O Globo
Políticas sociais bem-intencionadas podem,
sim, causar desastres. É o caso da redução da jornada de trabalho
O salário mínimo sobe para R$ 1.621 a partir
de janeiro próximo. Pode-se dizer que esse valor é inconstitucional. Cabe
alguma ação junto ao STF para
obrigar os empregadores brasileiros, inclusive o governo, a pagar um mínimo de
R$ 7.067,18.
Está na Constituição, artigo 7º, inciso IV,
que todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
Família-padrão é o casal com dois filhos. E está na cara que os R$ 1.621 não atendem àquelas necessidades. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é a fonte do cálculo que fixa o mínimo naqueles R$ 7.067. O leitor pode perguntar: como é que ninguém teve a ideia de apelar ao STF?
Muitos já tiveram essa ideia. Não funcionou.
A Corte rejeita todos os pedidos para que o valor do mínimo seja fixado pelo
Judiciário, mesmo quando entende que o valor oficial não atende às necessidades
listadas na Constituição. Para o Supremo, o mínimo deve ser definido em lei,
sendo, portanto, atribuição política do governo e do Congresso. E, no exercício
dessa política pública, considera-se que a norma constitucional é limitada.
Limitada a quê? Obviamente, à realidade da economia nacional.
Tem mais. Quando alguma entidade reivindica o
“mínimo constitucional” para servidores públicos, o STF considera outro limite,
o fiscal, a capacidade do governo de pagar mais. Faz sentido. Considerem as
prefeituras do interior, que não conseguem pagar nem o mínimo oficial de hoje.
Vai daí uma primeira conclusão: para os servidores que ganham o mínimo, o STF
coloca a limitação fiscal. Mas não quando se trata dos supersalários pagos à
elite do serviço público.
Suponhamos que o Congresso aprovasse o mínimo
do Dieese e que o governo impusesse a norma a todos os empregadores. Muitas
empresas não conseguiriam pagar. O custo de produção ou prestação do serviço
tornaria o negócio inviável. Resultado: desemprego em massa. E as empresas que
conseguissem repassar ao consumidor o mínimo de R$ 7 mil? Provocariam uma baita
inflação, tão elevada que levaria à desvalorização da moeda e, pois, do salário
real. O trabalhador ficaria na pior, ganhando nominalmente mais, porém comprando
até menos do que comprava antes do surto inflacionário. Quanto ao setor
público, basta lembrar que a atual regra de correção do mínimo, com ganho real,
tem provocado déficits seguidos nas contas públicas.
Eis aí: políticas sociais bem-intencionadas podem,
sim, causar desastres. É também o caso da redução da jornada de trabalho,
conforme várias propostas em tramitação no Congresso. A riqueza de um país vem
do capital e do trabalho. Aqui, a produção depende do número de horas
trabalhadas e da produtividade do trabalhador.
É muito baixa a produtividade do trabalhador
brasileiro. No essencial, trata-se de consequência da baixa qualidade do
ensino. Reduzir a jornada de trabalho por lei, sem levar em consideração a
realidade da economia e as diferenças entre as empresas, provocará efeitos
parecidos aos que surgiriam caso se adotasse um salário mínimo
“constitucional”.
As empresas que conseguissem contratar mais
trabalhadores teriam custo maior, repassado para o consumidor. Inflação. Se não
conseguirem contratar, produzirão menos. O negócio fica mais caro e, no limite,
inviabilizado. Desemprego. Finalmente, há o problema da automação: robôs
substituindo humanos.
Sim, sabemos que, na origem da era
industrial, os trabalhadores eram massacrados com 12 ou mais horas diárias. Mas
também sabemos que a evolução dos métodos de produção, as máquinas e a
tecnologia permitiram ganhos de produtividade e, pois, a redução progressiva
das jornadas. Nosso problema é que não criamos as boas escolas e perdemos o
bonde da produtividade. Uma lei não resolve isso.

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