O Globo
A aprovação da regulamentação da Reforma
Tributária e o avanço da renegociação das dívidas são ganhos, só é preciso ter
cuidado com os termos que estão à mesa
A economia sempre tem muitas tarefas. Enquanto a Câmara negociou e aprovou a regulamentação da Reforma Tributária, o Senado apresentava uma proposta de renegociação da dívida dos estados, uma montanha de quase R$ 800 bilhões. Nem tudo é bom na reforma, mas a mudança que começará a ser preparada após toda a tramitação vai modernizar o sistema tributário. A proposta de renegociação das dívidas dos estados, da maneira como foi apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco, aumenta a transferência de recursos federais para os maiores estados e impacta a dívida federal. O Tesouro deve estar presente desde o primeiro momento, não pode ser o último a ser ouvido.
O caminho inverso deveria ter sido tomado: a
proposta deveria sair da negociação entre o credor, o Tesouro Nacional, e os
entes subnacionais endividados. E num momento posterior aperfeiçoar a proposta
em um Projeto de Lei Complementar. Mas tem sido negociado pelo Senado com os
entes federados. Outro problema é que há uma concentração muito grande da
dívida entre os maiores estados e qualquer concessão que for feita vai
desequilibrar ainda mais a federação. As quatro maiores economias — São Paulo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul — são 84% dessa dívida. São
Paulo responde por 44% da dívida dos estados, então será o maior beneficiado
por qualquer nova vantagem.
Por outro lado, há inúmeros estados que têm
dívidas pequenas, no Nordeste e no Norte. Além do Espírito Santo, que fez
esforços para resolver o problema. O projeto como foi desenhado no gabinete do
senador Pacheco elimina os juros reais. Hoje o governo subsidia os estados
devedores porque se financia pelo IPCA mais 6,5% (NTN-B) e cobra IPCA mais 4%.
Sua dívida é mais cara do que a dos seus devedores. A proposta do Senado
agravaria isso porque quer eliminar qualquer percentual acima da inflação, o
que significa que a dívida teria juro real zero.
Dos estados grandes e endividados, São Paulo
é o único que está pagando completamente os juros, R$ 19 bilhões por ano. Se
for aprovada a proposta da maneira como o senador Pacheco apresentou na
terça-feira, o governo paulista teria uma queda da despesa com o pagamento da
dívida, e aumento da despesa primária. Já a dívida de Minas Gerais, Rio de
Janeiro que não está sendo paga, crescerá mais devagar. Minas entrou na Justiça
para não pagar esse débito e está com esse direito concedido por liminar. Rio
Grande do Sul teve a suspensão do pagamento por três anos por causa da tragédia
climática.
O que o Senado está propondo é que os estados
entreguem ativos, como empresas, recebíveis ou créditos reconhecidos na dívida
ativa, para terem uma redução do percentual de juros. Em outras renegociações
foram entregues empresas para serem federalizadas e depois vendidas. Os
melhores ativos foram privatizados. Há casos como o da Cedae do Rio, vendida
recentemente, em que o Tesouro deu garantia para um empréstimo até a
privatização da empresa. Foi vendida, o governo do Rio não honrou a operação
financeira e a conta caiu sobre o Tesouro. O problema da transferência de
recebíveis da dívida ativa é que, muitas vezes, não têm qualquer liquidez.
É preciso virar esta página, sem dúvida, mas
saber em que condições. Os estados menores e menos endividados querem ser
compensados com a mesma concessão que o governo federal fará aos entes
devedores. O senador Rodrigo Pacheco disse que nem tudo será aprovado pela
Fazenda. É bom que cada ponto seja negociado para que o país enfrente o
problema, no entanto, não pode ser a causa de mais desequilíbrios na federação.
Na Câmara, a discussão e a votação da
regulamentação da Reforma Tributária atravessou o dia de ontem. Há enormes
ganhos. Mas há também grandes derrotas. Durante a negociação, a luta era contra
o absurdo de o carvão não pagar o Imposto Seletivo, apesar de ser a mais
poluente das fontes de energia. E também para não chancelar outra insensatez
que é deixar armas e munições fora desse tributo. O Imposto Seletivo, como se
sabe, foi pensado para ser cobrado de produtos que causam mal à saúde e ao meio
ambiente. No final da noite, o carvão acabou sendo incluído no Imposto
Seletivo, mas as armas não. A economia tem muitas tarefas, a maior delas sempre
será vencer os inúmeros lobbies do Brasil.
Um comentário:
A arma de fogo é útil pra quê?
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