DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A "doença" não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas de salários baixos e alta dispersão salarial
O GOVERNO americano estava prestes a declarar a China país manipulador de sua taxa de câmbio, mas, como prosseguem as negociações bilaterais, o Tesouro americano decidiu adiar a decisão, provavelmente porque espera que a China ceda algo como cedeu em 2005.
Naquele ano, o Senado dos EUA votou um aumento de tarifas de 27,5% sobre bens importados da China que só não se efetivou porque nos anos seguintes a China permitiu a apreciação do yuan em 20%. Entretanto, como voltou a vincular sua moeda ao dólar durante a crise, a pressão voltou a ocorrer.
O deficit comercial dos EUA com a China vem caindo desde 2008. Não obstante, economistas eminentes como Paul Krugman e Martin Wolf estão convencidos do caráter depreciado do yuan. Wolf lista quatro argumentos apresentados por aqueles que discordam: "Primeiro, embora a intervenção seja imensa, a distorção é pequena; segundo, o impacto no balanço de pagamentos mundial é modesto; terceiro, os desequilíbrios mundiais não são importantes; e, por fim, o problema, embora real, está sendo resolvido" ("Valor", 7 deste mês).
Entretanto, nenhum desses argumentos que o colunista do "Financial Times" em seguida se aplicou em refutar é relevante.
O fato essencial é simples: a China não tem superavit, mas deficit comercial em relação aos demais países dinâmicos da Ásia. Logo, se o yuan está artificialmente desvalorizado, também estão as moedas dos vizinhos.
O que os analistas não compreendem ao verem os grandes superavit em conta corrente dos países exportadores de petróleo e dos países asiáticos dinâmicos, inclusive a China, é que esses superavit decorrem da necessidade que esses países têm de neutralizar sua doença holandesa -ou seja, neutralizar a sobreapreciação crônica de sua taxa de câmbio.
No caso dos países asiáticos, a doença holandesa não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas da combinação de salários baixos com uma alta dispersão salarial entre os engenheiros de fábrica e os peões, quando comparada com a dos países ricos.
Como a taxa de câmbio é determinada pelos bens mais baratos, se o país que enfrenta esse problema não administrar sua taxa de câmbio, esta será determinada por esses bens industriais (tecidos, por exemplo) e inviabilizará a produção de bens industriais sofisticados, que exigem pessoal mais qualificado, pagam melhores salários e têm alto valor adicionado per capita.
A doença holandesa é uma falha de mercado compatível com o equilíbrio a longo prazo da conta-corrente do país. Por isso, um país atingido pela doença holandesa, que pretende se industrializar e alcançar níveis cada vez mais elevados de sofisticação industrial, deverá necessariamente administrar sua taxa de câmbio para deslocá-la do nível de equilíbrio em conta-corrente para o "equilíbrio industrial".
Logrado êxito nessa tarefa (o que não é fácil), o país apresentará necessariamente superavit em conta-corrente. É o que acontece com os países asiáticos dinâmicos.
Decorre desse tipo de análise uma consequência surpreendente. Na medida em que mais países em desenvolvimento vão se dando conta da sua doença holandesa, eles buscarão neutralizá-la e, tendo êxito, realizarão superavit em conta-corrente.
Por isso, não obstante o estoque de capital seja muito maior nos países ricos, o que veremos cada vez mais nos próximos anos é países em desenvolvimento apresentarem elevados superavit em conta-corrente e realizar investimentos nos ou empréstimos para os países ricos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
A "doença" não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas de salários baixos e alta dispersão salarial
O GOVERNO americano estava prestes a declarar a China país manipulador de sua taxa de câmbio, mas, como prosseguem as negociações bilaterais, o Tesouro americano decidiu adiar a decisão, provavelmente porque espera que a China ceda algo como cedeu em 2005.
Naquele ano, o Senado dos EUA votou um aumento de tarifas de 27,5% sobre bens importados da China que só não se efetivou porque nos anos seguintes a China permitiu a apreciação do yuan em 20%. Entretanto, como voltou a vincular sua moeda ao dólar durante a crise, a pressão voltou a ocorrer.
O deficit comercial dos EUA com a China vem caindo desde 2008. Não obstante, economistas eminentes como Paul Krugman e Martin Wolf estão convencidos do caráter depreciado do yuan. Wolf lista quatro argumentos apresentados por aqueles que discordam: "Primeiro, embora a intervenção seja imensa, a distorção é pequena; segundo, o impacto no balanço de pagamentos mundial é modesto; terceiro, os desequilíbrios mundiais não são importantes; e, por fim, o problema, embora real, está sendo resolvido" ("Valor", 7 deste mês).
Entretanto, nenhum desses argumentos que o colunista do "Financial Times" em seguida se aplicou em refutar é relevante.
O fato essencial é simples: a China não tem superavit, mas deficit comercial em relação aos demais países dinâmicos da Ásia. Logo, se o yuan está artificialmente desvalorizado, também estão as moedas dos vizinhos.
O que os analistas não compreendem ao verem os grandes superavit em conta corrente dos países exportadores de petróleo e dos países asiáticos dinâmicos, inclusive a China, é que esses superavit decorrem da necessidade que esses países têm de neutralizar sua doença holandesa -ou seja, neutralizar a sobreapreciação crônica de sua taxa de câmbio.
No caso dos países asiáticos, a doença holandesa não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas da combinação de salários baixos com uma alta dispersão salarial entre os engenheiros de fábrica e os peões, quando comparada com a dos países ricos.
Como a taxa de câmbio é determinada pelos bens mais baratos, se o país que enfrenta esse problema não administrar sua taxa de câmbio, esta será determinada por esses bens industriais (tecidos, por exemplo) e inviabilizará a produção de bens industriais sofisticados, que exigem pessoal mais qualificado, pagam melhores salários e têm alto valor adicionado per capita.
A doença holandesa é uma falha de mercado compatível com o equilíbrio a longo prazo da conta-corrente do país. Por isso, um país atingido pela doença holandesa, que pretende se industrializar e alcançar níveis cada vez mais elevados de sofisticação industrial, deverá necessariamente administrar sua taxa de câmbio para deslocá-la do nível de equilíbrio em conta-corrente para o "equilíbrio industrial".
Logrado êxito nessa tarefa (o que não é fácil), o país apresentará necessariamente superavit em conta-corrente. É o que acontece com os países asiáticos dinâmicos.
Decorre desse tipo de análise uma consequência surpreendente. Na medida em que mais países em desenvolvimento vão se dando conta da sua doença holandesa, eles buscarão neutralizá-la e, tendo êxito, realizarão superavit em conta-corrente.
Por isso, não obstante o estoque de capital seja muito maior nos países ricos, o que veremos cada vez mais nos próximos anos é países em desenvolvimento apresentarem elevados superavit em conta-corrente e realizar investimentos nos ou empréstimos para os países ricos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
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