição e exposição do candidato em todas as suas facetas e paradoxos, para que ele pudesse ser conhecido e avaliado pelo público. Zanin não enfrentou aquilo que defendia enfaticamente em seus casos da Lava-Jato: o contraditório.

Ele estava evidentemente mais preparado que seus inquisidores. Assegurou que não julgará processo em que tenha atuado como advogado no passado. Sobre suspeições, afirmou que terá de “avaliar o conteúdo do processo e aplicar o que diz a lei”. Ambas são posições sensatas. Por tudo o que declarou, a expectativa é que adote uma postura garantista quando chegar ao STF para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria de Ricardo Lewandowski. Numa de suas respostas, Zanin afirmou que não estará subordinado “a quem quer que seja”. Que cumpra sua palavra.

Sumiço de submarino expõe omissão na regulação de águas internacionais

O Globo

Para driblar autoridades, embarcação ‘experimental’ saía do Canadá e só era lançada em mares sem soberania

A tragédia dos cinco ocupantes do Titan — submarino da empresa OceanGate desaparecido no Atlântico Norte numa expedição turística para ver os destroços do Titanic a 3.800 metros de profundidade — foi resultado de uma atitude irresponsável que ignorou alertas de segurança. Mais que isso, revela a importância de estabelecer uma governança internacional para exploração oceânica, hoje inexistente.

Pelo menos por duas vezes a OceanGate foi avisada sobre a necessidade de submeter o Titan a uma inspeção rigorosa capaz de homologá-lo para descer a tal profundidade. O primeiro alarme, de acordo com reportagem no jornal The New York Times, foi soado em 2018 pelo então diretor de operações marinhas, David Lochridge, num relatório apontando “riscos potenciais aos passageiros do Titan quando o submersível atinge profundidades extremas”. Ele afirmava que a janela que permite ver fora da embarcação estava homologada apenas para profundidades até 1.300 metros. Depois do relatório foi demitido, e seguiu-se uma batalha judicial.

O segundo alarme soou dois meses depois do relatório de Lochridge. Uma carta assinada por 38 empresários, exploradores de águas profundas e oceanógrafos foi endereçada ao diretor-geral da OceanGate, Stockton Rush, expressando “preocupação unânime” com a “abordagem ‘experimental’ adotada”, que poderia acarretar “resultados negativos (de menores a catastróficos) com sérias consequências para todos”. A carta recomendava que o Titan fosse submetido a testes independentes para garantir que atendia ao padrão de segurança submarina mais rigoroso. Na visão de Rush, porém, a burocracia associada à certificação esmagava a “inovação” na exploração dos mares.

Para driblar as leis americanas que exigem o cumprimento de rígidas normas de segurança em submarinos com passageiros, as expedições partiam do Canadá. O Titan era transportado como carga (e inspecionado com o mesmo rigor que um bote salva-vidas), e a OceanGate costumava lançá-lo ao mar apenas em águas internacionais, onde as regulações para submarinos são praticamente inexistentes. Em suas duas expedições anteriores, o Titan já apresentara vários tipos de problemas técnicos, mas nenhum serviu para que Rush aceitasse a necessidade de homologação.

O jornalista David Pogue, que participou de uma das expedições, afirmou em vídeo que viralizou na internet ter sido obrigado a assinar um termo reconhecendo que o Titan era uma “embarcação experimental” que não havia sido “aprovada ou homologada por nenhum órgão regulador e [a viagem] poderia resultar em ferimentos, trauma emocional ou morte”. É uma prova eloquente da irresponsabilidade da OceanGate e de Rush, cujo paradeiro agora é o mesmo dos demais passageiros do Titan, pois ele é também piloto da expedição desaparecida.

Jogo de compadres

Folha de S. Paulo

Senado dá aval esperado a Zanin; leniência fragiliza princípio da impessoalidade

Sem surpresa, Cristiano Zanin Martins, o advogado pessoal de Lula, teve sua indicação para o Supremo Tribunal Federal confirmada pelo Senado Federal. O placar foi folgado, 58 a 18 —bastavam 41 votos.

Na sabatina, Zanin cumpriu o roteiro esperado. Estava calmo, foi claro e objetivo. Fez loas à democracia, à separação dos Poderes, à independência dos magistrados, às garantias fundamentais.

Não respondeu às perguntas mais específicas sobre temas que estão em pauta, afirmando que não poderia antecipar seu voto em caso de assumir uma vaga no STF.

Se o processo de confirmação foi tranquilo e politicamente bem costurado, seu significado institucional é dos mais lamentáveis. A indicação, afinal, só atende de forma precária ao requisito essencial exigido para o cargo e viola de forma flagrante um dos mais venerados princípios constitucionais aplicáveis à administração pública.

O requisito é o notório saber jurídico. Ninguém duvida de que Zanin seja um advogado correto. Mas há, ou, pelo menos, deveria haver, uma diferença entre competência para atuar no mercado advocatício e o saber de que fala a Constituição.

Zanin não detém títulos acadêmicos de destaque nem é autor de obra jurídica de relevo. Sua reputação deve-se principalmente ao fato de ter defendido Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato. E, vale observar, suas teses sobre o caso vinham sendo derrotadas em todas as cortes até o vazamento de diálogos comprometedores envolvendo o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

O princípio violado é o da impessoalidade. Como o próprio Lula reconheceu durante a campanha, é errado ocupar o STF com amigos.

O remédio institucional para tais moléstias se chama Senado Federal. Conforme o modelo aqui adodado, o presidente da República propõe o nome para a vaga no STF, mas ele só é efetivado se os senadores, após sabatina, o aprovarem.

Na prática, entretanto, rejeições têm probabilidade quase nula. Houve apenas cinco na história, e todas elas no longínquo 1894, sob o governo de Floriano Peixoto.

Há um problema de desenho. No Brasil, devido ao chamado foro especial, os senadores, ao decidirem se aprovam ou reprovam ministros do STF, estão escolhendo quem vai julgá-los caso enfrentem problemas com a lei —e ninguém quer correr o risco de indispor-se com seu juiz natural.

A consequência dessa atitude mais complacente é tornar o sistema muito pouco efetivo. Como o controle exercido pelo Senado é frágil, presidentes se sentem livres para indicar quem bem entenderem, mesmo que isso viole princípios fundamentais como a impessoalidade do poder público.

Melhor para elas

Folha de S. Paulo

Brasil sobe no ranking de paridade de gênero, mas falta participação na política

O Brasil saltou 37 posições no Global Gender Gap, ranking do Fórum Econômico Mundial que avalia a paridade de gênero em 146 países. Com 0,696 ponto, ocupávamos o 94º lugar em 2022. Neste ano, passamos para o 57º, com 0,726 —quanto mais próxima de 1 é a pontuação, maior a igualdade.

A média mundial é de 0,684. No topo, o modelo nórdico da Islândia (0,912); de pior, o regime teocrático do Afeganistão (0,405).

Em comparação com países da América do Sul, estamos atrás do Chile, 27º colocado, e da Argentina, 36º, mas superamos o Uruguai, 67º.

A melhora brasileira se deve à alta da participação das mulheres na política, apesar de esse ser o quesito em que o país tem pior nota.

As nações são avaliadas a partir de quatro critérios: participação e oportunidades econômicas (o Brasil ficou com 0,670), oportunidades educacionais (0,992), acesso à saúde (0,980) e empoderamento político (0,263). Neste último, quase dobramos o 0,136 do ano passado.

Isso porque, nas últimas eleições, houve mudanças no panorama do poder. Ante três ministras no governo anterior, o atual tem 11 entre 37 pastas —maior relação já apurada no país, segundo o relatório.

O índice de deputadas também cresceu, de 15% em 2018 para 17,5% em 2023, de acordo com dados da União Inter-Parlamentar. Contudo, no ranking de 189 países da UIP, o Brasil ocupa a 131ª posição. Estamos muito longe da ocupação feminina no Legislativo de 46,2% da Bolívia ou de 44,8% na Argentina.

Em relação à saúde e à educação, o Brasil está no mesmo patamar do mundo desenvolvido, mas a participação econômica das mulheres deixa a desejar. O papel reprodutivo ainda impacta sobremaneira o acesso ao mercado de trabalho.

Pesquisa do IBGE de 2021 mostra que apenas 54,6% das mulheres que vivem com crianças de até 3 anos conseguem trabalhar, ante 89,2% dos homens na mesma situação.

Implementar rede de creches é, portanto, premente. Divisão das tarefas domésticas e jornadas de trabalho mais flexíveis para as trabalhadoras também contribuem para diminuir desigualdades.

A sociedade brasileira é receptiva ao tema. Para 56% da população, segundo o Datafolha, o número de mulheres em cargos de chefia nas empresas é menor do que deveria. Em relação à participação política, 57% acham que deveria ser maior.

Mudanças culturais e políticas baseadas em evidências são caminhos para que o país avance.

Piorando o que já não era bom

O Estado de S. Paulo

Senado amplia a lista de exceções dentro do arcabouço fiscal, cuja credibilidade já não era alta. Cabe à Câmara repor esses gastos, sob pena de entregar uma regra frouxa demais

O relator do arcabouço fiscal no Senado, Omar Aziz (PSD-AM), ampliou a lista de despesas que não estarão sob os mesmos limites impostos aos demais gastos da União. Ele retirou do escopo da nova regra o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), depois de discussões que já haviam gerado muita controvérsia quando o projeto tramitou na Câmara, mas foi além, excluindo também as despesas com ciência e tecnologia do alcance do novo teto. Em razão dessas mudanças, o texto, aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa, terá de ser submetido novamente aos deputados.

Aziz propôs a concessão de tratamento especial para as despesas com ciência e tecnologia em razão da importância da área para o desenvolvimento de vacinas durante a pandemia de covid-19. Esse item não fazia parte desse acordo entre governo e Legislativo e pode ser derrubado pela Câmara, mas a iniciativa do senador não surpreende. Ela é consequência de uma prática estimulada pelo próprio Executivo de criar normas pretensamente gerais, mas que invariavelmente não se aplicam a todos.

Garantir que os repasses a algumas áreas ignorem a regra do arcabouço é privilegiá-las em detrimento de outras, política que não se justifica. As despesas com Educação, especialmente o complemento federal aos salários dos professores de Estados e municípios, são muito importantes para a recuperação das perdas de aprendizagem geradas pela covid-19. Por essa lógica, seria justo dar a mesma prioridade aos vencimentos dos enfermeiros, que tanto fizeram pelo País no enfrentamento da pandemia – como, aliás, o governo equivocadamente queria.

Não há uma escala de mérito dos profissionais, mas, se ela existisse e considerasse o alcance da regra fiscal como parâmetro, o Senado teria referendado que professores valem mais do que enfermeiros. Não parece justo. A solução para estas situações, como já haviam alertado as Consultorias Legislativa e de Orçamento da Câmara, é que todas essas despesas estejam submetidas ao arcabouço.

O mérito de uma política pública não deve ser critério para incluí-la ou excluí-la do alcance do arcabouço. Em primeiro lugar, porque, goste-se ou não, todos os gastos do Orçamento-Geral da União (OGU) são igualmente importantes; parte-se do princípio de que, se são dispensáveis, nem deveriam estar no Orçamento.

Em segundo lugar, porque julgar uma despesa por sua relevância abre margem para interpretações pessoais indesejáveis no setor público. Em meio à penúria a que a Educação foi submetida nos quatro anos do governo Bolsonaro, o então presidente assegurou a compra de fragatas pela Marinha por meio de um aporte de R$ 7,6 bilhões em uma estatal, operação que, convenientemente, estava excluída do antigo teto de gastos.

Se um governante quer priorizar a Educação ou a Defesa dentro do Orçamento, ele tem toda a legitimidade para fazê-lo, desde que cumpra a regra geral de controle do crescimento dos gastos. Essas escolhas políticas devem se refletir, de forma transparente, no remanejamento de despesas da União, ou seja, no corte de outros dispêndios.

Eis o porquê da importância de contabilizar todas as despesas sob o arcabouço fiscal. Quando o governo, já de saída, cria uma lista de despesas que não serão consideradas na apuração da meta fiscal, ele incentiva a cobiça das áreas não contempladas e a criatividade de parlamentares para atendê-las. De exceção em exceção, a efetividade da norma se esvai, como ocorreu com o teto de gastos, devastado pelo desespero eleitoral de Bolsonaro.

Já que o governo Lula não se preocupa com a sobrevivência de seu próprio arcabouço fiscal, espera-se que a Câmara aproveite a oportunidade criada pelo retorno do texto à Casa e inclua todas as despesas primárias sob seu alcance – não apenas as despesas com ciência e tecnologia, mas também o Fundeb e o FCDF. É a melhor forma de atender aos princípios fiscais e de conter a trajetória ascendente da dívida pública, em tese o objetivo principal do arcabouço.

Aproximação com o agro é obrigatória

O Estado de S. Paulo

Distância do MST é o mínimo que se espera do presidente da República para permitir a manutenção da potência do agro, setor que sustenta sozinho a economia nacional há muitos anos

Os fatos têm exigido do presidente Lula da Silva a compreensão de que não há caminho que conduza ao desenvolvimento do País sem uma obrigatória aproximação com o agronegócio, setor que tantas vezes o petista buscou desqualificar. Ciente de que o maior prejuízo do aprofundamento dessa querela recairia negativamente sobre os resultados de seu terceiro mandato, Lula tem movimentado todo o governo para construir pontes com os ruralistas. A divulgação do Plano Safra 2023-24, prevista para os próximos dias, será o tour de force desse empenho.

Antes de viajar para a Europa, o presidente, em reunião com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), insistiu na importância de um plano “robusto” para a próxima safra e na pacificação das relações do governo com o agro, como destacou a Coluna do Estadão. Uma admissão tardia de que cerrar fileira com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos desmandos que o movimento promove a título de reforma agrária significa oficializar a desordem – o que seria péssimo para o País e para seu governo.

A declaração do presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), à saída de um almoço em que o ministro Teixeira transmitiu as orientações de Lula, deixa claro que há espaço para entendimento, desde que o governo permita ao setor continuar atuando sem sobressaltos. “Ele (Lula) parou de sinalizar ao MST e não nos chamou mais de fascistas. São gestos. Porque não adianta só palavra, é preciso atitude”, afirmou.

Se o governo não atrapalhar, já estará ajudando muito a manter a potência do setor que vem sustentando a economia nacional. Uma constatação que não veio de agora, com a divulgação do crescimento de 21,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária no primeiro trimestre, que garantiu o avanço de 1,9% do PIB total no período. O setor, que corresponde a 25% do PIB, vem carregando há anos o desempenho brasileiro. Sem o agro, o saldo total de crescimento no primeiro trimestre teria ficado em torno de 0,5%.

A distância regulamentar de Lula da Silva em relação ao MST é o mínimo que se pode esperar de um presidente da República. Gestos como a inclusão do chefe do MST, João Pedro Stédile, na comitiva presidencial, como ocorreu na viagem à China, em abril deste ano, são inaceitáveis. Os produtos agrícolas estão no topo da lista das exportações brasileiras para a China, nosso principal parceiro comercial. Natural e oportuna, portanto, uma missão de empresários do agronegócio numa viagem oficial. Mas é totalmente fora de contexto e até provocativa a presença de Stédile.

Naquele mês, como ocorre anualmente no chamado “Abril Vermelho”, o MST promoveu invasões de fazendas, de área de preservação ambiental da Embrapa e de sedes do Incra, incitando distúrbios, e o que se viu foi um governo acuado e sob pressão. Na CPI sobre o MST na Câmara, representantes dos ruralistas tentam apurar os financiadores das ocupações. O mais importante, porém, é estabelecer punições rigorosas para os invasores. E fazer valer, ao menos, o que diz o Código Penal. Invasão de terras é um crime para o qual são aplicadas penas de até três anos de prisão.

Ao inaugurar, com o uso questionável do aparato estatal da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o seu programa semanal à Bolsonaro, Lula da Silva defendeu o fim das ocupações numa declaração que pareceu mais um apelo do que uma determinação, como caberia ao mandatário. “Eu disse para o Paulo Teixeira (ministro do Desenvolvimento Agrário) esses dias: não precisa mais invadir terra”, disse, para emendar que cabe ao Incra fazer o levantamento das terras improdutivas para fins de reforma agrária. O Incra teve substituídas chefias em 19 Estados após as invasões de abril. Parte considerável delas agora é formada por aliados do MST.

Os sinais do governo Lula da Silva para o setor precisam passar muito mais confiança, o que requer um prudente – e urgente – distanciamento ideológico.

Fresta para o diálogo

O Estado de S. Paulo

EUA e China não consolidam ‘estabilidade estratégica’, mas abrem via para evitar conflito

O encontro em Pequim do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, com o presidente da China, Xi Jinping, no último dia 19, mostrou haver uma fresta aberta para o diálogo. O gesto de aproximação não chega a gerar otimismo, nem mesmo comedido, sobre a “estabilidade estratégica” entre as duas potências, que transitam em rota de colisão nas esferas geopolítica, comercial e, principalmente, do domínio da tecnologia 5G e da Inteligência Artificial. O sinal emitido, no entanto, dá alento diante do cenário de segunda guerra fria.

A declaração do líder supremo chinês de que o seu país e os Estados Unidos devem escolher entre “cooperação ou conflito” traz certa dose do realismo que orientou a política externa de Washington por décadas, sobretudo ao longo da primeira guerra fria. Blinken, que já havia lavado a roupa suja bilateral durante sete horas e meia com o chanceler Qin Gang no dia anterior, enfatizou a instrução recebida do presidente norte-americano, Joe Biden, de melhorar as relações bilaterais.

Aparentemente, os dois lados concordaram com um diálogo de alto nível e com base, como defendeu Xi, no “respeito mútuo e sinceridade”. Não é pouco diante da escalada de atritos entre essas potências que, com matrizes políticas e culturais muito diferentes, perseguem a hegemonia mundial. Será ilusório, porém, imaginar que deixem de mover seus interesses e seus peões estratégicos em nome da conciliação.

Essa conclusão vale, em especial, quando se trata de Taiwan. O impasse provocado pela convicção de Pequim acerca de sua soberania sobre esse país de facto e pela defesa intransigente dos Estados Unidos e seus aliados à independência de Taipé se traduz em conflito latente. O estouro, com tropas e arsenais envolvidos, tem sido apenas postergado, entre dissuasões e ameaças.

Está claro que nenhum lado abandonará seus aliados – ou as vítimas de seus oponentes – nem deixará de perseguir velhas e novas estratégias geopolíticas. A abertura de diálogo, porém, permite a definição de limites. No caso da guerra Rússia-Ucrânia, o compromisso da China de não entregar armamento letal a Moscou, enquanto acentua sua corrente comercial com o vizinho, parece atender à margem de tolerância dos Estados Unidos.

Na esfera econômico-comercial, as possibilidades de entendimento mostram-se teoricamente mais exequíveis. Há certo consenso entre ambos os países sobre suas condições de competidores, o que abre margem para alguma cooperação, maiores compromissos contra práticas comerciais injustas e menos sanções unilaterais. Salvo, talvez, na agenda da alta tecnologia.

A visita de Blinken à China foi atrasada em quatro meses pelo abate de balões de espionagem supostamente enviados aos Estados Unidos por Pequim, que viu a reação americana como “histeria” diante de artefatos meteorológicos. Talvez nunca se venha a saber qual a versão correta. Entre as duas potências esperam-se rivalidade, divergência e até atrito. Mas nunca a perda de tempo para o diálogo que pode impedir um novo conflito global.

Senado exclui FCDF do novo marco fiscal

Correio Braziliense

A decisão dos senadores é uma vitória para o Distrito Federal. O congelamento do FCDF implicaria perdas estimadas em R$ 87 bilhões, nos próximos 10 anos, segundo os cálculos dos técnicos da Secretaria de Planejamento do DF

O Senado aprovou ontem à noite a exclusão do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) do novo marco fiscal, evitando que ambos tivessem orçamentos congelados, como havia aprovado a Câmara dos Deputados. A maioria dos senadores acolheram a mudança feita pelo relator do projeto, senador Omar Aziz. Com a alteração, o projeto voltará para a Câmara dos Deputados. A expectativa é de que os deputados não insiram outra vez os dois fundos nos limites fixados pelo arcabouço fiscal, como proposto pela equipe econômica do governo.

A decisão dos senadores é uma vitória para o Distrito Federal. O congelamento do FCDF implicaria perdas estimadas em R$ 87 bilhões, nos próximos 10 anos, segundo os cálculos dos técnicos da Secretaria de Planejamento do DF. Nas últimas semanas, deputados, senadores, ex-governadores e representantes do Executivo local, dos mais diferentes matizes ideológicos, se uniram e pressionaram os parlamentares do Congresso, para que não houvesse a mudança.

Conseguiram, assim, convencer os legisladores dos danos que o congelamento provocaria no financiamento da educação, da segurança pública e da saúde. O argumento é de que a arrecadação fiscal do DF não é suficiente para garantir investimentos públicos e os salários dos profissionais e servidores das três áreas. A mudança na regra vigente desde 2002, quando o FCDF foi criado, no governo Fernando Henrique Cardoso, colocaria o governo local ante uma escolha de Sofia: pagar os salários aos servidores da segurança pública, educação e saúde ou fazer investimentos para atender as necessidades da população.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, depois de ouvir os argumentos dos políticos brasilienses, afirmou que as alterações aprovadas pelo Senado seriam mantidas pelos deputados.

Diferentemente das outras unidades da Federação, o DF tem peculiaridades históricas. A maior delas foi o ato audacioso e corajoso do então presidente da República, o mineiro Juscelino Kubitschek de interiorizar a capital da República, o que tornou Brasília uma cidade peculiar. A transferência aproximou os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do poder central da República, estreitando uma relação entre ele e os governos municipais e estaduais, até então, distantes da Presidência e dos demais poderes. Hoje, a capital abriga todas as representações diplomáticas credenciadas, o que eleva a sua responsabilidade com a segurança, a educação e a saúde.

Dessa forma, as forças policiais do DF não atuam só na proteção da população brasiliense. Elas têm a responsabilidade de proteger as embaixadas e as autoridades dos Três Poderes. Como centro dos poderes, Brasília é uma cidade pertencente a todo o país, a todos os brasileiros que nela vivem e dos que residem em outros estados.

A manutenção do FCDF, como originalmente foi instituído, eleva a responsabilidade do Executivo e do Legislativo distrital. As políticas públicas locais não podem focar somente no centro da capital, que mereceu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. As ações devem se estender às periferias das cidades locais, elevando a qualidade da educação, da saúde e da segurança dos moradores da periferia, hoje extremamente carentes de investimentos que reduzam a violência, elevem a qualidade do ensino público e ofereçam a atenção adequada à saúde de todos. É o mínimo que os brasilienses esperam, uma vez que o FCDF exime o Executivo de direcionar toda arrecadação fiscal ao pagamento de salários aos servidores distritais.

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