Copom dá sinais de que juros já podem ser reduzidos
Valor Econômico
O Copom não considera mais incertos os
cenários com os quais trabalha, pois não os menciona, como no comunicado
anterior
O Comitê de Política Monetária manteve,
como era esperado, os juros em 13,75% ao ano, mas retirou do comunicado a
projeção de um cenário alternativo, no qual essa taxa seria mantida ao longo do
período relevante para a política monetária. Esse é um sinal importante
relevante de que o Banco Central já não julga necessário considerar a hipótese
de manter o nível de aperto atual, como insinua o cenário de referência, no
qual a inflação em 2024 atinge 3,4%, bem perto de 3% do centro da meta. Outras
pistas do comunicado indicam que o ciclo de afrouxamento está próximo.
O balanço de riscos para a inflação segue simétrico, mas eles são atenuados. Pelo lado da alta, há a persistência da inflação global, embora seu nível tenha se reduzido significativamente nas economias europeias e americana. A incerteza “ainda presente” sobre o desenho final do arcabouço fiscal do comunicado do Copom da reunião de maio tornou-se “residual” nesse de agora. E, por fim, entre os fatores de alta do risco, o Copom menciona uma desancoragem maior ou mais duradoura das expectativas, que não estão ocorrendo.
Os riscos de baixa consideram uma queda
adicional dos preços das commodities em reais, movimento já parcialmente
verificado, segundo o BC. Além dela, são relacionadas uma desaceleração
econômica global mais acentuada causada por situações adversas do sistema financeiro
e uma redução de crédito maior do que a compatível com o atual ciclo de
política monetária, o que até agora também não parece estar acontecendo
inequivocamente.
O Copom não considera mais incertos os
cenários com os quais trabalha, pois não os menciona, como no comunicado
anterior. Retirou, como era esperado, por desnecessário, o trecho em que
indicava disposição de voltar a subir os juros caso o processo de desinflação
não acontecesse como o esperado. E, mais relevante, em vez de dizer que permanece
vigilante, avaliando se a manutenção do juro por período prolongado será capaz
de assegurar a volta da inflação para a meta, o comunicado acentua agora que
essa estratégia foi correta e que os passos futuros da política monetária
dependerão da evolução da dinâmica inflacionária e de outros fatores - serão
dependentes dos dados. Ou seja, a possibilidade de uma inversão de rota em
direção ao relaxamento monetário, “com cautela e parcimônia,” poderá se
materializar em qualquer uma das próximas reuniões do Comitê.
Pelo cenário de referência, que considera
um câmbio a R$ 4,85, inferior aos R$ 5,05 anterior, e uma taxa Selic de 12,25%
ao fim do ano - 1,5 ponto percentual inferior à atual - o IPCA projetado cai
com força em 2023, para 5% (projeção anterior 5,8%) e o aproxima mais da meta
no ano que vem (3,4% ante 3,6%). Os cortes de juros podem então começar em
agosto, a um ritmo modesto, ou depois, a um ritmo maior. É certo que, pela base
de comparação, a inflação voltará a subir depois de junho, mas não deverá se
acelerar, deixando o campo aberto para o afrouxamento monetário.
Desde a última reunião do Copom, no início
de maio, só houve melhora em cenários relevantes. No ambiente externo, o temor
de um aperto das condições financeiras muito maior, motivado pela quebra de
bancos regionais americanos, não parece ter afetado a economia americana de
forma decisiva, nem contagiou outras economias. O Fed interrompeu o ciclo de
altas, elevando as apostas de que não voltará a aumentar as taxas, ainda que
tenha sinalizado condicionalmente a necessidade de ajustes que encerrem o ciclo
em 5,75%.
Na economia doméstica, há sinais de
crescimento maior, com o impulso não inflacionário da agropecuária no primeiro
trimestre, diminuição do desemprego e aumento da renda. No entanto, há queda no
consumo das famílias e recuo da inflação de serviços. O Copom já havia previsto
um avanço maior do PIB do primeiro trimestre, assim como uma moderação no ritmo
de atividade subsequente. A visão anterior de uma desinflação mais lenta foi
até certo ponto relativizada pelo IPCA de maio, de 0,24%, abaixo de todas as
expectativas, inclusive as do BC. O BC antecipava uma taxa anual em maio de
4,17%, ante os 3,94% observados. Além disso, o índice conjugou várias virtudes:
queda de todos os núcleos de inflação e diminuição do índice de difusão.
O “comportamento benigno” da inflação
anotado pelo Copom na reunião de maio se acentuou nos preços no atacado, para
tornar-se a maior deflação observada no IGP-DI desde 1945. Nas últimas semanas,
o avanço sem surpresas da tramitação do novo regime fiscal contribuiu para
reduzir as taxas de juros futuras e para a melhoria da perspectiva de rating do
crédito soberano do país, de neutro para positivo.
Esse conjunto de fatores produziu a redução
dos prêmios de risco do Brasil abaixo dos 200 pontos (credit default swaps) e
queda expressiva nos juros de médio e longo prazos. Desde a reunião de
fevereiro do Copom, os juros DI para janeiro de 2025 recuaram de 13% para 11%,
e os com vencimento em janeiro de 2027, de 13% para 10,5%. Com isso, os
investidores anteciparam de novembro para agosto o calendário de início dos
cortes de juros.
Zanin estava mais preparado que os
senadores
O Globo
Novo ministro do Supremo deverá cumprir a
promessa de não estar subordinado ‘a quem quer que seja’
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF),
o advogado Cristiano
Zanin passou sem sobressaltos pela sabatina na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado ontem antes de ser aprovado pelo plenário
da casa com o placar folgado de 58 votos a 18. Perguntas e respostas seguiram o
padrão morno das sabatinas de senadores. Tudo dentro do previsível. Mais uma
vez perdeu-se a oportunidade de questionar de modo mais rigoroso um candidato à
mais alta Corte.
O
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usou seu tempo para atacar o julgamento do
pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) saudou Zanin pela indicação ao
Tribunal de Contas. Mesmo entre os que tentaram acertar o alvo, houve perguntas
descabidas. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), relator da indicação,
perguntou a Zanin como se portaria diante de decisões monocráticas que perduram
por muito tempo, prática encerrada para temas considerados urgentes.
Confirmando as expectativas, o
senador Sergio Moro (União-PR) foi quem mais fez perguntas. Logo no começo,
o ex-juiz da Operação Lava-Jato tentou negar o óbvio ao dizer que não havia
nenhuma questão pessoal em suas indagações. Moro, que no auge chegou a ser
cogitado para o Supremo, tinha diante de si justamente o advogado que obteve
anulação de suas sentenças contra Lula. Era uma oportunidade de confrontar
Zanin de modo robusto, com o argumento mais forte de quem se opunha à
indicação: a proximidade de Lula. Despreparado, Moro a desperdiçou. Ao inquirir
Zanin, citou desinformação coletada na internet e afirmou que ele era padrinho
de casamento de Lula. Foi logo corrigido.
Felizmente, a sabatina não foi apenas
circo. Zanin foi questionado sobre Lei das Estatais, liberdade de imprensa,
foro privilegiado para autoridades, aborto, diferenças entre traficantes e
usuários de drogas e marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Procurando fugir de polêmicas, abusou da estratégia de se negar a dar detalhes
sobre o que pensa.
Sobre o foro privilegiado, disse que não
deveria “analisar um julgamento que já ocorreu no Supremo Tribunal”. Noutro
momento, driblou a questão sobre a Lei das Estatais afirmando que, se
confirmado, teria de analisar o assunto. Em raros momentos foi pressionado de
forma mais enfática. Tais momentos, porém, foram insuficientes para dar à
sabatina o caráter necessário de confronto, de inquisição e exposição do
candidato em todas as suas facetas e paradoxos, para que ele pudesse ser
conhecido e avaliado pelo público. Zanin não enfrentou aquilo que defendia
enfaticamente em seus casos da Lava-Jato: o contraditório.
Ele estava evidentemente mais preparado que
seus inquisidores. Assegurou que não julgará processo em que tenha atuado como
advogado no passado. Sobre suspeições, afirmou que terá de “avaliar o conteúdo
do processo e aplicar o que diz a lei”. Ambas são posições sensatas. Por tudo o
que declarou, a expectativa é que adote uma postura garantista quando chegar ao
STF para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria de Ricardo Lewandowski. Numa
de suas respostas, Zanin afirmou que não estará subordinado “a quem quer que
seja”. Que cumpra sua palavra.
Sumiço de submarino expõe omissão na
regulação de águas internacionais
O Globo
Para driblar autoridades, embarcação
‘experimental’ saía do Canadá e só era lançada em mares sem soberania
A tragédia dos cinco ocupantes do Titan —
submarino da empresa OceanGate desaparecido no Atlântico Norte numa expedição
turística para ver os destroços do Titanic a 3.800 metros de profundidade — foi
resultado de uma atitude irresponsável que ignorou alertas de segurança. Mais
que isso, revela a importância de estabelecer uma governança internacional para
exploração oceânica, hoje inexistente.
Pelo menos por duas vezes a OceanGate foi
avisada sobre a necessidade de submeter o Titan a uma inspeção rigorosa capaz
de homologá-lo para descer a tal profundidade. O primeiro alarme, de acordo com
reportagem no jornal The New York Times, foi soado em 2018 pelo então diretor
de operações marinhas, David Lochridge, num relatório apontando
“riscos potenciais aos passageiros do Titan quando o submersível atinge
profundidades extremas”. Ele afirmava que a janela que permite ver
fora da embarcação estava homologada apenas para profundidades até 1.300
metros. Depois do relatório foi demitido, e seguiu-se uma batalha judicial.
O segundo alarme soou dois meses depois do
relatório de Lochridge. Uma carta assinada por 38 empresários, exploradores de
águas profundas e oceanógrafos foi endereçada ao diretor-geral da OceanGate,
Stockton Rush, expressando “preocupação unânime” com a “abordagem
‘experimental’ adotada”, que poderia acarretar “resultados negativos (de
menores a catastróficos) com sérias consequências para todos”. A carta
recomendava que o Titan fosse submetido a testes independentes para garantir
que atendia ao padrão de segurança submarina mais rigoroso. Na visão de Rush,
porém, a burocracia associada à certificação esmagava a “inovação” na
exploração dos mares.
Para driblar as leis americanas que exigem
o cumprimento de rígidas normas de segurança em submarinos com passageiros, as
expedições partiam do Canadá. O Titan era transportado como carga (e
inspecionado com o mesmo rigor que um bote salva-vidas), e a OceanGate
costumava lançá-lo ao mar apenas em águas internacionais, onde as regulações
para submarinos são praticamente inexistentes. Em suas duas expedições
anteriores, o Titan já apresentara vários tipos de problemas técnicos, mas
nenhum serviu para que Rush aceitasse a necessidade de homologação.
O jornalista David Pogue, que participou de uma das expedições, afirmou em vídeo que viralizou na internet ter sido obrigado a assinar um termo reconhecendo que o Titan era uma “embarcação experimental” que não havia sido “aprovada ou homologada por nenhum órgão regulador e [a viagem] poderia resultar em ferimentos, trauma emocional ou morte”. É uma prova eloquente da irresponsabilidade da OceanGate e de Rush, cujo paradeiro agora é o mesmo dos demais passageiros do Titan, pois ele é também piloto da expedição desaparecida.
Jogo de compadres
Folha de S. Paulo
Senado dá aval esperado a Zanin; leniência
fragiliza princípio da impessoalidade
Sem surpresa, Cristiano Zanin Martins, o
advogado pessoal de Lula, teve sua indicação para o Supremo Tribunal Federal
confirmada pelo Senado Federal. O placar foi
folgado, 58 a 18 —bastavam 41 votos.
Na sabatina, Zanin cumpriu o roteiro
esperado. Estava calmo, foi claro e objetivo. Fez loas à democracia, à
separação dos Poderes, à independência dos magistrados, às garantias
fundamentais.
Não respondeu às perguntas mais específicas
sobre temas que estão em pauta, afirmando que não poderia antecipar seu voto em
caso de assumir uma vaga no STF.
Se o processo de confirmação foi tranquilo
e politicamente bem costurado, seu significado institucional é dos mais
lamentáveis. A indicação, afinal, só atende de forma precária ao requisito
essencial exigido para o cargo e viola de forma flagrante um dos mais venerados
princípios constitucionais aplicáveis à administração pública.
O requisito é o notório saber jurídico.
Ninguém duvida de que Zanin seja um advogado correto. Mas há, ou, pelo menos,
deveria haver, uma diferença entre competência para atuar no mercado
advocatício e o saber de que fala a Constituição.
Zanin não detém títulos acadêmicos de
destaque nem é autor de obra jurídica de relevo. Sua reputação deve-se
principalmente ao fato de ter defendido Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava
Jato. E, vale observar, suas teses sobre o caso vinham sendo derrotadas em
todas as cortes até o vazamento de diálogos comprometedores envolvendo o
ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
O princípio violado é o da
impessoalidade. Como o próprio
Lula reconheceu durante a campanha, é errado ocupar o STF com amigos.
O remédio institucional para tais moléstias
se chama Senado Federal. Conforme o modelo aqui adodado, o presidente da
República propõe o nome para a vaga no STF, mas ele só é efetivado se os
senadores, após sabatina, o aprovarem.
Na prática, entretanto, rejeições têm
probabilidade quase nula. Houve apenas cinco na história, e todas elas no
longínquo 1894, sob o governo de Floriano Peixoto.
Há um problema de desenho. No Brasil,
devido ao chamado foro especial, os senadores, ao decidirem se aprovam ou
reprovam ministros do STF, estão escolhendo quem vai julgá-los caso enfrentem
problemas com a lei —e ninguém quer correr o risco de indispor-se com seu juiz
natural.
A consequência dessa atitude mais
complacente é tornar o sistema muito pouco efetivo. Como o controle exercido
pelo Senado é frágil, presidentes se sentem livres para indicar quem bem
entenderem, mesmo que isso viole princípios fundamentais como a impessoalidade
do poder público.
Melhor para elas
Folha de S. Paulo
Brasil sobe no ranking de paridade de
gênero, mas falta participação na política
O Brasil saltou 37 posições no Global
Gender Gap, ranking do Fórum Econômico Mundial que avalia a paridade de gênero
em 146 países. Com 0,696 ponto, ocupávamos o 94º lugar em 2022. Neste ano,
passamos para o 57º, com 0,726 —quanto mais próxima de 1 é a
pontuação, maior a igualdade.
A média mundial é de 0,684. No topo, o
modelo nórdico da Islândia (0,912); de pior, o regime teocrático do Afeganistão
(0,405).
Em comparação com países da América do Sul,
estamos atrás do Chile, 27º colocado, e da Argentina, 36º, mas superamos o
Uruguai, 67º.
A melhora brasileira se deve à alta da
participação das mulheres na política, apesar de esse ser o quesito em que o
país tem pior nota.
As nações são avaliadas a partir de quatro
critérios: participação e oportunidades econômicas (o Brasil ficou com 0,670),
oportunidades educacionais (0,992), acesso à saúde (0,980) e empoderamento
político (0,263). Neste último, quase dobramos o 0,136 do ano passado.
Isso porque, nas últimas eleições, houve
mudanças no panorama do poder. Ante três ministras no governo anterior, o atual
tem 11 entre 37 pastas —maior relação já apurada no país, segundo o relatório.
O índice de deputadas também cresceu, de
15% em 2018 para 17,5% em 2023, de acordo com dados da União Inter-Parlamentar.
Contudo, no ranking de 189 países da UIP, o Brasil ocupa a 131ª posição.
Estamos muito longe da ocupação feminina no Legislativo de 46,2% da Bolívia ou de
44,8% na Argentina.
Em relação à saúde e à educação, o Brasil
está no mesmo patamar do mundo desenvolvido, mas a participação econômica das
mulheres deixa a desejar. O papel reprodutivo ainda impacta sobremaneira o
acesso ao mercado de trabalho.
Pesquisa do IBGE de 2021 mostra que
apenas 54,6% das
mulheres que vivem com crianças de até 3 anos conseguem trabalhar,
ante 89,2% dos homens na mesma situação.
Implementar rede de creches é, portanto,
premente. Divisão das tarefas domésticas e jornadas de trabalho mais flexíveis
para as trabalhadoras também contribuem para diminuir desigualdades.
A sociedade brasileira é receptiva ao tema.
Para 56% da população, segundo o Datafolha, o número de mulheres em cargos de
chefia nas empresas é menor do que deveria. Em relação à
participação política, 57% acham que deveria ser maior.
Mudanças culturais e políticas baseadas em evidências são caminhos para que o país avance.
Piorando o que já não era bom
O Estado de S. Paulo
Senado amplia a lista de exceções dentro do
arcabouço fiscal, cuja credibilidade já não era alta. Cabe à Câmara repor esses
gastos, sob pena de entregar uma regra frouxa demais
O relator do arcabouço fiscal no Senado,
Omar Aziz (PSD-AM), ampliou a lista de despesas que não estarão sob os mesmos
limites impostos aos demais gastos da União. Ele retirou do escopo da nova
regra o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o
Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), depois de discussões que já
haviam gerado muita controvérsia quando o projeto tramitou na Câmara, mas foi
além, excluindo também as despesas com ciência e tecnologia do alcance do novo
teto. Em razão dessas mudanças, o texto, aprovado pela Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) da Casa, terá de ser submetido novamente aos deputados.
Aziz propôs a concessão de tratamento
especial para as despesas com ciência e tecnologia em razão da importância da
área para o desenvolvimento de vacinas durante a pandemia de covid-19. Esse
item não fazia parte desse acordo entre governo e Legislativo e pode ser
derrubado pela Câmara, mas a iniciativa do senador não surpreende. Ela é
consequência de uma prática estimulada pelo próprio Executivo de criar normas
pretensamente gerais, mas que invariavelmente não se aplicam a todos.
Garantir que os repasses a algumas áreas
ignorem a regra do arcabouço é privilegiá-las em detrimento de outras, política
que não se justifica. As despesas com Educação, especialmente o complemento
federal aos salários dos professores de Estados e municípios, são muito
importantes para a recuperação das perdas de aprendizagem geradas pela
covid-19. Por essa lógica, seria justo dar a mesma prioridade aos vencimentos
dos enfermeiros, que tanto fizeram pelo País no enfrentamento da pandemia –
como, aliás, o governo equivocadamente queria.
Não há uma escala de mérito dos
profissionais, mas, se ela existisse e considerasse o alcance da regra fiscal
como parâmetro, o Senado teria referendado que professores valem mais do que
enfermeiros. Não parece justo. A solução para estas situações, como já haviam
alertado as Consultorias Legislativa e de Orçamento da Câmara, é que todas
essas despesas estejam submetidas ao arcabouço.
O mérito de uma política pública não deve
ser critério para incluí-la ou excluí-la do alcance do arcabouço. Em primeiro lugar,
porque, goste-se ou não, todos os gastos do Orçamento-Geral da União (OGU) são
igualmente importantes; parte-se do princípio de que, se são dispensáveis, nem
deveriam estar no Orçamento.
Em segundo lugar, porque julgar uma despesa
por sua relevância abre margem para interpretações pessoais indesejáveis no
setor público. Em meio à penúria a que a Educação foi submetida nos quatro anos
do governo Bolsonaro, o então presidente assegurou a compra de fragatas pela
Marinha por meio de um aporte de R$ 7,6 bilhões em uma estatal, operação que,
convenientemente, estava excluída do antigo teto de gastos.
Se um governante quer priorizar a Educação
ou a Defesa dentro do Orçamento, ele tem toda a legitimidade para fazê-lo,
desde que cumpra a regra geral de controle do crescimento dos gastos. Essas
escolhas políticas devem se refletir, de forma transparente, no remanejamento
de despesas da União, ou seja, no corte de outros dispêndios.
Eis o porquê da importância de contabilizar
todas as despesas sob o arcabouço fiscal. Quando o governo, já de saída, cria
uma lista de despesas que não serão consideradas na apuração da meta fiscal,
ele incentiva a cobiça das áreas não contempladas e a criatividade de
parlamentares para atendê-las. De exceção em exceção, a efetividade da norma se
esvai, como ocorreu com o teto de gastos, devastado pelo desespero eleitoral de
Bolsonaro.
Já que o governo Lula não se preocupa com a
sobrevivência de seu próprio arcabouço fiscal, espera-se que a Câmara aproveite
a oportunidade criada pelo retorno do texto à Casa e inclua todas as despesas
primárias sob seu alcance – não apenas as despesas com ciência e tecnologia,
mas também o Fundeb e o FCDF. É a melhor forma de atender aos princípios
fiscais e de conter a trajetória ascendente da dívida pública, em tese o objetivo
principal do arcabouço.
Aproximação com o agro é obrigatória
O Estado de S. Paulo
Distância do MST é o mínimo que se espera
do presidente da República para permitir a manutenção da potência do agro,
setor que sustenta sozinho a economia nacional há muitos anos
Os fatos têm exigido do presidente Lula da
Silva a compreensão de que não há caminho que conduza ao desenvolvimento do
País sem uma obrigatória aproximação com o agronegócio, setor que tantas vezes
o petista buscou desqualificar. Ciente de que o maior prejuízo do
aprofundamento dessa querela recairia negativamente sobre os resultados de seu
terceiro mandato, Lula tem movimentado todo o governo para construir pontes com
os ruralistas. A divulgação do Plano Safra 2023-24, prevista para os próximos
dias, será o tour de force desse empenho.
Antes de viajar para a Europa, o
presidente, em reunião com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Carlos
Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), insistiu na
importância de um plano “robusto” para a próxima safra e na pacificação das
relações do governo com o agro, como destacou a Coluna do Estadão. Uma admissão
tardia de que cerrar fileira com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) nos desmandos que o movimento promove a título de reforma agrária
significa oficializar a desordem – o que seria péssimo para o País e para seu
governo.
A declaração do presidente da Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), à saída de um
almoço em que o ministro Teixeira transmitiu as orientações de Lula, deixa
claro que há espaço para entendimento, desde que o governo permita ao setor
continuar atuando sem sobressaltos. “Ele (Lula) parou de sinalizar ao MST e não
nos chamou mais de fascistas. São gestos. Porque não adianta só palavra, é
preciso atitude”, afirmou.
Se o governo não atrapalhar, já estará
ajudando muito a manter a potência do setor que vem sustentando a economia
nacional. Uma constatação que não veio de agora, com a divulgação do
crescimento de 21,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária no primeiro
trimestre, que garantiu o avanço de 1,9% do PIB total no período. O setor, que
corresponde a 25% do PIB, vem carregando há anos o desempenho brasileiro. Sem o
agro, o saldo total de crescimento no primeiro trimestre teria ficado em torno
de 0,5%.
A distância regulamentar de Lula da Silva
em relação ao MST é o mínimo que se pode esperar de um presidente da República.
Gestos como a inclusão do chefe do MST, João Pedro Stédile, na comitiva
presidencial, como ocorreu na viagem à China, em abril deste ano, são
inaceitáveis. Os produtos agrícolas estão no topo da lista das exportações
brasileiras para a China, nosso principal parceiro comercial. Natural e
oportuna, portanto, uma missão de empresários do agronegócio numa viagem
oficial. Mas é totalmente fora de contexto e até provocativa a presença de
Stédile.
Naquele mês, como ocorre anualmente no
chamado “Abril Vermelho”, o MST promoveu invasões de fazendas, de área de
preservação ambiental da Embrapa e de sedes do Incra, incitando distúrbios, e o
que se viu foi um governo acuado e sob pressão. Na CPI sobre o MST na Câmara,
representantes dos ruralistas tentam apurar os financiadores das ocupações. O
mais importante, porém, é estabelecer punições rigorosas para os invasores. E
fazer valer, ao menos, o que diz o Código Penal. Invasão de terras é um crime
para o qual são aplicadas penas de até três anos de prisão.
Ao inaugurar, com o uso questionável do
aparato estatal da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o seu programa semanal
à Bolsonaro, Lula da Silva defendeu o fim das ocupações numa declaração que
pareceu mais um apelo do que uma determinação, como caberia ao mandatário. “Eu
disse para o Paulo Teixeira (ministro do Desenvolvimento Agrário) esses dias:
não precisa mais invadir terra”, disse, para emendar que cabe ao Incra fazer o
levantamento das terras improdutivas para fins de reforma agrária. O Incra teve
substituídas chefias em 19 Estados após as invasões de abril. Parte considerável
delas agora é formada por aliados do MST.
Os sinais do governo Lula da Silva para o
setor precisam passar muito mais confiança, o que requer um prudente – e urgente
– distanciamento ideológico.
Fresta para o diálogo
O Estado de S. Paulo
EUA e China não consolidam ‘estabilidade
estratégica’, mas abrem via para evitar conflito
O encontro em Pequim do secretário de
Estado norte-americano, Antony Blinken, com o presidente da China, Xi Jinping,
no último dia 19, mostrou haver uma fresta aberta para o diálogo. O gesto de
aproximação não chega a gerar otimismo, nem mesmo comedido, sobre a
“estabilidade estratégica” entre as duas potências, que transitam em rota de
colisão nas esferas geopolítica, comercial e, principalmente, do domínio da
tecnologia 5G e da Inteligência Artificial. O sinal emitido, no entanto, dá
alento diante do cenário de segunda guerra fria.
A declaração do líder supremo chinês de que
o seu país e os Estados Unidos devem escolher entre “cooperação ou conflito”
traz certa dose do realismo que orientou a política externa de Washington por
décadas, sobretudo ao longo da primeira guerra fria. Blinken, que já havia
lavado a roupa suja bilateral durante sete horas e meia com o chanceler Qin
Gang no dia anterior, enfatizou a instrução recebida do presidente
norte-americano, Joe Biden, de melhorar as relações bilaterais.
Aparentemente, os dois lados concordaram
com um diálogo de alto nível e com base, como defendeu Xi, no “respeito mútuo e
sinceridade”. Não é pouco diante da escalada de atritos entre essas potências
que, com matrizes políticas e culturais muito diferentes, perseguem a hegemonia
mundial. Será ilusório, porém, imaginar que deixem de mover seus interesses e
seus peões estratégicos em nome da conciliação.
Essa conclusão vale, em especial, quando se
trata de Taiwan. O impasse provocado pela convicção de Pequim acerca de sua
soberania sobre esse país de facto e pela defesa intransigente dos Estados
Unidos e seus aliados à independência de Taipé se traduz em conflito latente. O
estouro, com tropas e arsenais envolvidos, tem sido apenas postergado, entre
dissuasões e ameaças.
Está claro que nenhum lado abandonará seus
aliados – ou as vítimas de seus oponentes – nem deixará de perseguir velhas e
novas estratégias geopolíticas. A abertura de diálogo, porém, permite a
definição de limites. No caso da guerra Rússia-Ucrânia, o compromisso da China
de não entregar armamento letal a Moscou, enquanto acentua sua corrente
comercial com o vizinho, parece atender à margem de tolerância dos Estados
Unidos.
Na esfera econômico-comercial, as
possibilidades de entendimento mostram-se teoricamente mais exequíveis. Há
certo consenso entre ambos os países sobre suas condições de competidores, o
que abre margem para alguma cooperação, maiores compromissos contra práticas
comerciais injustas e menos sanções unilaterais. Salvo, talvez, na agenda da
alta tecnologia.
A visita de Blinken à China foi atrasada em quatro meses pelo abate de balões de espionagem supostamente enviados aos Estados Unidos por Pequim, que viu a reação americana como “histeria” diante de artefatos meteorológicos. Talvez nunca se venha a saber qual a versão correta. Entre as duas potências esperam-se rivalidade, divergência e até atrito. Mas nunca a perda de tempo para o diálogo que pode impedir um novo conflito global.
Senado exclui FCDF do novo marco fiscal
Correio Braziliense
A decisão dos senadores é uma vitória para
o Distrito Federal. O congelamento do FCDF implicaria perdas estimadas em R$ 87
bilhões, nos próximos 10 anos, segundo os cálculos dos técnicos da Secretaria
de Planejamento do DF
O Senado aprovou ontem à noite a exclusão
do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) do novo marco fiscal, evitando que
ambos tivessem orçamentos congelados, como havia aprovado a Câmara dos
Deputados. A maioria dos senadores acolheram a mudança feita pelo relator do
projeto, senador Omar Aziz. Com a alteração, o projeto voltará para a Câmara
dos Deputados. A expectativa é de que os deputados não insiram outra vez os dois
fundos nos limites fixados pelo arcabouço fiscal, como proposto pela equipe
econômica do governo.
A decisão dos senadores é uma vitória para
o Distrito Federal. O congelamento do FCDF implicaria perdas estimadas em R$ 87
bilhões, nos próximos 10 anos, segundo os cálculos dos técnicos da Secretaria
de Planejamento do DF. Nas últimas semanas, deputados, senadores,
ex-governadores e representantes do Executivo local, dos mais diferentes
matizes ideológicos, se uniram e pressionaram os parlamentares do Congresso,
para que não houvesse a mudança.
Conseguiram, assim, convencer os
legisladores dos danos que o congelamento provocaria no financiamento da
educação, da segurança pública e da saúde. O argumento é de que a arrecadação
fiscal do DF não é suficiente para garantir investimentos públicos e os
salários dos profissionais e servidores das três áreas. A mudança na regra
vigente desde 2002, quando o FCDF foi criado, no governo Fernando Henrique
Cardoso, colocaria o governo local ante uma escolha de Sofia: pagar os salários
aos servidores da segurança pública, educação e saúde ou fazer investimentos
para atender as necessidades da população.
O presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira, depois de ouvir os argumentos dos políticos brasilienses, afirmou
que as alterações aprovadas pelo Senado seriam mantidas pelos deputados.
Diferentemente das outras unidades da
Federação, o DF tem peculiaridades históricas. A maior delas foi o ato
audacioso e corajoso do então presidente da República, o mineiro Juscelino
Kubitschek de interiorizar a capital da República, o que tornou Brasília uma
cidade peculiar. A transferência aproximou os estados das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do poder central da República, estreitando uma relação
entre ele e os governos municipais e estaduais, até então, distantes da
Presidência e dos demais poderes. Hoje, a capital abriga todas as
representações diplomáticas credenciadas, o que eleva a sua responsabilidade
com a segurança, a educação e a saúde.
Dessa forma, as forças policiais do DF não
atuam só na proteção da população brasiliense. Elas têm a responsabilidade de
proteger as embaixadas e as autoridades dos Três Poderes. Como centro dos
poderes, Brasília é uma cidade pertencente a todo o país, a todos os
brasileiros que nela vivem e dos que residem em outros estados.
A manutenção do FCDF, como originalmente
foi instituído, eleva a responsabilidade do Executivo e do Legislativo
distrital. As políticas públicas locais não podem focar somente no centro da
capital, que mereceu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. As ações
devem se estender às periferias das cidades locais, elevando a qualidade da
educação, da saúde e da segurança dos moradores da periferia, hoje extremamente
carentes de investimentos que reduzam a violência, elevem a qualidade do ensino
público e ofereçam a atenção adequada à saúde de todos. É o mínimo que os
brasilienses esperam, uma vez que o FCDF exime o Executivo de direcionar toda
arrecadação fiscal ao pagamento de salários aos servidores distritais.
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