Gabriel Manzano
ENTREVISTA - Riordan Roett, professor da Universidade Johns Hopkins de Washington
O convívio entre o Planalto e a Casa Branca está mudando - para melhor - e o "estilo Lula" de fazer diplomacia, mais pessoal e com tintas ideológicas, "foi um momento, e já passou". É verdade que um dos pilares desse período, Marco Aurélio Garcia, continua como assessor de assuntos internacionais, "mas deverá ter muito menos influência". É difícil imaginar o ministro Antonio Patriota como "um homem de partido". Resultado: daqui por diante "o espaço do Itamaraty tende a ser muito mais amplo". Os cálculos são do professor Riordan Roett, um dos figurões da Universidade Johns Hopkins, de Washington.
Faz mais de duas décadas que ele estuda e escreve sobre as relações dos EUA com a América Latina. Roett não fala em "virada" da diplomacia com Dilma Rousseff - "eu diria câmbios, ênfases", assinala. Também não se encanta com visitas protocolares entre líderes e avisa que, nos próximos anos, "o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela".
Mas para ele Dilma "já indicou que quer relações melhores, quer negociar". Do lado americano, Roett cita Thomas Shannon, o embaixador dos EUA no Brasil, que costuma dizer: "Temos a América Latina e temos o Brasil". Ou seja: não existe uma estratégia americana para o continente, existem conversações e uma percepção sobre cada país.
Qual a percepção dos EUA sobre o Brasil?
"Não é uma potência nuclear, não tem guerras com vizinhos - quer dizer, não é um foco de preocupação. Mas não se imagina mais uma decisão importante na Rodada Doha, sobre políticas ambientais, no G-20 e outras questões mundiais, sem uma participação brasileira."
O presidente Obama chega ao País quando se fala muito de uma virada diplomática no governo Dilma. Há exagero nisso?
Não diria virada, diria câmbios, ênfases. Ela já havia dito, numa entrevista ao Washington Post, que a Presidência dela seria a Presidência dela. Não uma continuação de Lula. Quanto ao Irã, por exemplo, ela se mostrou bem diferente dele. Indicou que quer negociar, conversar sobre temas importantes.
A América Latina sempre foi um tema menor na diplomacia americana. Que espaço sobra para o Brasil?
É uma situação muito diferente. O embaixador Shannon diz sempre que temos a América Latina mas, à parte, temos o Brasil. E a atual percepção do Brasil nos EUA é muito positiva, comparada por exemplo com a do México. O futuro do Brasil não é uma preocupação em Washington. Ele não é uma potencia nuclear, não tem guerra com vizinhos, é uma potência emergente com interesses complementares aos dos EUA. Os problemas dos dois são normais e rotineiros.
Existe uma estratégia americana para o continente?
Não, infelizmente. A preocupação da Casa Branca é com os pontos de conflito - no Irã, no Afeganistão, onde houver conflito militar. Não há espaço hoje para uma coisa do tipo Aliança para o Progresso, dos anos 60. Acredito que o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela.
Mas há o tema da segurança militar. O Brasil tem uma costa enorme, o Atlântico, a escolha dos novos caças, de enorme interesse para os EUA. Qual o peso real disso na relação dos dois?
Creio que isso tudo não é uma preocupação. O que Washington vê é que a China é o novo grande parceiro do Brasil na América do Sul, e que depois de receber Obama a presidente Dilma vai à China.
Isso tem um significado especial. Acham que ela está montando agora dois pilares de uma futura diplomacia?
Exatamente. Dilma entende que o Brasil tem de ter relações normais. Dialogar na ONU e em outras arenas. O importante, para Dilma, é uma posição de Obama como a dada sobre a Índia, a respeito do Conselho de Segurança da ONU.
A diplomacia brasileira adota agora um tom menos ideológico. Qual o impacto disso?
De fato, daqui por diante creio que ela será menos ideológica. Acho que o PT vai ter muito menos importância na política externa do atual governo, do que teve nos oito anos de Lula. No resto, a relação anda bem. O ministro Nelson Jobim frequenta o Pentágono sempre que preciso. Na ONU a representante Susan Rice se entende bem com a brasileira Maria Luiza Viotti e Patriota é velho conhecido de Hillary Clinton. O problema, se é que podemos chamar assim, é que o Brasil não é muito bem entendido lá porque pouca gente fala o português.
Nesse ambiente, que papel terá Marco Aurélio Garcia, que continua no Planalto?
Mantê-lo foi, acredito, uma decisão política da presidente. Ele é um homem destacado dentro do partido. Mas, ainda que mantenha o nome da posição, creio que terá um impacto político menor, mais esvaziado. O Patriota é um homem competente, não petista - acho difícil imaginá-lo como homem de partido.
O estilo e as metas do governo Lula lhe pareceram ambiciosos?
Ficará na história, como ponto importante, que Lula estabeleceu o Brasil como um dos Brics. O País apareceu na arena global, com mais exportações, com muitas viagens, encontros no G-20. Lula é uma pessoa especial, é carismático. Não é um grande administrador, mas entendeu esse momento e o usou a favor do Brasil. Mas foi um momento, e passou. Não vai deixar recall.
Mas existe hoje uma multipolaridade, que abre mais espaços ao Brasil. Ou o sr. imagina que a bipolaridade pode voltar com EUA e China?
Acho que o Brasil tem hoje um fator essencial, a sua agroindústria, que pode oferecer algo de que o mundo precisa, comida. Em mais três ou cinco anos, será uma potência energética, com o pré-sal. E é difícil imaginar que tenhamos um acordo de Doha, ou sobre meio ambiente, ou nos temas financeiros do G-20, sem participação do Brasil. Isso não faz dele uma potência global. Ele é um player regional, com implicações globais. Hoje há mais espaços para países médios, como Brasil, Índia, África do Sul.
E a invasão de produtos chineses, não preocupa os EUA?
Acho que isso preocupa mais a Fiesp do que Washington.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
ENTREVISTA - Riordan Roett, professor da Universidade Johns Hopkins de Washington
O convívio entre o Planalto e a Casa Branca está mudando - para melhor - e o "estilo Lula" de fazer diplomacia, mais pessoal e com tintas ideológicas, "foi um momento, e já passou". É verdade que um dos pilares desse período, Marco Aurélio Garcia, continua como assessor de assuntos internacionais, "mas deverá ter muito menos influência". É difícil imaginar o ministro Antonio Patriota como "um homem de partido". Resultado: daqui por diante "o espaço do Itamaraty tende a ser muito mais amplo". Os cálculos são do professor Riordan Roett, um dos figurões da Universidade Johns Hopkins, de Washington.
Faz mais de duas décadas que ele estuda e escreve sobre as relações dos EUA com a América Latina. Roett não fala em "virada" da diplomacia com Dilma Rousseff - "eu diria câmbios, ênfases", assinala. Também não se encanta com visitas protocolares entre líderes e avisa que, nos próximos anos, "o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela".
Mas para ele Dilma "já indicou que quer relações melhores, quer negociar". Do lado americano, Roett cita Thomas Shannon, o embaixador dos EUA no Brasil, que costuma dizer: "Temos a América Latina e temos o Brasil". Ou seja: não existe uma estratégia americana para o continente, existem conversações e uma percepção sobre cada país.
Qual a percepção dos EUA sobre o Brasil?
"Não é uma potência nuclear, não tem guerras com vizinhos - quer dizer, não é um foco de preocupação. Mas não se imagina mais uma decisão importante na Rodada Doha, sobre políticas ambientais, no G-20 e outras questões mundiais, sem uma participação brasileira."
O presidente Obama chega ao País quando se fala muito de uma virada diplomática no governo Dilma. Há exagero nisso?
Não diria virada, diria câmbios, ênfases. Ela já havia dito, numa entrevista ao Washington Post, que a Presidência dela seria a Presidência dela. Não uma continuação de Lula. Quanto ao Irã, por exemplo, ela se mostrou bem diferente dele. Indicou que quer negociar, conversar sobre temas importantes.
A América Latina sempre foi um tema menor na diplomacia americana. Que espaço sobra para o Brasil?
É uma situação muito diferente. O embaixador Shannon diz sempre que temos a América Latina mas, à parte, temos o Brasil. E a atual percepção do Brasil nos EUA é muito positiva, comparada por exemplo com a do México. O futuro do Brasil não é uma preocupação em Washington. Ele não é uma potencia nuclear, não tem guerra com vizinhos, é uma potência emergente com interesses complementares aos dos EUA. Os problemas dos dois são normais e rotineiros.
Existe uma estratégia americana para o continente?
Não, infelizmente. A preocupação da Casa Branca é com os pontos de conflito - no Irã, no Afeganistão, onde houver conflito militar. Não há espaço hoje para uma coisa do tipo Aliança para o Progresso, dos anos 60. Acredito que o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela.
Mas há o tema da segurança militar. O Brasil tem uma costa enorme, o Atlântico, a escolha dos novos caças, de enorme interesse para os EUA. Qual o peso real disso na relação dos dois?
Creio que isso tudo não é uma preocupação. O que Washington vê é que a China é o novo grande parceiro do Brasil na América do Sul, e que depois de receber Obama a presidente Dilma vai à China.
Isso tem um significado especial. Acham que ela está montando agora dois pilares de uma futura diplomacia?
Exatamente. Dilma entende que o Brasil tem de ter relações normais. Dialogar na ONU e em outras arenas. O importante, para Dilma, é uma posição de Obama como a dada sobre a Índia, a respeito do Conselho de Segurança da ONU.
A diplomacia brasileira adota agora um tom menos ideológico. Qual o impacto disso?
De fato, daqui por diante creio que ela será menos ideológica. Acho que o PT vai ter muito menos importância na política externa do atual governo, do que teve nos oito anos de Lula. No resto, a relação anda bem. O ministro Nelson Jobim frequenta o Pentágono sempre que preciso. Na ONU a representante Susan Rice se entende bem com a brasileira Maria Luiza Viotti e Patriota é velho conhecido de Hillary Clinton. O problema, se é que podemos chamar assim, é que o Brasil não é muito bem entendido lá porque pouca gente fala o português.
Nesse ambiente, que papel terá Marco Aurélio Garcia, que continua no Planalto?
Mantê-lo foi, acredito, uma decisão política da presidente. Ele é um homem destacado dentro do partido. Mas, ainda que mantenha o nome da posição, creio que terá um impacto político menor, mais esvaziado. O Patriota é um homem competente, não petista - acho difícil imaginá-lo como homem de partido.
O estilo e as metas do governo Lula lhe pareceram ambiciosos?
Ficará na história, como ponto importante, que Lula estabeleceu o Brasil como um dos Brics. O País apareceu na arena global, com mais exportações, com muitas viagens, encontros no G-20. Lula é uma pessoa especial, é carismático. Não é um grande administrador, mas entendeu esse momento e o usou a favor do Brasil. Mas foi um momento, e passou. Não vai deixar recall.
Mas existe hoje uma multipolaridade, que abre mais espaços ao Brasil. Ou o sr. imagina que a bipolaridade pode voltar com EUA e China?
Acho que o Brasil tem hoje um fator essencial, a sua agroindústria, que pode oferecer algo de que o mundo precisa, comida. Em mais três ou cinco anos, será uma potência energética, com o pré-sal. E é difícil imaginar que tenhamos um acordo de Doha, ou sobre meio ambiente, ou nos temas financeiros do G-20, sem participação do Brasil. Isso não faz dele uma potência global. Ele é um player regional, com implicações globais. Hoje há mais espaços para países médios, como Brasil, Índia, África do Sul.
E a invasão de produtos chineses, não preocupa os EUA?
Acho que isso preocupa mais a Fiesp do que Washington.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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