quarta-feira, 31 de julho de 2024

Fernando Exman - Uma parte relevante do ajuste fica para o futuro

Valor Econômico

“Reforma orçamentária” mais estrutural deve ficar para o próximo governo

A esperada reação na Esplanada dos Ministérios ao congelamento de R$ 15 bilhões nubla duas importantes discussões conduzidas por interlocutores da equipe econômica e da ala política do Palácio do Planalto.

Reconhece-se que esse valor, definido pela Junta de Execução Orçamentária com a chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve ser insuficiente para que a almejada meta de déficit fiscal zero seja atingida ao fim de 2024. As atenções já se voltam para o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas que será divulgado em setembro, com um novo congelamento de recursos no radar. O cumprimento do arcabouço fiscal é visto como questão de honra por auxiliares importantes de Lula e, segundo eles, pelo próprio presidente.

Mas, em paralelo e a despeito dos alertas feitos por especialistas, já se adia para o governo seguinte o que já se chama de “reforma orçamentária” mais estrutural. Em outras palavras, a revisão dos pisos da saúde e da educação e a realização de uma reforma da Previdência.

“Não dá para fazer tudo de uma vez”, pondera uma graduada fonte. Essa autoridade reconhece, contudo, haver desequilíbrios estruturais na Previdência Social que precisarão ser resolvidos em um futuro breve.

Ela cita um ciclo que se repete no máximo de 15 em 15 anos. Os governos Collor e FHC, por exemplo, empreenderam tentativas nesse sentido. O próprio Lula já enfrentou esse desafio em abril de 2003, pouco tempo depois de subir pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto. Foi pessoalmente ao Congresso Nacional entregar uma proposta que, pelas contas da época, mudou os sistemas de aposentadorias de aproximadamente 8 milhões de servidores e aposentados dos serviços públicos dos Estados, dos municípios e da União. A economia prevista era de R$ 56 bilhões em 30 anos.

Anos depois, o tema voltou à agenda nos governos Temer e Bolsonaro. Uma emenda constitucional foi promulgada em novembro de 2019, com a promessa de reduzir R$ 800 bilhões em despesas durante dez anos. Houve fixação de idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres, aos 65 e 62 anos, respectivamente, e o estabelecimento de novas alíquotas de contribuição.

Hoje existe preocupação com o envelhecimento da população e os déficits do setor. Há um descompasso no ritmo de crescimento de contribuintes e benefícios pagos, algo que o atual governo não demonstra disposição de atacar no curto prazo. E o mesmo se pode dizer em relação a uma flexibilização dos pisos de desembolsos mínimos para as áreas de saúde e educação, que, inclusive, são vinculados à arrecadação.

Está em curso um processo de compressão das demais despesas abaixo do novo limite de gastos previstos no arcabouço fiscal. Porém, ainda que represente uma melhoria estrutural capaz de dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal a longo prazo, uma mudança nessas travas não encontra respaldo da militância do PT e demais partidos de esquerda.

Mais prudente seria enfrentar essas questões agora. Para este mandato, contudo, a avaliação é que o presidente já mantém estritamente o combinado com a equipe econômica antes da posse: um enxugamento da PEC da Transição em comparação ao que queria a ala política do governo, a reforma tributária, um corte de gastos tributários que inevitavelmente enfrentaria resistências no Congresso e a reoneração dos combustíveis.

Quando Lula definiu a escalação da equipe econômica, relatam interlocutores do governo, não se falou de corte de gastos. Combinou-se, isso sim, que o governo iria sinalizar a obtenção de um superávit primário ao longo do mandato. A aposta foi que o Brasil voltaria a crescer, de forma sustentável, ao adotar uma fórmula que visasse o equilíbrio fiscal - ainda que pelo lado das receitas - e o controle da inflação. Até que a ala mais desenvolvimentista do Executivo começou a bombardear o arcabouço fiscal nos bastidores.

Nesse contexto, primeiro foi dado o freio de arrumação pelo Palácio do Planalto em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias no Orçamento do ano que vem.

Na sequência, a Junta de Execução Orçamentária passou a discutir o valor que precisaria ser congelado para o cumprimento do arcabouço fiscal neste ano. E fixou o valor em R$ 15 bilhões, resultando em uma nova projeção de déficit primário para 2024, que agora totaliza R$ 28,8 bilhões.

Este valor está no limite inferior da banda do novo arcabouço fiscal, que permite um rombo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. E ainda assim há críticas no entorno do presidente em relação à cifra.

Mas é preciso registrar, por outro lado, que demais auxiliares diretos do presidente, inclusive ligados ao PT, chegaram a defender um congelamento entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões.

Se esta fosse a opção feita por Lula, haveria uma redução substantiva das incertezas citadas pelos agentes do mercado em relação à política fiscal. Além disso, ela reduziria a pressão sobre a equipe econômica durante a elaboração do relatório de despesas e receitas de setembro. E poderia ser, também, um fato positivo novo às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Algo mais eficiente do que um pronunciamento do presidente da República em rede nacional de rádio e televisão prometendo, sem dar maiores detalhes, que “não abrirá mão da responsabilidade fiscal”.

 

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