DEU NO JORNAL DO BRASIL
Entre as conseqüências de serem os políticos brasileiros aristotélicos pela metade, qual seja, animais políticos que disfarçam o substantivo e exageram no adjetivo, a questão com prioridade passou a ser o conluio entre a popularidade e a democracia. A sucessão presidencial merecia ter ficado o mais longe possível desse risco (sem falar na corrupção). Há mais de dois anos, já vai para três, está em curso o imprudente jogo de elipses que não passa de perigoso teste de carga para a democracia, sempre recomeçada entre nós. Um governo que pode tudo e uma oposição que não se encontrou, pois nada pode senão se lamentar, não fazem boa dupla nem garantem um final louvável.
Se a democracia em curso há 25 anos não se abalar e o tom de deboche nas tensões do regime não passar dos limites, o Brasil poderá considerar removido do processo eleitoral um dos impasses políticos insolúveis do Século 20, como ocorria, e não por acaso, na hora de passar o governo ao eleito. Mesmo quando terminava bem, ficava um resto a pagar,e a conta ia para a democracia. Não raro o começo levava ao fim tumultuado. Em nome da democracia, era demais.
O brasileiro já nem se lembra de que a esquerda que ai está se elegeu e se reelegeu sem qualquer contestação. Já que perguntar não ofende, a dúvida pede passagem para se apresentar. Qual a garantia, dentro das leis em vigor, com que se pode contar, quando e se for a hora de passar o poder a outras mãos? Considerando esquerda isto que temos, e se o viés de direita vier a ser a vontade das urnas, transcorrerá normalmente a mudança de governo como tem ocorrido desde a volta da eleição direta? Não é indispensável que o adversário em questão esteja à direita do espectro nacional, mas, ainda se tiver uma pitada de esquerda, será rotulada como direita por uma esquerda que, no passado, não teve vez e, depois de ter se beneficiado, não se mostrou disposta a retribuir. Foi este o legado do Século 20 ao seguinte, em que ainda vivemos a perplexidade democrática. Eis a questão.
Direita e esquerda no Brasil, por insuficiente estoque de idéias, ainda se nivelam empiricamente pelos critérios vigentes no trânsito: vai-se pela direita e se volta pela esquerda, que não deixa de ser direita quando retorna. Não, porém, em eleições. Continua na moda a tradicional fórmula de se eleger pela esquerda e governar pela direita, para evitar problemas. Mas sem cuidado de evitá-los.
Ainda longe da hora de honrar as urnas, a questão reaparece para ocupar o vazio deixado pela precedência histórica antes reservada à direita, e não mais barretada retórica ou empréstimo circunstancial. A esquerda tem o vício de apitar de maneira estridente, seja na ida ou na volta, em nome da História oral. A direita não fica atrás e não perde oportunidade eventual. Pelo visto e ouvido, estamos na encruzilhada em que, daqui para a frente, tudo ficará menos claro e não mais se saberá quem é quem, se o eleitor não for atento às diferenças não assumidas entre esquerda e direita.
Os neoliberais continuarão à espera de que aconteça algo que ainda não sabem exatamente o que seja. Não há sinal de que, aqui ou nos arredores, se possa contar com a aceitação normal de insucesso por parte de qualquer tendência de esquerda presumível, e que _ em respeito ao eleitor - se disponha a passar normalmente o poder em caso de derrota.
Pode-se discutir, de modo galhofeiro ou mesmo a sério, que – no caso brasileiro _ tenham sido efetivamente de esquerda os dois mandatos presidenciais de Lula e do PT, nos termos zangados com que o petismo se recusa a prestar contas do que fez à luz do que diz. A fatia menos favorecida da sociedade, até então sem letra para identificar seu lugar na hierarquia social, já está no alfabeto político brasileiro. Adquiriu peso eleitoral. Ganhou a democracia e, na outra ponta da sociedade de consumo, seus beneficiários nada têm a reclamar. De lucros ninguém se queixa, exceto os que não mantêm boas relações com eles.
É ocioso repisar que a situação à vista mostra a falta de alguma coisa que não é problema eleitoral para os vestibulandos à candidatura presidencial.
Não passam de indicações que, por si mesmas, recomendam cautela em meio à imprudência de abrir a sucessão a golpes de peixeira, como fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quanto à oposição, por enquanto mais inclinada a trote estudantil, foi cautelosa por falta de alternativa e ainda não parece desistir de alguma procedência sobrenatural.
Entre as conseqüências de serem os políticos brasileiros aristotélicos pela metade, qual seja, animais políticos que disfarçam o substantivo e exageram no adjetivo, a questão com prioridade passou a ser o conluio entre a popularidade e a democracia. A sucessão presidencial merecia ter ficado o mais longe possível desse risco (sem falar na corrupção). Há mais de dois anos, já vai para três, está em curso o imprudente jogo de elipses que não passa de perigoso teste de carga para a democracia, sempre recomeçada entre nós. Um governo que pode tudo e uma oposição que não se encontrou, pois nada pode senão se lamentar, não fazem boa dupla nem garantem um final louvável.
Se a democracia em curso há 25 anos não se abalar e o tom de deboche nas tensões do regime não passar dos limites, o Brasil poderá considerar removido do processo eleitoral um dos impasses políticos insolúveis do Século 20, como ocorria, e não por acaso, na hora de passar o governo ao eleito. Mesmo quando terminava bem, ficava um resto a pagar,e a conta ia para a democracia. Não raro o começo levava ao fim tumultuado. Em nome da democracia, era demais.
O brasileiro já nem se lembra de que a esquerda que ai está se elegeu e se reelegeu sem qualquer contestação. Já que perguntar não ofende, a dúvida pede passagem para se apresentar. Qual a garantia, dentro das leis em vigor, com que se pode contar, quando e se for a hora de passar o poder a outras mãos? Considerando esquerda isto que temos, e se o viés de direita vier a ser a vontade das urnas, transcorrerá normalmente a mudança de governo como tem ocorrido desde a volta da eleição direta? Não é indispensável que o adversário em questão esteja à direita do espectro nacional, mas, ainda se tiver uma pitada de esquerda, será rotulada como direita por uma esquerda que, no passado, não teve vez e, depois de ter se beneficiado, não se mostrou disposta a retribuir. Foi este o legado do Século 20 ao seguinte, em que ainda vivemos a perplexidade democrática. Eis a questão.
Direita e esquerda no Brasil, por insuficiente estoque de idéias, ainda se nivelam empiricamente pelos critérios vigentes no trânsito: vai-se pela direita e se volta pela esquerda, que não deixa de ser direita quando retorna. Não, porém, em eleições. Continua na moda a tradicional fórmula de se eleger pela esquerda e governar pela direita, para evitar problemas. Mas sem cuidado de evitá-los.
Ainda longe da hora de honrar as urnas, a questão reaparece para ocupar o vazio deixado pela precedência histórica antes reservada à direita, e não mais barretada retórica ou empréstimo circunstancial. A esquerda tem o vício de apitar de maneira estridente, seja na ida ou na volta, em nome da História oral. A direita não fica atrás e não perde oportunidade eventual. Pelo visto e ouvido, estamos na encruzilhada em que, daqui para a frente, tudo ficará menos claro e não mais se saberá quem é quem, se o eleitor não for atento às diferenças não assumidas entre esquerda e direita.
Os neoliberais continuarão à espera de que aconteça algo que ainda não sabem exatamente o que seja. Não há sinal de que, aqui ou nos arredores, se possa contar com a aceitação normal de insucesso por parte de qualquer tendência de esquerda presumível, e que _ em respeito ao eleitor - se disponha a passar normalmente o poder em caso de derrota.
Pode-se discutir, de modo galhofeiro ou mesmo a sério, que – no caso brasileiro _ tenham sido efetivamente de esquerda os dois mandatos presidenciais de Lula e do PT, nos termos zangados com que o petismo se recusa a prestar contas do que fez à luz do que diz. A fatia menos favorecida da sociedade, até então sem letra para identificar seu lugar na hierarquia social, já está no alfabeto político brasileiro. Adquiriu peso eleitoral. Ganhou a democracia e, na outra ponta da sociedade de consumo, seus beneficiários nada têm a reclamar. De lucros ninguém se queixa, exceto os que não mantêm boas relações com eles.
É ocioso repisar que a situação à vista mostra a falta de alguma coisa que não é problema eleitoral para os vestibulandos à candidatura presidencial.
Não passam de indicações que, por si mesmas, recomendam cautela em meio à imprudência de abrir a sucessão a golpes de peixeira, como fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quanto à oposição, por enquanto mais inclinada a trote estudantil, foi cautelosa por falta de alternativa e ainda não parece desistir de alguma procedência sobrenatural.
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