MUTIRÃO CONTRA AS MÁFIAS
Editorial/O Estado de S. Paulo
Foi prudente a decisão da Justiça Eleitoral e do Planalto de não recorrer de imediato à Força Nacional, muito menos ao Exército, para garantir o livre acesso dos candidatos às áreas do Rio de Janeiro dominadas pelo narcotráfico ou pelas chamadas milícias - quadrilhas constituídas, em boa medida, por policiais militares (PMs) e civis, que enfeudaram 125 comunidades cariocas (e 46 em outros 9 municípios do Estado). Dois episódios, na semana passada, chamaram a atenção para uma sombria realidade que, não sendo decerto nova, este ano se tornou clamorosa: a bandidagem estendendo ao voto o controle sobre os seus redutos, transformados em currais eleitorais.
O primeiro episódio foi a descoberta de que o chefão da droga na Favela da Rocinha, um certo Nem, ordenou aos capangas não só “todo o empenho” para eleger o seu candidato a vereador, o Claudinho da Academia, réu em 14 processos penais, mas ainda cortar o acesso aos seus domínios a “candidato de fora”. O segundo - sem precedentes nas circunstâncias - foi a ameaça sofrida por jornalistas que acompanhavam uma caminhada do candidato a prefeito Marcelo Crivella pela Vila Cruzeiro: um tipo com um fuzil ao ombro exigiu que apagassem de suas câmeras as fotos de dois homens escondendo o rosto quando o candidato se aproximava deles.
À parte a constatação de que o “ex-bispo” Crivella tem excepcional trânsito livre em bastiões do tráfico, ficou no ar a idéia do envio de tropas federais para liberar a campanha política nos territórios da segunda maior metrópole brasileira, onde o crime organizado notoriamente prevalece sobre o Estado. Em boa hora, porém, os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, e do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, Roberto Wider, além do ministro da Justiça, Tarso Genro, evitaram se precipitar. Eles aprovaram, por enquanto, a formação de um “mutirão de segurança”, integrado pela polícia fluminense, Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal, para enfrentar o poder das máfias no processo eleitoral no Rio.
“Se necessário”, disse Britto, “vamos acionar outros reforços.” O primeiro virá da Força Nacional, o contingente de 7.200 PMs de diversos Estados criado como alternativa ao engajamento das Forças Armadas em atividades tipicamente policiais. Britto não exclui de antemão a hipótese extrema, “se for o caso”, mas Wider é relutante. “Não adianta colocar o Exército na rua. Não estamos vivendo um estado de exceção”, argumenta. “O que precisamos é de Inteligência.” É a tarefa que tocará à PF no mutirão: mapear as ramificações criminosas nas áreas de risco à segurança eleitoral e propor ações para a sua desarticulação. Não é pouca coisa - para dizer o menos.
Relatório confidencial do setor de Inteligência do governo do Estado, divulgado quarta-feira por este jornal, traça um perfil alarmante da penetração dos grupos paramilitares nas comunidades carentes de uma dezena de bairros da capital. Passam de 500 os milicianos identificados, entre policiais, bombeiros, agentes penitenciários e civis propriamente ditos. Eles atuam também na Baixada Fluminense, no Grande Rio e na Região dos Lagos. Sempre se acreditou que as milícias se formaram para vender proteção contra os traficantes, desalojando facções criminosas como o Comando Vermelho e similares, extorquindo o comércio local ou se apossando dos melhores negócios.
A julgar pelo relatório, no entanto, o cenário de disputa com as quadrilhas da droga é antes fictício do que real: em 119 das 171 comunidades investigadas nem sequer havia tráfico quando os “vigilantes” começaram a dominá-las. Ou seja, não havia do que protegê-las. Pior ainda, segundo o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, “já se percebe em alguns lugares” ligações de milicianos com traficantes. Nesse quadro de metástase, a coerção sobre os eleitores é um desdobramento previsível, que interessa a uns e outros, em busca de retaguarda política. Como escreveu ontem neste jornal a colunista Dora Kramer, “se o narcotráfico já se substituiu ao Estado nos territórios sem lei, se já capturou cumplicidades em todos os Poderes e se já contaminou boa parte das instituições, por que não pretenderia fazer o papel de Justiça Eleitoral?”
Editorial/O Estado de S. Paulo
Foi prudente a decisão da Justiça Eleitoral e do Planalto de não recorrer de imediato à Força Nacional, muito menos ao Exército, para garantir o livre acesso dos candidatos às áreas do Rio de Janeiro dominadas pelo narcotráfico ou pelas chamadas milícias - quadrilhas constituídas, em boa medida, por policiais militares (PMs) e civis, que enfeudaram 125 comunidades cariocas (e 46 em outros 9 municípios do Estado). Dois episódios, na semana passada, chamaram a atenção para uma sombria realidade que, não sendo decerto nova, este ano se tornou clamorosa: a bandidagem estendendo ao voto o controle sobre os seus redutos, transformados em currais eleitorais.
O primeiro episódio foi a descoberta de que o chefão da droga na Favela da Rocinha, um certo Nem, ordenou aos capangas não só “todo o empenho” para eleger o seu candidato a vereador, o Claudinho da Academia, réu em 14 processos penais, mas ainda cortar o acesso aos seus domínios a “candidato de fora”. O segundo - sem precedentes nas circunstâncias - foi a ameaça sofrida por jornalistas que acompanhavam uma caminhada do candidato a prefeito Marcelo Crivella pela Vila Cruzeiro: um tipo com um fuzil ao ombro exigiu que apagassem de suas câmeras as fotos de dois homens escondendo o rosto quando o candidato se aproximava deles.
À parte a constatação de que o “ex-bispo” Crivella tem excepcional trânsito livre em bastiões do tráfico, ficou no ar a idéia do envio de tropas federais para liberar a campanha política nos territórios da segunda maior metrópole brasileira, onde o crime organizado notoriamente prevalece sobre o Estado. Em boa hora, porém, os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, e do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, Roberto Wider, além do ministro da Justiça, Tarso Genro, evitaram se precipitar. Eles aprovaram, por enquanto, a formação de um “mutirão de segurança”, integrado pela polícia fluminense, Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal, para enfrentar o poder das máfias no processo eleitoral no Rio.
“Se necessário”, disse Britto, “vamos acionar outros reforços.” O primeiro virá da Força Nacional, o contingente de 7.200 PMs de diversos Estados criado como alternativa ao engajamento das Forças Armadas em atividades tipicamente policiais. Britto não exclui de antemão a hipótese extrema, “se for o caso”, mas Wider é relutante. “Não adianta colocar o Exército na rua. Não estamos vivendo um estado de exceção”, argumenta. “O que precisamos é de Inteligência.” É a tarefa que tocará à PF no mutirão: mapear as ramificações criminosas nas áreas de risco à segurança eleitoral e propor ações para a sua desarticulação. Não é pouca coisa - para dizer o menos.
Relatório confidencial do setor de Inteligência do governo do Estado, divulgado quarta-feira por este jornal, traça um perfil alarmante da penetração dos grupos paramilitares nas comunidades carentes de uma dezena de bairros da capital. Passam de 500 os milicianos identificados, entre policiais, bombeiros, agentes penitenciários e civis propriamente ditos. Eles atuam também na Baixada Fluminense, no Grande Rio e na Região dos Lagos. Sempre se acreditou que as milícias se formaram para vender proteção contra os traficantes, desalojando facções criminosas como o Comando Vermelho e similares, extorquindo o comércio local ou se apossando dos melhores negócios.
A julgar pelo relatório, no entanto, o cenário de disputa com as quadrilhas da droga é antes fictício do que real: em 119 das 171 comunidades investigadas nem sequer havia tráfico quando os “vigilantes” começaram a dominá-las. Ou seja, não havia do que protegê-las. Pior ainda, segundo o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, “já se percebe em alguns lugares” ligações de milicianos com traficantes. Nesse quadro de metástase, a coerção sobre os eleitores é um desdobramento previsível, que interessa a uns e outros, em busca de retaguarda política. Como escreveu ontem neste jornal a colunista Dora Kramer, “se o narcotráfico já se substituiu ao Estado nos territórios sem lei, se já capturou cumplicidades em todos os Poderes e se já contaminou boa parte das instituições, por que não pretenderia fazer o papel de Justiça Eleitoral?”
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