Valor Econômico
Exemplos são a acirrada campanha pela Prefeitura de São Paulo e a nova crise institucional em Brasília
Esses dois substantivos aparecem em um dos
trechos mais famosos da tragédia “Macbeth”, de William Shakespeare, publicada
no século XVII; formam o título de uma das obras-primas de William Faulkner no
século XX; e, agora, dão o tom da política nacional.
“A vida é uma história contada por um tolo,
cheia de som e fúria, que nada quer dizer”, constata um amargurado rei Macbeth,
ao ser informado da morte de Lady Macbeth. Mas se o atormentado monarca se
deparasse, de repente, com a nossa realidade, poderia afirmar: “A política
brasileira é cheia de som e fúria, que nada quer dizer”.
E por que as tragédias de Shakespeare (“Macbeth”) e Faulkner (“O som e a fúria”) dialogam com o cenário brasileiro em plena campanha municipal, tumultuada pela suspensão do pagamento das emendas parlamentares? (Lembre-se que as emendas são um instrumento estratégico de deputados e senadores na relação com os prefeitos).
Pois esse paralelo é possível tomando-se,
como exemplo, a acirrada campanha pela Prefeitura de São Paulo e a nova crise
institucional em Brasília. A campanha e a crise dialogam com a ficção porque
têm em comum o “som” estridente da disputa pelo controle do orçamento público,
e a “fúria” predatória dos candidatos na briga pelo comando da capital
paulista.
Em retrospecto, a coluna passa a relacionar,
abaixo, fatos das últimas semanas que ilustram como princípios que deveriam
pautar a política, como transparência dos gastos públicos, respeito ao
adversário e ao eleitor, parecem coisa do passado, enquanto som (alto) e fúria
dominam o ambiente.
Cena 1: 21 de agosto -
Em vídeo divulgado nas redes sociais, o candidato a prefeito de São Paulo,
Pablo Marçal (PRTB), usou um recado para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
para disparar palavras de baixo calão (“banana”, “vagabundo”) contra seus
adversários. Termos que, a rigor, não deveriam constar do vocabulário político.
“O povo de São Paulo não vai prestar continência nem pro vagabundo do [deputado
Guilherme] Boulos, nem pro banana do [prefeito Ricardo] Nunes”, xingou, ao
afirmar que não desistirá da candidatura. “Não vou me [sic] retroceder”,
concluiu, em um português claramente duvidoso.
Cena 2: 8 de agosto -
No debate promovido pela Band/Portal UOL, Pablo Marçal chamou a adversária, a
deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), de “adolescente”, que “precisa
amadurecer um pouco”. Não satisfeito, insultou a parcela do público que
defendeu a candidata: “Torcida kids, parachoque de comunista”. A “adolescente”
a que ele se refere é uma mulher de 30 anos, admirada pela sua trajetória,
iniciada em escolas públicas da periferia paulistana até a graduação em
ciências sociais e astrofísica na prestigiada Universidade de Harvard.
Cena 3: 20 de agosto -
No almoço realizado no Supremo Tribunal Federal (STF), que reuniu os chefes dos
três Poderes, os 11 ministros da Corte e dois ministros de Estado, em busca de
um entendimento por regras objetivas e transparentes para a liberação de emendas,
houve momentos de tensão. Em um deles, o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), subiu o tom em resposta ao ministro da Casa Civil, Rui
Costa, que citou exemplos de mau emprego dos recursos públicos. Lira retrucou
alegando que ministros da gestão Lula seguiriam as mesmas práticas, e disse não
fazer questão de ser simpático: “Eu sei que não gostam do meu estilo direto, e
eu não me importo com estereótipo de ser ríspido, eu sou assim", desafiou.
A nova crise entre os Poderes foi deflagrada
por decisões do ministro do STF Flávio Dino que suspenderam a liberação das
emendas, até que novas regras garantindo transparência e clareza dos gastos
sejam instituídas. A principal polêmica envolve as chamadas “emendas Pix”, uma
verba de R$ 8 bilhões, pela qual um ministério transfere recursos milionários
diretamente para o caixa de uma prefeitura ou de governo estadual, sem
identificação do autor da emenda, sem uma destinação específica para os
valores, e sem que o gestor tenha de prestar contas.
Na esfera paulista, o comportamento de Marçal
evoca o Jair Bolsonaro em seu auge na campanha de 2018, quando prometeu
“fuzilar a petralhada”, e entre outras provocações, arrebatou o eleitorado com
o estilo antissistema.
Embora Bolsonaro apoie a reeleição do
prefeito Ricardo Nunes (MDB), Marçal cresce sem parar nas pesquisas entre
eleitores do ex-presidente. Mostra, com isso, que o perfil de político em fúria
contra tudo e contra todos continua atraindo votos, e não é mais monopólio de
Bolsonaro.
Esse movimento pode ser contido? O presidente
nacional do PL, Valdemar Costa Neto, acredita que sim, e afirma que Marçal
começará a derreter em duas semanas. “Ele sai atacando todos, o eleitor se
cansa disso”, aposta.
Na campanha de Boulos, todavia, o sentimento
é de que Marçal pode chegar ao segundo turno. Nessa hipótese, aliados do
candidato do Psol veem no “coach” um adversário menos difícil, por não ter com
ele as máquinas do poder municipal e estadual, que dão lastro à campanha de
Nunes.
Voltando ao Bardo, se a vida é um conto de
som e fúria, narrado por um tolo que ninguém compreende, a vida real deve ser
som e silêncio, fúria e serenidade, onde o cidadão não seja o tolo, e a
política faça todo sentido.
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