Com dólar baixo no Brasil e mão de obra barata em outros países, empresas cortam produção nacional
Jaqueline Falcão
SÃO PAULO. A combinação de dólar baixo e enxurrada de importações — principalmente da China — levou algumas fabricantes brasileiras de calçados a um gesto extremo: transferir parte da produção para o exterior, atrás de custos menores. Países como Índia, Nicarágua e República Dominicana vêm conseguindo fisgar tradicionais calçadistas ao oferecerem baixo custo de mão de obra e isenção de alguns impostos.
Em junho, o grupo Vulcabras- Azaleia iniciará a produção de cabedais (parte de cima dos calçados) em uma recémcomprada fábrica na Índia. A matéria-prima virá do Oriente.
As peças serão exportadas, depois, para o Brasil. Na semana passada, a empresa demitiu 800 funcionários ao encerrar a produção na unidade de Parobé, no Rio Grande do Sul.
Segundo o presidente do grupo, Milton Cardoso, a mão de obra mais barata foi um dos atrativos para a mudança.
— É muito mais barato lá fora. Por exemplo, com o que eu pago por uma hora de trabalho no Brasil, compraria 12 horas de mão de obra na China — compara Cardoso, também presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
No Brasil, nas unidades da Bahia e do Ceará, a Vulcabras- Azaleia vai produzir solados, palmilhas e montará os calçados.
A companhia conta com cerca de 44 mil funcionários. Os investimentos, em dois anos, serão de US$ 50 milhões. Já o número de funcionários na nova fábrica, na Índia, aumentará de mil para 5 mil.
No fim do ano passado, a Schmidt Irmãos Calçados, fundada em 1943, também fechou suas portas no Rio Grande do Sul para passar a produzir sapatos na Nicarágua. A Paquetá Calçados, fundada em 1945 e atualmente com 23 mil funcionários, abriu uma unidade na República Dominicana. Por enquanto, suas atividades no Brasil estão mantidas.
— Quem estava especulando sobre ir ou não ir para a República Dominicana é a Piccadilly.
Então, vemos que não é um fato isolado, é um movimento preocupante — afirmou o presidente da Abicalçados.
Cardoso cita que, em maio de 2009, o dólar valia R$ 2,20: — De lá para cá, os salários aumentaram 20% e o dólar caiu. E a nossa indústria, basicamente, é composta de custos de mão de obra. Estamos à porta de uma nova crise.
Este ano, foram geradas 17 mil vagas no setor. Nos quatro primeiros meses de 2010, empresas criaram 33 mil postos de trabalho. Mas a principal reclamação dos fabricantes de calçados se refere às importações, sobretudo de produtos chineses. As importações brasileiras somaram US$ 305 milhões em 2010. Em números, foram 28,68 milhões de pares vindos de fora no ano passado.
Os principais países de origem das importações são a China (32,8% dos pares de calçados) e Vietnã (25,6%).
O setor pede ainda ao governo a extensão do direito contra o dumping (preços artificiais abaixo do custo de produção para ganhar mercado) a calçados provenientes de Malásia, Vietnã, Hong Kong, Indonésia, Paraguai e Taiwan.
Esses países estariam praticando a chamada triangulação, que é “reexportar” um produto chinês para o Brasil.
— Há fraudes enormes nas importações. Já denunciamos ao governo federal, pedimos investigações, que ainda não se iniciaram. Nas estatísticas da China, estão registradas importações de 24 milhões de pares de calçados. Mas as estatísticas brasileiras apontam 7 milhões.
Isso é ilegal — denunciou o presidente da Abicalçados.
‘Estamos fazendo papel de bobo’
Segundo Cardoso, seria uma forma de burlar a tarifa antidumping de US$ 13,83 imposta aos calçados procedentes da China.
— Hong Kong e Taiwan já constam como grandes exportadores para o Brasil. Não há fábricas de calçados nesses dois países. Estamos fazendo papel de bobo.
A indústria calçadista brasileira produziu 894 milhões de pares de calçados no ano passado.
O número é 9,9% maior em relação a 2009, com um acréscimo de 80 milhões de pares, de acordo com um balanço divulgado ontem pela Abicalçados.
Em valores monetários, o setor produziu, em 2010, R$ 21,7 bilhões, aumento de 14,9% sobre o ano anterior.
Já as exportações dos calçados brasileiros apresentaram recuo de 34% em número de pares no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período de 2010.
FONTE: O GLOBO
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