segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Que tal um salário mínimo de R$ 7 mil? Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Políticas sociais bem-intencionadas podem, sim, causar desastres. É o caso da redução da jornada de trabalho

O salário mínimo sobe para R$ 1.621 a partir de janeiro próximo. Pode-se dizer que esse valor é inconstitucional. Cabe alguma ação junto ao STF para obrigar os empregadores brasileiros, inclusive o governo, a pagar um mínimo de R$ 7.067,18.

Está na Constituição, artigo 7º, inciso IV, que todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Família-padrão é o casal com dois filhos. E está na cara que os R$ 1.621 não atendem àquelas necessidades. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é a fonte do cálculo que fixa o mínimo naqueles R$ 7.067. O leitor pode perguntar: como é que ninguém teve a ideia de apelar ao STF?

Muitos já tiveram essa ideia. Não funcionou. A Corte rejeita todos os pedidos para que o valor do mínimo seja fixado pelo Judiciário, mesmo quando entende que o valor oficial não atende às necessidades listadas na Constituição. Para o Supremo, o mínimo deve ser definido em lei, sendo, portanto, atribuição política do governo e do Congresso. E, no exercício dessa política pública, considera-se que a norma constitucional é limitada. Limitada a quê? Obviamente, à realidade da economia nacional.

Tem mais. Quando alguma entidade reivindica o “mínimo constitucional” para servidores públicos, o STF considera outro limite, o fiscal, a capacidade do governo de pagar mais. Faz sentido. Considerem as prefeituras do interior, que não conseguem pagar nem o mínimo oficial de hoje. Vai daí uma primeira conclusão: para os servidores que ganham o mínimo, o STF coloca a limitação fiscal. Mas não quando se trata dos supersalários pagos à elite do serviço público.

Suponhamos que o Congresso aprovasse o mínimo do Dieese e que o governo impusesse a norma a todos os empregadores. Muitas empresas não conseguiriam pagar. O custo de produção ou prestação do serviço tornaria o negócio inviável. Resultado: desemprego em massa. E as empresas que conseguissem repassar ao consumidor o mínimo de R$ 7 mil? Provocariam uma baita inflação, tão elevada que levaria à desvalorização da moeda e, pois, do salário real. O trabalhador ficaria na pior, ganhando nominalmente mais, porém comprando até menos do que comprava antes do surto inflacionário. Quanto ao setor público, basta lembrar que a atual regra de correção do mínimo, com ganho real, tem provocado déficits seguidos nas contas públicas.

Eis aí: políticas sociais bem-intencionadas podem, sim, causar desastres. É também o caso da redução da jornada de trabalho, conforme várias propostas em tramitação no Congresso. A riqueza de um país vem do capital e do trabalho. Aqui, a produção depende do número de horas trabalhadas e da produtividade do trabalhador.

É muito baixa a produtividade do trabalhador brasileiro. No essencial, trata-se de consequência da baixa qualidade do ensino. Reduzir a jornada de trabalho por lei, sem levar em consideração a realidade da economia e as diferenças entre as empresas, provocará efeitos parecidos aos que surgiriam caso se adotasse um salário mínimo “constitucional”.

As empresas que conseguissem contratar mais trabalhadores teriam custo maior, repassado para o consumidor. Inflação. Se não conseguirem contratar, produzirão menos. O negócio fica mais caro e, no limite, inviabilizado. Desemprego. Finalmente, há o problema da automação: robôs substituindo humanos.

Sim, sabemos que, na origem da era industrial, os trabalhadores eram massacrados com 12 ou mais horas diárias. Mas também sabemos que a evolução dos métodos de produção, as máquinas e a tecnologia permitiram ganhos de produtividade e, pois, a redução progressiva das jornadas. Nosso problema é que não criamos as boas escolas e perdemos o bonde da produtividade. Uma lei não resolve isso.

 

Nenhum comentário: