quinta-feira, 11 de julho de 2024

Míriam Leitão - Dívidas, lobbies e ajuste econômico

O Globo

A aprovação da regulamentação da Reforma Tributária e o avanço da renegociação das dívidas são ganhos, só é preciso ter cuidado com os termos que estão à mesa

A economia sempre tem muitas tarefas. Enquanto a Câmara negociou e aprovou a regulamentação da Reforma Tributária, o Senado apresentava uma proposta de renegociação da dívida dos estados, uma montanha de quase R$ 800 bilhões. Nem tudo é bom na reforma, mas a mudança que começará a ser preparada após toda a tramitação vai modernizar o sistema tributário. A proposta de renegociação das dívidas dos estados, da maneira como foi apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco, aumenta a transferência de recursos federais para os maiores estados e impacta a dívida federal. O Tesouro deve estar presente desde o primeiro momento, não pode ser o último a ser ouvido.

O caminho inverso deveria ter sido tomado: a proposta deveria sair da negociação entre o credor, o Tesouro Nacional, e os entes subnacionais endividados. E num momento posterior aperfeiçoar a proposta em um Projeto de Lei Complementar. Mas tem sido negociado pelo Senado com os entes federados. Outro problema é que há uma concentração muito grande da dívida entre os maiores estados e qualquer concessão que for feita vai desequilibrar ainda mais a federação. As quatro maiores economias — São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul — são 84% dessa dívida. São Paulo responde por 44% da dívida dos estados, então será o maior beneficiado por qualquer nova vantagem.

Por outro lado, há inúmeros estados que têm dívidas pequenas, no Nordeste e no Norte. Além do Espírito Santo, que fez esforços para resolver o problema. O projeto como foi desenhado no gabinete do senador Pacheco elimina os juros reais. Hoje o governo subsidia os estados devedores porque se financia pelo IPCA mais 6,5% (NTN-B) e cobra IPCA mais 4%. Sua dívida é mais cara do que a dos seus devedores. A proposta do Senado agravaria isso porque quer eliminar qualquer percentual acima da inflação, o que significa que a dívida teria juro real zero.

Dos estados grandes e endividados, São Paulo é o único que está pagando completamente os juros, R$ 19 bilhões por ano. Se for aprovada a proposta da maneira como o senador Pacheco apresentou na terça-feira, o governo paulista teria uma queda da despesa com o pagamento da dívida, e aumento da despesa primária. Já a dívida de Minas Gerais, Rio de Janeiro que não está sendo paga, crescerá mais devagar. Minas entrou na Justiça para não pagar esse débito e está com esse direito concedido por liminar. Rio Grande do Sul teve a suspensão do pagamento por três anos por causa da tragédia climática.

O que o Senado está propondo é que os estados entreguem ativos, como empresas, recebíveis ou créditos reconhecidos na dívida ativa, para terem uma redução do percentual de juros. Em outras renegociações foram entregues empresas para serem federalizadas e depois vendidas. Os melhores ativos foram privatizados. Há casos como o da Cedae do Rio, vendida recentemente, em que o Tesouro deu garantia para um empréstimo até a privatização da empresa. Foi vendida, o governo do Rio não honrou a operação financeira e a conta caiu sobre o Tesouro. O problema da transferência de recebíveis da dívida ativa é que, muitas vezes, não têm qualquer liquidez.

É preciso virar esta página, sem dúvida, mas saber em que condições. Os estados menores e menos endividados querem ser compensados com a mesma concessão que o governo federal fará aos entes devedores. O senador Rodrigo Pacheco disse que nem tudo será aprovado pela Fazenda. É bom que cada ponto seja negociado para que o país enfrente o problema, no entanto, não pode ser a causa de mais desequilíbrios na federação.

Na Câmara, a discussão e a votação da regulamentação da Reforma Tributária atravessou o dia de ontem. Há enormes ganhos. Mas há também grandes derrotas. Durante a negociação, a luta era contra o absurdo de o carvão não pagar o Imposto Seletivo, apesar de ser a mais poluente das fontes de energia. E também para não chancelar outra insensatez que é deixar armas e munições fora desse tributo. O Imposto Seletivo, como se sabe, foi pensado para ser cobrado de produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente. No final da noite, o carvão acabou sendo incluído no Imposto Seletivo, mas as armas não. A economia tem muitas tarefas, a maior delas sempre será vencer os inúmeros lobbies do Brasil.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A arma de fogo é útil pra quê?