Brasil não pode se calar ante abusos na Venezuela
O Globo
Relatório da ONU documenta mortes e prisões
ilegais após fraude eleitoral que manteve Maduro no poder
O relatório do Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas sobre a Venezuela divulgado
na semana passada expõe mais uma vez a tibieza do Itamaraty e do Palácio do
Planalto diante da ditadura de Nicolás
Maduro. As violações sistemáticas de direitos humanos relatadas no
documento mostram que não dá mais para o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e seu assessor internacional Celso Amorim insistirem
na tática de apaziguamento, tentando mediar uma saída negociada para a crise
desencadeada pela fraude eleitoral cometida por Maduro para ficar no poder.
Já ficou claríssimo que Maduro não quer
negociar nada e não tem nenhum tipo de inibição quando se trata de sufocar seus
inimigos políticos. Qualquer tolerância com seu regime deve ser interpretada
como anuência às violações relatadas nas 161 páginas do relatório. São casos de
prisão de adversários sem ordem judicial, torturas, violência sexual,
desaparecimentos depois de detenção — conjunto de crimes enquadrado na
legislação internacional de defesa dos direitos humanos.
O trabalho da missão das Nações Unidas cobriu o período de 1º de setembro de 2023 a 31 de agosto deste ano. “Assim que foram anunciados os resultados das eleições, as autoridades lançaram uma campanha sem precedentes de detenções indiscriminadas e em massa”, diz o relatório. A ação da polícia venezuelana procurou atingir filiados a partidos ou gente próxima a líderes da oposição, em especial a María Corina Machado.
De acordo com as próprias autoridades, o
total de prisões chegou a milhares. A missão documentou 143 em detalhes, 121
delas por atividades políticas de oposição a Maduro. Na maioria dos casos,
afirma o relatório, as detenções foram feitas sem mandado judicial, por agentes
em roupas civis, sem identificação, conduzidos por veículos sem placa onde os
presos eram jogados. No período pós-eleitoral, as autoridades prenderam,
segundo o relatório, 158 crianças. Pelo menos 25 pessoas foram mortas, quase
todas a tiro. “Em pelo menos oito dos incidentes fatais, membros das forças de
segurança do Estado, assim como civis simpáticos ao governo, usaram armas de
fogo nos protestos”, diz o documento.
Um exemplo, entre tantos, revela como a
Venezuela se transformou em Estado policial. María Adreina Camacho,
coordenadora nacional do comitê de campanha do candidato oposicionista Edmundo
González — vencedor nas urnas, mas hoje exilado na Espanha —, postou um vídeo
às 18h30 de 6 de agosto avisando que o governo começava a pôr em marcha a
Operação Tun Tun (referência ao barulho da polícia batendo na porta). Às 21h um
grupo de policiais, incluindo uma mulher, foi à casa de Camacho prendê-la.
Passaram-se quase dois dias sem informação de seu paradeiro. Num vídeo
publicado pelas autoridades, ela aparecia algemada num pequeno avião. A família
deduziu que era levada para Caracas e conseguiu localizá-la em El Helicoide,
centro comercial abandonado transformado em penitenciária por Maduro.
Com o Judiciário aparelhado pelo chavismo,
são inúteis os pedidos de habeas corpus. Em vez de defender os cidadãos, a
Procuradoria-Geral denuncia os presos políticos às “Cortes de Terrorismo”. O
relatório obriga a diplomacia brasileira a romper o silêncio e a denunciar a
ditadura de Maduro em defesa dos direitos humanos.
Queda no trabalho infantil é positiva, mas
ainda insuficiente
O Globo
Em 2023, havia no país 1,6 milhão de crianças
e adolescentes trabalhando, mais de 580 mil em atividades de risco
Dados do IBGE divulgados
na última sexta-feira mostram que, em 2023, o trabalho infantil no Brasil caiu
ao menor nível da série histórica, iniciada em 2016: 1,6 milhão de crianças e
adolescentes trabalhavam, 14,6% a menos que em 2022. Por mais que a notícia
seja positiva, a melhora deve ser vista com cautela. Esse contingente
expressivo supera a população de capitais como Recife (PE), Goiânia (GO), Belém
(PA), Porto Alegre (RS) ou São Luís (MA).
A legislação proíbe qualquer forma de
trabalho para crianças e adolescentes com até 13 anos. Entre 14 e 15, é
permitido exercer atividades apenas na condição de jovem aprendiz, com limite
semanal de 30 horas (para quem tem ensino fundamental incompleto) ou 40 horas
(ensino fundamental completo). A partir de 16 anos, o trabalho é autorizado com
restrições: é preciso ter carteira assinada, são vedadas atividades perigosas e
em horário noturno. Nas ruas das cidades brasileiras, é fácil perceber que a
realidade é outra. Não são incomuns crianças vendendo balas e doces ou lavando
para-brisas para ganhar algum dinheiro.
Não só os números gerais preocupam. Pelo
menos 586 mil menores — mais de um terço do total — trabalhavam em atividades
que oferecem riscos à saúde e à integridade física, como minas de carvão,
operação de máquinas, manuseio de produtos químicos, extração de minério ou
construção civil. Esse tipo de trabalho atrai principalmente os mais jovens, na
faixa de 5 a 13 anos. É verdade que, também nesse caso, a prática tem caído (em
2022, eram 756 mil). Mas o quadro continua desafiador.
Num retrato dramático, o levantamento Pnad
Contínua Trabalho de Crianças e Adolescentes mostra que a maioria desses
menores (65,2%) é preta ou parda, parcela que supera a representação na
população brasileira de 5 a 17 anos (59,3%). O perfil traçado pelo IBGE revela
ainda que os meninos trabalham mais — são 63,8%. A Região Norte concentra o
maior percentual, 6,9% em relação à população de 5 a 17 anos. Em seguida,
aparecem Centro-Oeste (4,6%), Nordeste (4,5%), Sul (3,8%) e Sudeste (3,3%).
É inegável o impacto do trabalho infantil na
educação. Enquanto 97,5% da população na faixa de 5 a 17 anos frequenta a
escola, entre crianças e adolescentes que trabalham fora das situações
permitidas por lei a fatia cai para 88,4%. A constatação acende um alerta: as
políticas públicas para manter os menores em sala de aula não têm sido
suficientes. A frequência escolar é uma exigência para o pagamento do Bolsa
Família, programa que é o carro-chefe da área social do governo. Mas é provável
que a fiscalização não seja eficaz. Famílias de baixa renda também costumam
rejeitar escolas de tempo integral para que os filhos possam trabalhar.
Se a queda na quantidade de crianças e
adolescentes trabalhando mostra que algumas políticas públicas surtem efeito, o
país ainda está longe de erradicar o trabalho infantil. É preciso um esforço
maior das autoridades para manter esse contingente em sala de aula, onde todas
as crianças deveriam estar.
Ou a esquerda se atualiza ou será diluída
Folha de S. Paulo
Partidos no espectro ideológico de Lula, com
mau desempenho na eleição, ainda abraçam gastança e corporativismo estatal
Num passe de mágica, o candidato do PSOL à
Prefeitura de São Paulo, Guilherme
Boulos, converteu-se ao empreendedorismo neste segundo turno.
Promete liberar motoristas de aplicativos do rodízio de veículos, flexibilizar
propaganda nos táxis e facilitar o crédito para pequenos negócios. Disse que
não elevará impostos caso eleito.
Também de chofre, e logo após o primeiro
turno, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
publicou um chamado à reflexão sobre "uma mudança substancial no mundo do
trabalho". Conclamou seu partido, fundado sobre uma base hoje reduzida de
profissionais com carteira assinada, a acompanhar essa transformação.
O movimento pode ser tachado de oportunista,
eleitoreiro e contraditório com teses da esquerda encarnada por Boulos e Lula,
mas é melhor recebê-lo com otimismo cauteloso. Ele sugere uma incipiente
tentativa de aprendizado diante do risco, concreto, de essa corrente continuar
perdendo competitividade nas urnas.
Cinco partidos associados à esquerda —PT,
PSB, PDT, PC do B e PSOL— não terão
obtido mais que 13% das prefeituras neste ano. Chegaram a vencer em
25% delas em 2012, no auge de seu poderio. Não será surpresa se um fiasco
semelhante ocorrer nas eleições estaduais
e federal de 2026.
A esquerda no Brasil se desconectou das
aspirações e convicções de parcelas vultosas e crescentes do eleitorado
nacional.
Ela continua a acreditar em que o
desenvolvimento econômico é uma dádiva concedida pelo Estado aos cidadãos. Essa
visão incorreta e paternalista passou nos últimos tempos a incorporar
abordagens preconceituosas contra quem não partilha dos valores assim chamados
progressistas.
A frente liderada por Lula, ligada ao
corporativismo das carreiras estatais, não enxerga a teia infernal de
obstáculos em que a burocracia enreda o cidadão que deseja tocar um negócio ou
simplesmente ser bem atendido pelo governo. Qualidade e eficiência do serviço
lhe são secundárias.
A aversão ao lucro, encarado como pecado
medieval, convive na esquerda carcomida com o mais desabrido voluntarismo
quando se trata de consumir o dinheiro dos impostos. A gastança
sem lastro empobrece a sociedade, alimenta a inflação e o rentismo do juro alto e
acaba reduzindo a capacidade do governo de sustentar programas sociais.
Na política externa, o esquerdismo segue a
cartilha de criticar governos de adversários ideológicos, mesmo que sejam
democráticos, e aliviar as barbaridades cometidas por ditadores amigos. Nicolás
Maduro que o diga.
O conjunto da obra esquerdista deixou de
encantar carradas de eleitores no Brasil e em outras democracias mundiais. O
trabalhismo inglês, espécie de arquétipo do PT, teve de se reformar e atualizar
para voltar ao governo.
A expectativa é que a pressão do eleitorado
brasileiro ajude a transformar a esquerda também por aqui. Quem não entender a
lição corre o risco de ser diluído.
Caso Enel demanda boa regulação, não
voluntarismo
Folha de S. Paulo
Renovação de contratos é chance para adaptar
sistema a eventos climáticos; deve-se fortalecer a Aneel e rever subsídios
A disputa política sobre o apagão que atingiu
3,1 milhões de pessoas em São Paulo é
educativa, por trazer à tona problemas na regulação e no planejamento do setor
elétrico.
Não se trata de questão localizada, nem há
soluções simples para o tema tecnicamente complexo. Mas urge uma revisão ampla
diante do acúmulo de ineficiências e distorções, além dos custos elevados ao
consumidor.
No caso das distribuidoras, o principal
problema envolve a resposta para impactos de eventos climáticos sobre a rede
elétrica. Devem-se mobilizar mais recursos para modernizar a rede, sem
encarecer ainda mais a tarifa.
Os contratos de concessão atuais —a maioria
do final dos anos 1990— estipulam parâmetros para medir a qualidade de serviço,
como frequência e duração das interrupções no fornecimento, mas excluem eventos
extremos.
Quanto à concessionária Enel,
pelo visto não houve descumprimento de indicadores, embora tudo aponte para incompetência
na elaboração e operação do plano de contingência acordado com
a agência reguladora do setor, a Aneel, a qual cabe finalizar apurações e
aplicar as sanções.
A exigência de mais aprimoramentos na rede e
na prevenção contra crises deve se dar na renovação dos contratos, boa parte
dos quais vencerá até 2030. O Ministério de Minas e Energia sinaliza para
renovação antecipada não onerosa, em troca de mais investimentos e do
endurecimento geral das cláusulas de controle de qualidade.
O desafio, como sempre, será balancear sem
populismo a boa prestação do serviço, a rentabilidade da operação e a
modicidade tarifária. Tal empreitada vai além da distribuição e deve incorporar
uma ampla revisão do planejamento do setor.
Na geração, a forte expansão da energia solar é
bem vinda, mas sua intermitência traz desafios para a gestão do sistema, que
precisa contar com outras fontes, como térmica e hidrelétrica, em bases
flexíveis.
Os aportes precisam abarcar desde mais
geração e reserva de capacidade nos horários necessários até melhoria da rede
de distribuição. O custo, por óbvio, será repassado à tarifa. Por isso, é
fundamental revisar os diversos subsídios e programas que já oneram em demasia
o consumidor.
Tudo isso demanda coordenação. Embora a iniciativa dependa do ministério, é essencial fortalecer a governança da Aneel, hoje prejudicada por orçamento precário, cargos não preenchidos e risco de captura política, sem falar na notória hostilidade do PT à autonomia das agências.
Lula ignora a classe média
O Estado de S. Paulo
No mundo binário do presidente, a classe
média tradicional não passa de uma burguesia ignorante, o avesso do Estado que
ele e o PT representam. E, assim, nada têm a lhe oferecer
Quem não se deixa enganar facilmente pelos
alquimistas do Palácio do Planalto e do PT sabe que há praticamente dois
universos na cabeça do presidente Lula da Silva: os pobres e miseráveis, de um
lado, e os ricos e bilionários, de outro. No mundo binário do presidente, que
costuma dividir o mundo entre o Bem e o Mal, os pobres foram anexados à classe
média, e os ricos costumam fazer parte das maquinações conspiratórias para
apear a esquerda do poder. Com efeito, o lulopetismo é incapaz de enxergar as
aspirações, necessidades e demandas mais atualizadas da classe média – não
aquela que, nos primeiros mandatos petistas, se convencionou chamar de “nova
classe média”, a classe C impulsionada pelos programas de transferência de
renda. A classe média de que se trata aqui é a tradicional, mais afortunada,
mais próxima dos padrões internacionais que habitam o imaginário de muitos, e
hoje mais empobrecida, endividada e carente de políticas públicas que a ajudem
a se recuperar dos danos deixados por longos períodos de crescimento econômico
pífio ou recessão.
A essa classe média, governos lulopetistas só
parecem destinar medidas populistas, como a recente proposta de ampliar a faixa
de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil ou a fartura de linhas de
crédito, como no segundo mandato de Lula. Já que dinheiro é algo escasso no
Brasil, sobra muito pouco para o aceno a essa classe média. E o mais grave: há
dificuldade histórica da esquerda brasileira de lidar com ela. Faixas de renda
costumam separar as classes sociais do País, mas há também elementos subjetivos
que a classificam. Em outras palavras, classe média é um estado de espírito, um
jeito de ser, agir e enxergar o mundo. Uma vocação natural para querer fazer
mais com as próprias mãos e dar asas ao desejo natural de “subir na vida”. Isso
requer mais dinheiro, sem dúvida fundamental, mas também um Estado que
interfira menos em suas vidas – mais liberdade, menos burocracia, melhores
condições para empreender e crescer. Por fim, o melhor uso dos recursos
públicos, isto é, um uso racional, eficiente e equilibrado, capaz de manter as
coisas em ordem e oferecer bons serviços públicos.
Tudo isso representa o oposto do modelo de
Estado personificado por Lula da Silva. Antes fosse uma sutil dificuldade de
compreender a classe média e buscar soluções compatíveis com seus anseios. Como
se trata do lulopetismo, o problema é mais profundo: constatam-se não só
desconhecimento e desatualização (há morubixabas petistas, mal saídos da
Revolução Industrial e do virtuoso mundo do sindicalismo do século 20, que
ainda dividem o País entre burguesia e proletariado), mas a própria negação
violenta da legitimidade da classe média. Recorde-se a célebre aula da filósofa
Marilena Chauí, que num debate sobre os dez anos de governo lulopetista
admitiu, com desabrida sinceridade: “Eu odeio a classe média. (...) A classe
média é o atraso de vida. (...) É uma abominação política, porque é fascista,
uma abominação ética, porque é violenta, e ela é uma abominação cognitiva,
porque é ignorante”. Trata-se, como se sabe, de uma das principais intelectuais
ligadas ao PT.
Os anos se passaram, e o PT e a esquerda não
aprenderam, como demonstram as eleições municipais de 2024. Seguem difundindo a
ideia de ricos contra pobres, nada realista diante das mudanças das últimas
décadas, e ignorando as diferentes camadas de classes médias – dos seus
estratos mais populares até os, vá lá, mais “burgueses”. Nuances que se
espalham pelas cidades cada vez mais adensadas do interior e cada vez mais
múltiplas em metrópoles como São Paulo. O complexo de superioridade ainda
prevalece ao olhar para uma classe média que deseja virar “burguesia”, para um
segmento evangélico com desejo de prosperidade e mesmo para os mais pobres que
passaram a votar na direita – aqueles que o sociólogo Jessé Souza, outro
porta-voz da esquerda, chama esnobemente de “idiotas” e “imbecis”. E assim, sem
entender o mundo ao redor e restringindo-se ao universo paralelo dos
preconceitos e estereótipos, Lula e o PT ignoram uma parcela significativa do
Brasil que não tem “consciência de classe” nem quer ter.
Uma emancipação capciosa
O Estado de S. Paulo
Sob o argumento de reduzir os aportes do
Tesouro nas ‘estatais dependentes’, governo propõe ‘emancipá-las’, mas pode
estar apenas abrindo espaço para driblar o arcabouço fiscal
O governo Lula da Silva enviou ao Congresso
dois projetos que alteram regras de contabilização de empresas públicas. Pela
proposta, estatais que dependem de recursos do Tesouro, como Telebras e
Codevasf, poderão ser transferidas dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social
(OFSS), em que ficam os gastos submetidos aos limites fiscais, para o Orçamento
de Investimento, no qual estão as empresas financeiramente independentes, como
a Petrobras.
Trata-se de uma medida que, à primeira vista,
emana um ar de esperteza fiscal por facilitar uma filtragem de gastos no
Orçamento federal. Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumente que
o objetivo é o de explorar a possibilidade de reduzir o aporte federal em
estatais “que têm condição de se emancipar, por assim dizer, do Orçamento”, a
medida gera desconfiança porque, como disseram especialistas ouvidos pelo Estadão,
a fiscalização dos gastos dessas empresas tende a ficar mais frouxa.
Cerca de 95% dos R$ 39 bilhões de custos
previstos este ano com as 17 estatais dependentes virão do erário. Se a
arrecadação própria dessas empresas é mínima e se elas têm de ser mantidas com
o dinheiro do contribuinte, parece irrazoável que sejam tratadas como empresas
que não necessitam de recursos públicos para operar. A ideia do governo é que a
pequena parcela da receita produzida por essas estatais fique no caixa da
própria empresa, em vez de integrar o caixa da União, como é hoje, o que as
liberaria para bancar gastos um pouco além dos limites do arcabouço.
O argumento – que parece frágil diante das
necessidades atuais dessas empresas – é o de promover uma transição para uma
situação de independência. Há quem considere que o desenho foi feito sob medida
para a Telebras, que passou ao rol das dependentes em 2020 e está com
dificuldades de pagar fornecedores. Mesmo assim, a ideia de passar as estatais
dependentes para a rubrica de investimento parece estar mais de acordo com a
ladainha de Lula da Silva segundo a qual gasto público é “investimento”.
Como mostrou reportagem recente do Estadão,
a manobra carrega o potencial de abrir espaço orçamentário para novos gastos.
Mesmo que não seja um volume significativo, segundo especialistas, isso
configuraria um drible no arcabouço fiscal. Os aportes do Tesouro continuarão
contabilizados no Orçamento, mas os gastos viabilizados com receita própria
ficarão fora do controle.
A desconfiança com as consequências aumenta
quando a medida é confrontada com outros sinais emitidos pelo governo como, por
exemplo, o descumprimento de regras que preveem a extinção de cargos da
Telebras. Em vez de reduzir de 56 para 31 os cargos comissionados da empresa
até julho deste ano, o governo deu mais cargos à estatal, responsável pela
política de inclusão digital, além de retirá-la da lista de privatizações. Como
agravante, há ainda as indicações de parentes e apadrinhados de integrantes do
governo, seguindo a mesma linha adotada pela Codevasf. Responsável pelas obras
no Vale do São Francisco, a empresa é outra das dependentes e ficou conhecida
como “a estatal do Centrão”.
A “transição para a independência” proposta
pelo governo ocorreria com o uso do contrato de gestão, um dispositivo previsto
na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição. Trata-se de um
instrumento firmado entre órgãos da administração direta e indireta e o poder
público usado para fixar metas de desempenho. Originalmente, o objetivo é
aumentar a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas. Usá-lo para
“emancipar” estatais dependentes é um risco ou, como explicou a presidente da
Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União,
Lucieni Pereira, uma irresponsabilidade.
A privatização, como estava previsto para
algumas dessas empresas, seria um mecanismo mais transparente, rápido e
definitivo para retirá-las do Orçamento. Mas uma das primeiras medidas
anunciadas por Lula da Silva em seu terceiro mandato foi retirar dez estatais
dos programas de desestatização e de parcerias, entre elas as “dependentes”
Telebras, Conab, EBC, Nuclep e Ceitec.
A democracia do Foro de SP
O Estado de S. Paulo
O PT de Lula, aquele que diz defender a
democracia, assina nota que aplaude a ‘vitória’ de Maduro
Ninguém pode acusar a companheirada
latino-americana de incoerência. Reunido na Cidade do México, um grupo de
trabalho do Foro de São Paulo reconheceu a “vitória” do ditador Nicolás Maduro
nas eleições presidenciais venezuelanas – que foram flagrantemente fraudadas
pelo regime chavista, conforme atestaram as mais diversas e insuspeitas
organizações internacionais. O PT, partido do presidente Lula da Silva, aquele
que liderou uma autointitulada “frente ampla pela democracia” nas eleições
presidenciais de 2022, subscreve o obsceno comunicado, que cospe na cara de
todos e de cada um dos democratas que, arriscando a própria vida e a liberdade
pessoal, enfrentam o déspota venezuelano.
Para o PT e seus associados, é um
“imperativo” exigir que se “respeite a institucionalidade democrática da
Venezuela e a autodeterminação do povo venezuelano com relação aos resultados
eleitorais que deram a vitória ao presidente Maduro”. Do contrário, segue o
raciocínio, triunfará a extrema direita, que, segundo esses valentes
humanistas, está se organizando em todo o mundo para “influenciar a política e
os destinos dos povos a partir do ponto de vista dos interesses do capital
financeiro internacional e transnacional, ao custo da vida das pessoas, da
humanidade e do planeta”. Ou seja, reconhecer a vitória de Maduro equivale a
salvar o mundo.
Ao que tudo indica, pouco importa a fuga em
massa dos venezuelanos desesperados em razão da deterioração econômica causada
pela ditadura e também daqueles que buscam escapar das garras do regime, que
prende e tortura seus adversários de maneira generalizada, conforme constataram
investigadores da ONU.
O que interessa, segundo se lê no comunicado
do Foro de São Paulo, é defender a “soberania” dos países latino-americanos
contra o “imperialismo estadunidense”, cuja prioridade é “frear a influência de
China e Rússia na América Latina e no Caribe, região por eles considerada seu
‘quintal’, em sua busca por fontes de recursos naturais e de mercados”. Se
milhares morrerem ou perderem seus direitos políticos no caminho, esse é o
preço a pagar para a realização da utopia marxista.
Pode-se dizer que nada disso surpreende, é
claro. O Foro de São Paulo foi criado por iniciativa de Lula e de Fidel Castro,
o que basta para conhecer sua índole. Nada do que ali seja produzido terá
utilidade ou importância para o debate público. Mas é dever de uma democracia
genuína, como a brasileira, reagir quando o partido do presidente da República
esposa ideias tão antidemocráticas como as que o Foro expressa, sobretudo
diante do sofrimento do povo venezuelano.
A julgar pelo contorcionismo retórico do chanceler de facto, Celso Amorim, para impedir o Brasil de se juntar aos países civilizados na condenação de Maduro, o governo Lula, no fundo, parece concordar com os companheiros do Foro de SP. E mesmo depois que foi seguidamente desrespeitado pelo governo de Maduro, sendo acusado inclusive de ter sido “recrutado pela CIA”, Lula continua obsequiosamente silente.
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