sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Dificultar abertura de lojas no domingo ameaça empregos

O Globo

Ministério do Trabalho baixou, sem discussão com sociedade, portaria impondo restrições ao comércio

É um retrocesso a portaria do Ministério do Trabalho publicada na terça-feira — véspera do feriado da Proclamação da República — dificultando a abertura do comércio aos domingos e feriados, prática consolidada entre os brasileiros. O governo erra na forma e no conteúdo. Na forma, por tomar uma decisão controversa sem discussão ampla com a sociedade, como prova a gritaria geral de entidades empresariais. No conteúdo, porque a mudança, além de criar insegurança jurídica, deverá resultar em mais danos que benefícios.

A portaria revogou uma outra, editada pelo governo Jair Bolsonaro em novembro de 2021, que reduzia a burocracia para estabelecimentos comerciais funcionarem aos domingos e feriados. Com isso, voltou-se à situação anterior, com menos categorias autorizadas a trabalhar nesses dias sem necessidade de convenção coletiva e lei municipal. A nova norma atinge estabelecimentos como supermercados, farmácias, lojas em shoppings e aeroportos. É verdade que, em algumas cidades, como Rio ou São Paulo, a legislação municipal e a convenção coletiva já permitem esse tipo de trabalho. Mas não faz sentido criar novos obstáculos onde eles não existem.

A reviravolta deixou apreensivo o setor produtivo. Com razão. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) foi clara ao dizer que a nova portaria afetará a atividade econômica e, por extensão, a manutenção e a criação de empregos. “A abertura do comércio aos domingos e feriados favorece não somente o consumo e a geração de empregos, mas também, e principalmente, o atendimento dos 28 milhões de consumidores que diariamente frequentam os supermercados”, afirmou. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) disse que as novas regras contribuem para gerar insegurança jurídica. A confusão é tamanha que não se sabe nem se as empresas que funcionaram no feriado de 15 de novembro poderão ser multadas, uma vez que as novas normas já estavam em vigor.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou ao Jornal Nacional, da TV Globo, que o ministério analisará um período de transição para que a mudança entre em vigor apenas em janeiro de 2024. Além de não resolver a questão, trata-se de uma demonstração de que o governo nem discutiu as consequências de uma medida que afeta a vida de milhões de brasileiros. Parece amadorismo.

A portaria atende, diz Marinho, a uma reivindicação dos sindicatos. Entidades de classe têm o direito de levar suas pautas ao Planalto, mas o governo precisa analisá-las sob a ótica do benefício para o conjunto da população. O comércio tem funcionado aos domingos e feriados sem maiores problemas. Estabelecimentos, trabalhadores e consumidores já estão adaptados à rotina. Não há por que mexer no que está dando certo apenas para satisfazer à agenda dos sindicatos.

Nascido e criado no movimento sindical do ABC paulista, o PT tem um vínculo histórico com o sindicalismo. Mas não custa lembrar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para seu terceiro mandato por uma frente ampla. Seu ministério reúne os mais diferentes partidos, até alguns que apoiaram Bolsonaro na última eleição. As decisões de governo deveriam refletir essa pluralidade, deixando de lado os velhos cacoetes.

É temerário Janja se alinhar à Turquia assinando manifesto sobre Gaza

O Globo

Primeira-dama participou de reunião promovida por país que se recusa a ver terrorismo nos ataques do Hamas

Seria uma temeridade a primeira-dama, Janja Lula da Silva, assinar o documento emitido depois do encontro “Unidos pela paz na Palestina”, promovido pela primeira-dama da Turquia, Emine Erdogan, em Istambul. Janja enviou um vídeo para se fazer presente na reunião entre cônjuges de uma quinzena de líderes mundiais, na tentativa de fazer um apelo humanitário em nome da população da Faixa de Gaza (ela e a venezuelana Cilia Flores, mulher do ditador Nicolás Maduro, eram as únicas não muçulmanas).

O vídeo de Janja, depois publicado nas redes sociais, já se revela inadequado. “Esta é uma iniciativa inspiradora que nos convoca a unir nossas vozes por Gaza, pelo povo palestino e pela humanidade”, afirmou. “De acordo com a ONU, 70% das vítimas palestinas do conflito de Gaza são mulheres e crianças. Jamais imaginei que, no século XXI, depois da Segunda Guerra e de todos os seus horrores, teríamos de assistir ao massacre de bebês, de crianças e de jovens.”

Nenhuma palavra sobre os atentados do Hamas em 7 de outubro, cuja selvageria despertou a reação israelense. Nenhuma palavra sobre os três brasileiros vítimas dos terroristas — dois deles numa festa. Nem sobre os bebês mortos nos ataques ou sobre os mais de 200 reféns até hoje mantidos em poder do grupo terrorista. Em vez disso, um paralelo sem cabimento entre as ações de Israel e a barbárie nazista na Segunda Guerra, de teor ofensivo à memória das vítimas do Holocausto. Se o vídeo tivesse mencionado os horrores do Hamas, teria sido aceito?

É evidente que as mortes de civis em Gaza precisam parar, em especial as de jovens, mulheres e crianças. Todas elas são lamentáveis. É urgente o estabelecimento de corredores humanitários e interrupções nos combates que permitam a passagem de auxílio médico e alimentos, objeto da resolução tomada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas nesta semana. Janja diz que “o diálogo deve prevalecer sobre as armas”, mas omite — ou não sabe — que organizações terroristas não dialogam, matam.

Se no vídeo ela já revela uma preferência incompatível com a posição da diplomacia brasileira, assinar o documento seria temerário. Nem tanto pelo que o texto diz, mas pelo que não diz: a barbárie dos ataques do Hamas. Não é coincidência. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, considera o Hamas um “movimento de resistência” legítimo e, depois dos atentados, chegou a receber em Ancara seu líder, Ismail Hanyeh, sem jamais ter condenado os atos de terrorismo.

A política externa do Brasil deve ser liderada pelo Itamaraty, sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Primeiras-damas e primeiros-cavalheiros são bem-vindos em ações em prol de seus países, e Janja tem se destacado positivamente em algumas áreas. Mas precisam ter cautela para não interferir em princípios e interesses diplomáticos de suas nações. Janja deveria saber disso.

Hora de decisões difíceis para tirar a Argentina da crise

Valor Econômico

É muito provável que as políticas do próximo governo não correspondam ao que vem sendo propagado pelos candidatos

Neste domingo os argentinos escolherão entre o esquerdista Sergio Massa e o direitista Javier Milei para ser o seu próximo presidente, num momento dificílimo da história do país. As pesquisas sugerem um leve favoritismo de Milei, mas o clima é de incerteza, tanto pelo resultado eleitoral como pelo que virá pela frente, já que os candidatos deram poucas indicações do que realmente farão quando confrontados com os enormes desafios da Argentina.

Das oito últimas pesquisas de intenção de voto, quatro indicaram empate técnico e quatro apontaram Milei à frente, fora da margem de erro. É preciso encarar essas sondagens com cautela: a maioria delas errou tanto nas prévias partidárias, em agosto, como no primeiro turno presidencial, em outubro. Como costuma dizer o ex-ministro Delfim Netto, independentemente de quem ganhe a eleição, no dia seguinte a quitanda precisa abrir com berinjelas a preço razoável e troco para os clientes. Nem Massa nem Milei expuseram, durante a campanha eleitoral, um plano convincente de como abrir a quitanda argentina nos próximos meses.

O país enfrenta desafios muito urgentes e complexos. Fechará o ano em recessão, com queda de cerca de 3% do PIB, devido em parte à seca que quebrou a safra deste ano. A inflação acumulada no ano está em 142,7% e deve subir mais. O déficit fiscal primário ficará em cerca de 2,5% no ano. Como o país é muito arriscado e não tem acesso aos mercados globais, esse déficit é financiado por emissão monetária, o que acelera a inflação, e pela poupança interna, o que retira recursos de investimentos privados. Segundo muitas estimativas, as reservas internacionais são negativas, isto é, o Banco Central argentino está vendendo dólares que não são seus para tentar evitar uma desvalorização ainda maior do peso. Ou seja, o país está à beira de uma crise clássica de balanço de pagamentos (quando não há mais dólares para honrar compromissos externo) e de um possível novo default.

A situação econômica é, assim, gravíssima. A solução passará por um ajuste, ordenado ou caótico, que será muito doloroso. O ex-presidente do BC argentino Martín Redrado disse em entrevista ao Valor (11/10) que não há mais margem para gradualismo e que a Argentina precisa de terapia de choque.

Como ministro da Economia, Massa tem a ingrata missão de defender um retrospecto indefensável e prometer que tudo será melhor daqui para a frente. Ele costuma repetir que vai mudar o que não está dando certo, mas sem detalhar o quê. Ele tem evitado falar de cortes de gastos e parece esperar que três setores (o agronegócio, o de gás e o de mineração) deem algum impulso à economia no ano que vem, na expectativa de poder fazer um improvável ajuste gradual, menos doloroso.

Já Milei continua defendendo propostas radicais, mas difíceis, senão impossíveis, de realizar, e que pouco ajudarão a resolver os problemas imediatos da Argentina. Ele quer dolarizar a economia (tem falado menos sobre isso nas últimas semanas) e fazer um corte radical de gasto público em meio à recessão. Milei defende eliminar o banco central e fazer forte abertura comercial unilateral, medidas nunca testadas numa grande economia. Num excesso de otimismo, ele diz que não fará cortes nos programas sociais, pois à medida que o país for melhorando, as pessoas não precisarão mais da ajuda do Estado.

Massa e Milei têm assim propostas antagônicas para a Argentina, mas pouco falaram sobre como enfrentar os problemas imediatos que um deles terá a partir da posse, em 10 de dezembro. O melhor cenário possivelmente é que o presidente eleito faça e seja diferente do que ele fez e foi até agora. Essa é uma expectativa difícil de acreditar, mas há sinais de que isso pode acontecer.

Massa é um dos maiores camaleões da política argentina. Ele iniciou sua carreira no liberalismo, passou ao peronismo mais centrista, aproximou-se, rompeu e voltou a se aproximar do kirchnerismo. Claramente ele não era o candidato de Cristina Kirchner. É difícil saber onde está exatamente o seu pensamento político e econômico. Ele assumiu a Economia em julho de 2022, já com uma situação muito ruim e poucas opções. Qualquer ajuste significativo era politicamente inviável, pois significaria perder as eleições deste ano. Massa, Cristina e o peronismo optaram por empurrar com a barriga até as eleições. O que virá num eventual governo seu é incerto.

Milei, além de inexperiente (nunca ocupou cargo público executivo e tem menos de dois anos como deputado), seria um presidente politicamente fraco - poderia contar com apenas 12% dos deputados, 11% dos senadores e nenhum governador. Se vencer, será graças ao apoio do ex-presidente Mauricio Macri. Milei dependerá da bancada macrista, a maior no Congresso, para aprovar qualquer projeto. Seria um presidente tutelado e precisaria negociar qualquer medida com Macri, cujo partido possivelmente ocuparia cargos-chave no governo.

Assim, é muito provável que as políticas do próximo governo não correspondam ao que vem sendo propagado pelos candidatos. Isso seria bom, mas traz o problema da incerteza. Não está claro como seriam a dinâmica de governo e nem os equilíbrios de poder com Massa ou Milei. Levará algum tempo para que isso se assente. É possível que a Argentina não tenha esse tempo à disposição.

Rombos estatais

Folha de S. Paulo

Projeção de déficit em empresas federais eleva preocupação com gestão política

São inquietantes os rumos das empresas estatais federais sob o governo petista. Há insistência em nomeações de cunho político e ideológico, leniência orçamentária, maior disposição ao intervencionismo e a planos mirabolantes, entre outros sinais de retorno a um passado de triste memória.

Como noticiou o jornal Valor Econômico, pela primeira vez desde 2015 o Tesouro Nacional pode ser obrigado a compensar um déficit do conjunto das estatais, ora projetado em R$ 5,6 bilhões neste ano.

Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as empresas federais estão autorizadas a registrar um resultado negativo de R$ 3 bilhões. Se o rombo ultrapassar esse valor, o Tesouro precisa arcar com a diferença em seu balanço.

A norma diz respeito a estatais que não dependem, em tese ao menos, de recursos da União, entre elas as companhias Docas, os Correios, o Serpro e a Dataprev.

Ainda estão incluídas empresas ligadas às Forças Armadas, como a Emgepron, que participa da interminável construção do submarino nuclear brasileiro —cujo déficit está calculado em R$ 3,2 bilhões.

Neste ano entrou na lista a ENBPar, controladora da Eletronuclear, que permaneceu sob controle do Tesouro depois da privatização da Eletrobras. A empresa terá deficit de R$ 2,3 bilhões, o que explica a maior parte da diferença em relação às previsões da LDO.

O problema vai além. Não estão no grupo a Petrobras e as estatais financeiras —nem empresas privadas em que o governo tem participação relevante, muitas vezes por meio do BNDES.

Tampouco nesses casos o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece ter aprendido algo com os prejuízos bilionários e os casos de corrupção de gestões passadas. A proibição de indicações políticas e pessoas sem qualificação, determinada em 2016 pela Lei das Estatais, resultou desses problemas.

Infelizmente, a porta foi novamente aberta no início deste ano por liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal —cujo plenário deveria rever com urgência a decisão que suspendeu as restrições da lei.

Em outra frente, o BNDES, que tem participação avaliada em R$ 58,7 bilhões, segundo dados de junho, em 16 companhias de capital aberto, já faz suas indicações.

São empresas de grande porte, que podem contar com recursos de mercado. Em vez de liberar espaço em balanço, o banco de fomento é usado para ingerência política, algo evidente pelas nomeações dos ministros Carlos Lupi e Anielle Franco para o conselho da Tupy.

O risco é que tais exemplos proliferem e reforcem conexões pouco transparentes entre interesses públicos e privados.

Flanco aberto

Folha de S. Paulo

Ao receber mulher ligada ao tráfico, governo se expõe em setor problemático

Flávio Dino, da Justiça, é o ministro mais propenso ao confronto político no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dado aos microfones e às redes sociais, propagandeia ações da pasta, envolve-se em polêmicas e rebate adversários com veemência nem sempre aconselhável para o posto que ocupa.

Sendo ademais cogitado para uma vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, tornou-se um alvo preferencial da oposição, em particular a bolsonarista.

Não espanta, pois, que uma trapalhada recente de seu ministério —cujo alcance ainda está por ser devidamente esclarecido— tenha gerado ruidosa repercussão.

Conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo, auxiliares de Dino receberam, em reuniões realizadas em março e maio, a mulher do líder da facção criminosa Comando Vermelho no Amazonas.

Luciane Barbosa Farias, ela própria condenada em segunda instância a dez anos de prisão por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro, disse que levou ao ministério "um dossiê sobre as mazelas do sistema prisional".

Soube-se ainda, por relato do jornal O Globo, que ela teve neste mês uma viagem a Brasília paga pelo Ministério dos Direitos Humanos.

Trata-se, no mínimo, de descuidos em série, para os quais o governo não dispunha de boas explicações. Na Justiça, o secretário de Assuntos Legislativos, Elias Vaz, assumiu a responsabilidade por receber uma pessoa cuja condição disse desconhecer na época.

Já os ministros Dino e Sílvio Almeida (Direitos Humanos) responderam politicamente. O primeiro destacou a solidariedade prestada por Lula e outros; o segundo atribuiu os ataques recebidos a "próceres do fascismo à brasileira".

Fato é que o governo deixou mais um flanco aberto em uma área problemática para a esquerda nacional —a segurança pública.

Nos últimos anos, forças à direita foram bem-sucedidas em explorar o temor e a indignação da sociedade ante os níveis elevadíssimos de violência no país, vendendo soluções populistas e equivocadas, no entender desta Folha, como mais encarceramentos, policiamento linha-dura e maior acesso da população a armas de fogo.

Nesse campo, que ao lado da saúde, com 17%, está no topo dos problemas mais graves do país apontados no Datafolha, o governo petista e o ministério de Dino pouco apresentaram de concreto até aqui.

Meta mantida, por enquanto

O Estado de S. Paulo

Haddad terá ainda de convencer o presidente Lula sobre a importância da responsabilidade fiscal. Até que isso ocorra, se é que vai ocorrer, sua vitória terá sido parcial e temporária

Haddad terá de convencer Lula sobre importância da responsabilidade fiscal. Até que isso ocorra, sua vitória terá sido parcial e temporária.

Duas das principais agências de classificação de risco do mundo, a Fitch e a Moody’s, reafirmaram a importância de o governo manter inalterada a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Mudar o compromisso, segundo as agências, embora não levasse necessariamente a um rebaixamento das notas de crédito do País, comprometeria a credibilidade do novo arcabouço fiscal e atrapalharia os esforços para a recuperação do grau de investimento pelo País.

A vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, chamou a atenção para algo que parte do governo se recusa a assimilar. Segundo ela, os sinais que o Executivo tem passado a respeito da meta pesam tanto ou mais que o número em si. Em outras palavras, não basta apenas manter o compromisso. É preciso demonstrar verdadeira disposição para atingi-lo, para assim conter a trajetória ascendente da dívida pública.

Crucial para reposicionar o Brasil na rota dos investimentos dos maiores fundos de investimento do mundo, o alerta das agências veio a calhar e, aparentemente, foi ouvido. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (UniãoCE), confirmou que a meta não será modificada, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderá respirar aliviado – ao menos por alguns meses.

Em março, o governo terá de divulgar o primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do ano. O principal recurso a indicar a disposição do Executivo para cumprir a meta será o contingenciamento de despesas. Mas é bom lembrar que até mesmo o bloqueio temporário de despesas entrou na mira de Lula, justamente por incidir sobre investimentos e obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Até lá, Haddad terá de trabalhar para aprovar medidas que reforcem a arrecadação da União no Congresso – como a reforma tributária, a taxação de fundos exclusivos, offshore e os juros sobre capital próprio, a regulamentação das apostas esportivas e a proposta que altera a tributação de grandes empresas que recebem subvenção dos Estados. Será um desafio e tanto, uma vez que a agenda está longe de ser consensual e o Congresso já está reduzindo o ritmo de votações em razão dos feriados e da proximidade das festas de fim de ano.

Fato é que a evolução do debate fiscal nas últimas três semanas mostra a pertinência do alerta das agências de classificação de risco. No fim de outubro, Lula desautorizou Haddad ao dizer que um déficit de 0,25% ou de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) não seria “nada”. Depois de muito ruído, o governo acabou por não enviar uma mensagem modificativa para formalizar a proposta ao Congresso, e o Legislativo não quis assumir o ônus por alterá-la por conta própria, a despeito do risco de bloqueio das emendas parlamentares.

O deputado Lindbergh Farias (PTRJ), no entanto, prontamente apresentou emendas à LDO que permitiriam um déficit de 0,75% ou de 1%. Ainda que suas emendas não tenham sido acatadas, é bastante simbólico que a flexibilização que ele propôs tenha ido além, muito além do que o próprio Lula havia defendido no café da manhã com jornalistas, em 27 de outubro. Ademais, permanece no ar a possibilidade de a meta ser alterada diretamente no projeto do Orçamento, última votação antes do recesso parlamentar.

Haddad terá ainda que convencer o presidente Lula sobre a importância da responsabilidade fiscal. Até que isso ocorra, se é que vai ocorrer, sua vitória terá sido parcial e temporária. Em conjunto, as medidas para reforçar a arrecadação podem até reduzir o rombo nas contas públicas, mas não serão suficientes para resolver o problema que o ministro tem em suas mãos. “A fraqueza do arcabouço é a dependência de receitas”, ressaltou Maziad ao Estadão.

É nas despesas que o governo terá de mexer se realmente quiser reduzir o déficit fiscal e reverter o buraco no médio e longo prazos. Não se vê, no entanto, qualquer esforço claro e efetivo nesse sentido, pelo contrário, e o plano de revisão de gastos do Ministério do Planejamento e Orçamento continua em banho-maria, se é que já não morreu de vez.

Sem derrotismo na segurança pública

O Estado de S. Paulo

Dramática, a crise de violência tem causas que não são de agora. Urge desenhar e implementar uma estratégia que enfrente coordenada e responsavelmente o problema

Na edição de 7 de novembro do podcast Estadão Notícias, sobre a GLO decretada pelo presidente Lula da Silva e os desafios no combate à violência urbana no País, a economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV, contestou o pessimismo de fundo que, muitas vezes, permeia o debate sobre segurança pública. “Eu sou muito otimista. A gente tentou muito pouco. A gente não fez quase nada em termos de política de segurança para a gente dizer que não conseguiu”, disse Joana Monteiro.

Trata-se de aspecto fundamental para melhorar a segurança pública. Se existe a percepção de que muito se fez, nada deu certo e, portanto, nada no futuro dará certo, a consequência imediata é tornar os governantes irresponsáveis pelo problema, que seria insolúvel.

Joana Monteiro não reduziu a gravidade da situação. A violência urbana que se vê hoje no Brasil com a presença de grupos criminosos “é um dos principais problemas de violência do mundo”, avaliou. Além disso, não se trata de uma crise momentânea, mesmo que às vezes haja casos mais dramáticos, como o incêndio de dezenas de ônibus no Rio de Janeiro por grupos milicianos. A crise que se vê hoje está presente há mais de 30 anos. E, precisamente por isso, “a gente não precisa de um esforço temporário. A gente precisa de um esforço permanente nas causas do problema”.

Enfrentar o problema pressupõe conhecê-lo. Hoje, ele não é apenas o tráfico de drogas. No Rio de Janeiro, por exemplo, há grupos criminosos exercendo uma série de atividades econômicas. “O problema central é o controle do território” por esses grupos, o que só é possível “porque existem atores estatais colaborando com isso, sejam eles na polícia, nos órgãos de justiça, nas prefeituras. Se a gente não encarar esse problema como ponto central, a gente não vai sair do lugar.”

É preciso também conhecer as causas dessa situação. Segundo a pesquisadora da FGV, a exploração desses territórios por grupos criminosos – “que têm poder de coerção sobre a população e exploram uma série de atividades que são monopólios locais” – tem três pilares: o acesso a armas de alto calibre, o poder de matar com alta taxa de impunidade e a conivência de diversos atores estatais. Por exemplo, mais do que uma ação pontual de seis meses em alguns portos e aeroportos – como dispôs o decreto do governo federal –, as Forças Armadas podem contribuir muito com o controle de armas de fogo, disse Joana Monteiro.

Para enfrentar corretamente o problema, é preciso uma estratégia de segurança pública, o que o País ainda não tem. Recorrentemente, os governos fazem promessas e apresentam planos genéricos, que depois não são regulamentados e, menos ainda, realizados. O diagnóstico é de que o poder público, em suas várias esferas, não sabe aonde quer chegar e não sabe o que está fazendo. “É uma bateção de cabeça sem fim e, por isso, é tão fundamental que o governo federal desenhe uma governança, para parar essa bateção de cabeça, na qual cada um faz uma coisa”, avaliou a pesquisadora da FGV.

Ao mesmo tempo, especialmente na comparação com outros países da América Latina, “é preciso dizer que a gente tem ainda uma capacidade estatal muito forte, ainda tem muita resistência nas instituições”, disse Joana Monteiro. Ou seja, formular uma estratégia responsável de segurança pública inclui conhecer de forma muito realista o problema a ser enfrentado e os meios dos quais se dispõe para realizar essa tarefa.

É equivocada a ideia de que o poder público está todo corrompido. O que é necessário é “debruçar-se para entender como separar o joio do trigo de todas as instituições, e não só nas polícias”. Referindo-se a casos de conivência de membros do Judiciário com a criminalidade, disse a pesquisadora da FGV: “A pessoa sai impune, sem nem ser questionada. O máximo que vai acontecer com ela é ganhar uma aposentadoria paga pelo nosso contribuinte”.

Não há motivo para o derrotismo, mas, sim, há muito a fazer. E é urgente fazer bem feito, com responsabilidade.

Uma trégua oportuna

O Estado de S. Paulo

Mas EUA e China estão longe de uma arquitetura que garanta ‘estabilidade estratégica’

Mal o mundo saía da UTI em que fora lançado pela pandemia, foi acometido por duas guerras. Nesse cenário, os esforços por uma trégua do presidente americano, Joe Biden, e sua contraparte chinesa, Xi Jinping, que se encontraram na Califórnia, são um alívio.

A necessidade, diz o ditado, é a mãe da invenção. E ambos estão pressionados por muitas necessidades, a começar por um entendimento mínimo sobre os riscos das guerras na Europa e no Oriente Médio.

Internamente, a aceleração econômica da China após a pandemia foi frustrada. Xi precisa de investimentos e exportações para limitar os impactos da crise do mercado imobiliário e do crescimento da dívida, e isso passa por aliviar as sanções econômicas e restrições americanas à compra de tecnologias chinesas. Os EUA estão na linha de frente dos esforços de defesa da Ucrânia e de Israel e não podem arriscar novas tensões no Pacífico.

Biden anunciou três iniciativas: a restauração de contatos diretos entre suas Forças Armadas; esforços para restringir o suprimento de componentes do fentanil, um opioide que tem fustigado a população americana; e discussões sobre os perigos da inteligência artificial.

As relações entre EUA e China têm sido comparadas à guerra fria, mas há diferenças, a começar pela sua interdependência econômica. Em um mundo mais interconectado, ações unilaterais ou bilaterais são insuficientes para enfrentar ameaças globais, como pandemias, mudanças climáticas, terrorismo ou o crime organizado. Isso impõe um tríplice desafio: a promoção de trocas e disputas econômicas justas; a cooperação em desafios globais; e a coexistência de sistemas políticos antagônicos. As iniciativas anunciadas são modestas, mas ao menos abrangem de maneira relativamente sistêmica esses desafios.

Uma das mais importantes lições da guerra fria é a comunicação entre os altos comandos militares. Após um balão chinês ter sido abatido nos EUA, elas estavam obliteradas. Em todo o período de rivalidade entre EUA e URSS, houve guerras “por procuração” e intensa espionagem, mas, após a crise dos mísseis de Cuba, a comunicação entre as duas potências evitou que mal-entendidos ou erros de cálculo deflagrassem um confronto direto.

Analistas sugerem que os países precisariam criar um secretariado permanente para manejar conflitos. Por ora, ainda estão longe de uma arquitetura institucional como essa para que ambos atinjam ao menos uma “estabilidade estratégica”. Mas o encontro entre Biden e Xi foi precedido por três visitas de ministros americanos à China e uma visita do chanceler chinês a Washington. Quando autoridades podem manifestar dissabores face a face e em privado, já se diminui o risco de escalada através de recriminações públicas.

Pelo momento, os países conseguiram ao menos estabelecer um “piso” para conter a degradação das relações bilaterais, que estavam no seu nível mais baixo desde que foram restabelecidas em 1979. Se isso não é suficiente para construir a nova arquitetura estratégica de que os dois e o mundo precisam, é ao menos uma condição necessária.

Questões religiosas no ambiente de trabalho

Correio Braziliense

Se um funcionário faz parte de uma religião que não encontra nenhum preconceito direto, a relação no ambiente de trabalho também tende a ser tranquila, mas o contrário quase nunca é verdade

Os casos de intolerância religiosa não cessam no Brasil. Entre 2021 e 2022, o número de denúncias no país aumentou 106%, sendo a maior parte das vítimas os praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. Seis em cada 10 pessoas afetadas são mulheres. Os dados, que fazem parte do 2º Relatório Sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, da Unesco, mostram também relatos e informações de casos de intolerância divulgados pela imprensa nos últimos anos. Chama a atenção diversos fatos que ocorreram especificamente no ambiente de trabalho, a exemplo de situações vexatórias impostas pelo empregador ou por colegas de trabalho contra colaboradores.

Embora o "fazer religioso" se restrinja a determinados ambientes, como templos, igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros e assim por diante, ele também é reflexo do comportamento da sociedade, seja por roupas, acessórios, termos e outros códigos. Em um país eminentemente marcado por uma colonização religiosa de base católica, não é raro que, em alguns locais públicos, alguns rituais, como orações feitas pela manhã, a colocação de uma Bíblia ou de imagem cristã em cima da mesa, sejam desenvolvidos sem que haja a preocupação em perguntar se alguém é ou não de alguma outra religião ou crença.

A questão é que, se um funcionário faz parte de uma religião que não encontra nenhum preconceito direto, a relação no ambiente de trabalho também tende a ser tranquila, mas o contrário quase nunca é verdade, no caso de religiões afro-brasileiras ou de matriz africana. Daí o fato de determinadas posturas violentas levarem a ocorrências como o assassinato de uma líder quilombola em agosto deste ano, no interior da Bahia, assim como a morte do filho da religiosa, seis anos antes, ainda que a intolerância religiosa tenha sido pano de fundo para outros aspectos.

É verdade que nunca poderíamos pensar o local de trabalho como um espaço de conversão religiosa, mesmo porque as pessoas não estão ali com esse intuito e muito menos é interesse dos empregadores suscitar esse tipo de discussão. Mas é importante destacar que as questões religiosas precisam ser consideradas como pontos fundamentais em programas de diversidade nas empresas. Caso contrário, corre-se o risco de que o enfrentamento desse tema seja banalizado ou deixado de lado.

Já é mais que sabido que a intolerância religiosa é crime, previsto no Código Penal, e que a liberdade religiosa é assegurada pelo artigo 5º da Constituição Federal. É um erro discutir temas tão sensíveis a uma parte dos seres humanos a ponto de se eleger qual é a melhor ou a pior denominação religiosa, se Deus existe ou não, qual é o dogma demoníaco ou a verdade universal, quem está certo ou errado. Em religião, não há certo ou errado. Há o respeito e a tolerância.

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