Valor Econômico
Política monetária mais austera dificilmente será bem-sucedida em coordenar expectativas de inflação sem ajuda da política fiscal
Os analistas econômicos, de forma geral,
preveem que o Banco Central vá começar a cortar os juros em janeiro ou, no mais
tardar, em março. Mas o trabalho não está completo: as expectativas de inflação
estão acima da meta.
Seria o caso de cortar os juros mesmo com as expectativas desancoradas? Em 2023, o BC iniciou um ciclo de distensão nessas condições e, depois, teve que reverter. O Brasil se beneficiou de dois períodos de juros e inflação baixos quando o BC domou as expectativas, nas gestões Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn. Mas só foram bem-sucedidos porque tiveram a ajuda da política fiscal.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central vem preparando o terreno, já há algumas reuniões, para, em algum
momento ainda incerto no futuro, começar a cortar a Selic, que hoje se encontra
em 15% ao ano. Um passo importante na comunicação, pouco notado, foi a exclusão
de um trecho da ata do Copom, em novembro, que fazia uma amarração entre a
estratégia de juros altos por bastante tempo e as expectativas de inflação.
Até setembro, o Copom dizia, na parte da ata
que discute as decisões sobre juros, que “para assegurar a convergência da
inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas, exige-se uma política
monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante
prolongado”. Na cabeça de parte dos analistas do mercado, isso funcionava como
uma espécie de trava para baixar o juro. Ela foi eliminada em novembro, com a
exclusão desse trecho da ata.
De certa forma, o vínculo direto que alguns
participantes do mercado faziam entre definição da Selic e expectativas de
inflação era incorreto. O Banco Central deve perseguir a meta de inflação, não
as expectativas. As expectativas são importantes porque influenciam a inflação
e, quanto mais altas, mais difícil cumprir a meta. Mas, se o BC mirar as
expectativas, a inflação em si poderá ficar abaixo da meta oficial, de 3%.
É verdade que, em boa parte do caminho, esses
objetivos não são conflitantes. A postura mais dura do Banco Central foi capaz
de fazer as expectativas de inflação caírem de 4% para 3,8%, para o ano de
2027; e de 3,8% para 3,5%, para 2028 e 2029. Esse processo de queda das
expectativas, porém, se interrompeu a partir do início de novembro.
Quanto dessa estagnação é culpa do Banco
Central? É difícil argumentar que o BC não está fazendo seu trabalho, com juros
em 15% ao ano. A mensagem do Copom nas últimas semanas surpreendeu mais pelo
lado conservador. Uma parte relevante dos analistas esperava que o ciclo de
cortes na Selic se iniciasse em dezembro. O BC também conteve parcialmente as
apostas em queda em janeiro, primeiro com declarações de seu presidente,
Gabriel Galípolo, e mais recentemente com o comunicado do Copom da semana
passada, que deixou em aberto o seu próximo passo.
A política monetária mais austera, porém,
dificilmente será bem-sucedida em coordenar as expectativas de inflação sem a
ajuda da política fiscal.
Num video divulgado pelo BC neste ano com
Galípolo e Ilan, que marca os 60 anos da instituição, eles discutem a
importância de segurar a queda de juros para domar as expectativas e, com isso,
quebrar a espinha dorsal da inflação. Mas um exame mais detalhado do que
aconteceu em 2016, quando Ilan presidia o BC, mostra a importância da mudança
dos ventos fiscais.
No início daquele ano, o BC ainda era
presidido por Alexandre Tombini, que elevou a Selic a 14,25% ao ano, em meio a
uma recessão profunda. Ainda assim, as expectativas de inflação de longo prazo
estavam em 5%, acima da meta então vigente, de 4,5%.
A queda das expectativas mais longas para a
meta ocorreu já a partir de maio, antes de Ilan assumir, quando ficou claro que
ocorreria o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que abriria o caminho
para um ajuste fiscal, ainda que incompleto. As expectativas de prazo mais
curto caíram quando Ilan decidiu não adotar uma meta ajustada de inflação, em
julho, e depois de ele adiar o corte de juros por seis meses.
Isso não quer dizer que, na situação atual, o
BC não tivesse nenhuma culpa pela desancoragem. Havia ceticismo sobre se o BC
sob o comando de Galípolo seria austero o suficiente. De lá para cá, essa
dúvida foi se dissipando. Mas sobrou a questão fiscal.
Um recente trabalho para discussão de
economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que um aperto fiscal
de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em países emergentes leva, em média, a uma
redução das expectativas de inflação dois anos à frente de 0,2 ponto
percentual. O efeito é bem mais forte, porém, quando o risco fiscal é maior,
mostra o estudo, que tem o título “The Impact of Fiscal Policy on Inflation Expectations”,
que em tradução livre significa “O impacto da política fiscal nas expectativas
de inflação”.
O Copom não pode fazer, diretamente, nada
sobre a política fiscal do governo. Mas, como discute a literatura econômica
citada no estudo do FMI, a postura austera na política monetária - com a
promessa de reagir - serve para dissuadir expansões fiscais. E, mesmo quando
começar a cortar a Selic, as promessas são de que os juros devem seguir bem
restritivos, num esforço extra para fazer a inflação caminhar para a meta.

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