Nem a China está comemorando o crescimento chinês. O instituto oficial de estatísticas disse que o crescimento é desigual e instável e que a retomada não foi para todo o país, nem todos os setores. O Congresso do Povo disse que o governo tem que evitar o “crescimento extraordinário” do crédito. Na China, nem o governo acha que a crise acabou por causa dos 7,9% do PIB do segundo trimestre
Não se pode ser superficial com crise tão grave. Ela continua sendo a pior em 80 anos. O que está acontecendo é uma redução das previsões de queda da maioria dos países, e uma ligeira melhora no crescimento chinês.
Mas a China cresceu 13% em 2007, e deve crescer entre 7% e 8% este ano e no próximo.
Parece muito para o mundo não chinês, mas para os padrões do país esse resultado é ruim. O economista Nouriel Roubini faz uma série de ponderações sobre o desempenho da China que vale a pena registrar. As importações foram dominadas por commodities neste primeiro trimestre e se aproveitaram dos preços baixos. Agora, os preços subiram; a demanda internacional dos produtos manufaturados chineses continua fraca; os estoques aumentaram; e a tendência é o país reduzir a compra de commodities. A China aumentou tanto o incentivo à exportação quanto as barreiras às importações. Isso contribuirá para um dos riscos atuais: o protecionismo.
Houve aumento de investimentos, mas depois de forte apoio do governo e pelo uso de lucros retidos. Isso pode tirar fôlego das empresas para investimentos em 2010.
A China está em melhor posição do que a maioria dos países para estimular a demanda, diz Roubini. O consumo das famílias é baixo, 36% do PIB, e o nível de poupança é reconhecidamente alto. Só que, paradoxalmente, parte da compulsão de poupar vinha de um problema: uma rede social deficiente em saúde, educação e aposentadoria. Investindo nessas áreas, o governo poderá reduzir a tendência à poupança na população.
O país continua correndo os riscos de deterioração fiscal, reservas altamente concentradas em dólar, câmbio quase fixo e crescimento abaixo do potencial. Esse último item afeta diretamente países da América Latina, Ásia e África. Se a China crescer menos, também importará menos commoditites. No Brasil, os efeitos são imediatos no setor de mineração.
Gráficos enviados ao blog (http://www.miriamleitao.com.br/) pelo Banco Fator mostram claramente os efeitos da crise sobre a China. Apesar das taxas serem altas quando comparadas com o resto do mundo, elas representam desaceleração no contexto chinês.
A produção industrial teve alta acumulada no primeiro semestre de 7%, mas no mesmo período de 2008 a taxa estava acima de 15%. As vendas no varejo que chegaram a crescer 23% desaceleraram para 15% no acumulado até junho.
“Não se espera que o ritmo (do PIB) observado entre 2003 e 2007 (acima de 10% ao ano) volte a vigorar rapidamente”, diz relatório do banco.
O secretário-executivo do Conselho Empresarial BrasilChina (CEBC), Rodrigo Maciel, disse a Bruno Villas Bôas, do blog, que a desaceleração da economia tinha duas origens: uma externa, fruto da crise, e outra interna, que era o colapso do setor imobiliário.
O governo elevou impostos, reduziu crédito e tirou benefícios no ano passado para conter a expansão do setor e evitar o superaquecimento da economia.
— O governo chinês também pediu para os bancos segurarem crédito, entre outras medidas. Mas a partir do final de 2008, com a crise, o governo chinês adotou uma política de explodir investimentos — disse Maciel.
Entre as medidas voltadas ao setor imobiliário, o governo reduziu o tamanho da entrada necessária para compra do imóvel, que caiu de 35% para 20% do total. Também reduziu o volume de capital que as construtoras precisam ter em caixa para executar uma obra. Na compra de imóveis, o imposto foi reduzido de 1,5% para 1%: — O governo investiu pesado em grandes obras de infraestrutura, como rodovias, portos, usinas de energia.
São investimentos em ativo fixo, que cresceram 33% na primeira metade do ano, maior taxa em cinco anos.
Isso incentiva a indústria de base, responsável por uma grande fatia da economia.
Mas nada disso é capaz de eliminar os desafios que a China tem pela frente. Como explicou o diretor da Câmara de Comércio e Indústria BrasilChina, Kevin Tang, desde a crise, cerca de 20 milhões de empregos foram eliminados.
Mais desemprego é sinal de aumento de tensões sociais.
Além disso, a China terá que suprir a redução do consumo americano. As economias americana e chinesa tinham uma relação de mútua dependência: os americanos aumentavam o consumo e produziam déficit, os chineses produziam para atender esse consumo e poupavam. Com a poupança, financiavam o endividamento americano. Agora, as famílias americanas voltaram a poupar. Têm dívidas e medo do futuro. A China terá que estimular seu próprio consumo e alterar a base da indústria, focando internamente.
Não é trivial: — Algumas mudanças são culturais e não acontecerão de uma hora para a outra — explicou Tang.
É isso que o próprio governo alerta, quando o escritório de estatísticas avisa que o crescimento não chega a todas as partes, é desigual e instável, e quando o Congresso do Povo afirma que bolhas de crédito são perigosas.
Quem discordaria?
Com Alvaro Gribel
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