sábado, 23 de maio de 2009

Desânimo d'alma

Alfredo Sirkis
DEU EM O GLOBO


Dificilmente haverá mudança do sistema eleitoral do voto proporcional personalizado que está na raiz da cultura política vigente no Brasil e que, por sua vez, engendra esses hábitos e costumes que recorrentemente escandalizam a imprensa e a opinião pública bem pensante produzindo medidas "corretivas", essencialmente inócuas, e expondo à execração popular o vilão de turno.

É como a dança das cadeiras. A música para, alguém fica com as nádegas em riste e, logo, a música recomeça... Ah, o desânimo d"alma profundo que sinto quando vejo comentaristas políticos condenando, com indignação, a adoção completa ou parcial do voto proporcional por lista tal qual é praticado nesses países, certamente menos democráticos que nós, onde o eleitor é "tungado" pelos burocratas partidários... Pobres nações politicamente atrasadas como Espanha, Alemanha, Portugal...

Fala sério! - diria o imortal Bussunda. Surge na mídia um movimento conservacionista dessa espécie rara que é o voto proporcional à brasileira - qual a jabuticaba. Torna-se "politicamente correto" considerar uma ameaça à democracia representativa modalidades praticadas por países com costumes políticos e serviços públicos significativamente mais saudáveis.

Isso apesar dos recentes escândalos imobiliários do PP espanhol - o PSOE já teve os seus - e daquele famoso de financiamento eleitoral que expôs Helmut Kholl, um estadista, nos anos 90. Nenhum sistema eleitoral é isento de críticas e sempre haverá reclamações justas contra todos. No distrital puro, anglo-saxão, a tendência ao bipartidarismo e ao esmagamento das minorias, no proporcional por lista, la partidocracia que criticam os argentinos. A Itália parece ter experimentado vários com críticas a tuti quanti.

Penso, no entanto, que o nosso é pior. O sistema proporcional-jabuticaba faz da carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido. Torna afins todos os partidos a partir de certas dimensões porque condiciona sua performance eleitoral à capacidade de recrutar em massa, sem critério, o maior número possível de candidatos com algum tipo de clientela ou audiência preexistente. Obriga cada candidato a correr desesperadamente atrás de seu próprio financiamento de campanha. Faz do companheiro de partido seu principal rival a abater. Engendra políticos obcecados com a própria reeleição e, consequentemente, vorazes usuários de cargos comissionados, passagens, "espaços fisiológicos" em governos e, em muitos casos, caixinhas. Nossos governos ficam frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares, fisiológica e individualmente, para poder governar.

Esse sistema é caldo de cultura fértil à grande corrupção e, a médio prazo, uma ameaça à democracia. A cada eleição compram-se mais votos, mais candidatos elegem-se via centros assistenciais. Já o voto de opinião encolhe, regularmente, pelo desgosto da classe média com "os políticos", todos no mesmo saco. O voto proporcional por lista ou o voto distrital misto não liquidariam a corrupção nem seriam panaceia, mas tornariam as campanhas infinitamente mais baratas e simples de fiscalizar, dariam mais consistência programática aos partidos, tornariam inócuos os currais, centros assistenciais e outras formas de clientelismo, hoje generalizadas, tornariam os partidos responsáveis pelos atos do conjunto de seus quadros - quem vender lugar na lista ou lá escalar seus parentes verá o partido, como um todo, punido pelo eleitor. Abririam espaço no Legislativo a quadros parlamentares mais preparados tecnicamente que hoje não participam de eleições por carecerem de recursos, esquemas assistencialistas ou do poder de comunicação (quase sempre demagógico) que o púlpito do pastor, o microfone do radialista ou as chuteiras do craque propiciam. Permitiriam uma redução drástica dos cargos comissionados no Executivo e nas casas legislativas, viabilizariam governos mais estáveis e programáticos.

Mas nada disso deve acontecer. Os eleitos pelo voto proporcional-jabuticaba não irão serrar o galho sobre o qual estão sentados, e respeitáveis formadores de opinião vão ajudá-los: já decidiram que o voto proporcional por lista ou o distrital misto não passa de uma "tungada" no nosso direito de votar individualmente na figura, nobre ou abjeta, do "nosso" candidato erigido, bizarramente, em microcosmo da democracia.

Alfredo Sirkis é vereador (PV-Rio).

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