sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Ricardo José de Azevedo Marinho - Por um financiamento sustentável para o ensino superior

Para além da questão de como resolver a questão do contingenciamento orçamentário, que permanece desconfortavelmente em aberto, a questão subjacente do financiamento do ensino superior (ES) permanecerá presente na agenda estratégica do país. Com efeito, trata-se de descobrir como podemos garantir – com uma perspectiva futura – um financiamento sustentável para a nossa vida universitária.

Atualmente, a taxa bruta de participação brasileira no ensino superior é uma das mais altas do mundo. Nossos percentuais estão colados a média da praticada pelos países da OCDE. Ou seja, o acesso à vida universitária tornou-se acessível, gerando reações entre aqueles que preferem concebê-lo tão somente como capital que pode produzir retorno ao mercado de trabalho. Tanto fontes estatais como não-estatais contribuem para este enorme esforço.

Qualquer futuro esquema de financiamento da vida universitária deve partir, portanto, do fato de já ter sido alcançado um elevado nível de investimento, especialmente considerando que a despesa nos níveis mais baixos (ensino infantil, pré-escolar e básico) é comparativamente baixa. O dilema histórico do cobertor curto segue seu curso.

Entretanto, não há espaço para estatizar sonhos. O Brasil atingiu um nível mais elevado de investimento exclusivamente em virtude de ter um sistema misto de provisão.

Esta característica mista está profundamente enraizada na economia política do sistema: permite mobilizar um grande volume de recursos; garante acesso; apoia uma rede institucional diversificada e plural; oferece programas diferenciados em três níveis (SISU, PROUNI e FIES). Garante uma cobertura territorialmente descentralizada e apoia uma comunidade científica altamente produtiva a nível comparativo regional.

Um tal esquema – custos mistos e partilhados – tem justificações poderosas. Primeiro, o Estado, pelo SISU, não tem condições de manter um ensino superior de acesso universal e de qualidade garantida. Em segundo lugar, para sustentar este padrão seria necessário aumentar continuamente o gasto na produção, transmissão e aplicação de conhecimento. Terceiro, o ES gera simultaneamente benefícios públicos e privados, o que justifica que tanto a sociedade como um todo (contribuintes) como os beneficiários individualmente, contribuam para cobrir os custos desta função pública crucial.

Na verdade, a sociedade se beneficia de diversas formas com um ensino superior com ampla cobertura e qualidade. Por exemplo, terá um maior número de profissionais encarregados de serviços essenciais, como saúde, educação escolar, segurança cidadã, judiciário, legislativo, comunicações, Concurso Público Nacional Unificado e outros. Da mesma forma, contará com uma plataforma de conhecimento técnico-científico em permanente renovação e pessoas especializadas para a sua gestão. Melhora a competitividade histórica empresarial e das organizações. E será incentivada a educação cidadã, fator decisivo para a deliberação informada de políticas públicas.

Para tal, os Estados e as sociedades democráticas protegem a autonomia das universidades, instituições que, por sua vez, devem garantir a liberdade acadêmica e o pluralismo deliberativo no seu interior. Nem cancelamentos, nem acampamentos, nem ocupações, nem perseguições ou universidades monitorizadas cabem no espaço cultural do ES. Quando ocorrem, colocam em risco o valor público do conhecimento.

Mas a ES também produz benefícios privados de natureza individual. O nível salarial e a rentabilidade do capital humano adquirido são a sua expressão imediata, mas não a única. Devem também ser considerados a socialização dos valores e da ética profissional, uma melhor compreensão do mundo e de si mesmo, a participação em redes de pares e não só, o cultivo de uma visão não puramente paroquial da contemporaneidade, um sentido de responsabilidade para com a natureza e o desenvolvimento do senso crítico.

A partir do momento em que reconhecemos a geração – pela economia social – de valor público e privado, individual e coletivo, a partilha de custos também é legitimada como critério norteador deste sistema. O Brasil possui um esquema poderoso que envolve diversas fontes estatais e privadas e dezenas de instrumentos para alocar recursos a instituições e estudantes.

A operação deste esquema misto apresenta resultados. A qualidade das nossas instituições de ensino superior melhorou. Nossa pesquisa acadêmica, apesar da escassez de recursos, apresenta nível positivo de produtividade e impacto. Além disso, uma parte substancial está orientada para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao mesmo tempo, nosso sistema ainda goza de saúde financeira e a proporção de matrículas encontradas em instituições com perfis de risco é baixa. Entretanto, isso já não se pode dizer do ensino infantil, do pré-escolar e de toda a educação básica.

Ainda assim, existem questões críticas que precisam ser abordadas. A falta de uma Política Nacional de Educação Superior associada a uma concepção do gratuito, combinada com a regulação do MEC e afins estaduais, cria pressões onerosas sobre as instituições e dificulta o seu desenvolvimento. O sistema de garantia de qualidade aumenta os custos das funções institucionais sem que sejam disponibilizados recursos para esse fim. Os gastos com P&D são muito baixos – um dos mais baixos entre os países da OCDE – intensificando a competição entre pesquisadores, disciplinas, núcleos e áreas de conhecimento.

Também o atual regime de créditos estudantis, dos quais o PROUNI e FIES são peças, já deveria ter sido modificado há muito tempo. É insustentável, mas segue funcionando devido à falta de clareza diagnóstica. É urgente desfazer este nó, incluindo o não pagamento e as dívidas acumuladas, e criar um esquema de crédito – ou outro de manutenção de custos – para estabelecermos uma política de financiamento sustentável para o ensino superior.

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