A comissão de especialistas criada pelo presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP), para propor mudanças no pacto federativo está prestes a concluir seu
trabalho. Uma novidade a ser proposta é a mudança do Código Penal para tornar a
guerra fiscal um crime contra as finanças públicas. O agente público que o
cometer estará sujeito até a reclusão.
Presidida pelo ex-ministro Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), a comissão tem reunião marcada para 1º de outubro para concluir
a votação da proposta do relator, o ex-secretário da Receita Federal Everardo
Maciel.
Ao ser criada, a comissão definiu, como pontos de discussão, os critérios do
Fundo de Participação dos Estados (FPE), a regra de divisão dos royalties do
petróleo, a dívida dos Estados e a guerra fiscal. Ao longo das discussões, sete
outros pontos foram acrescentados.
Comissão do pacto deve propor cadeia para guerra fiscal
Uma vez aprovado, o documento será entregue a Sarney, que dará às propostas
tramitação legislativa. Ou não. O destino dos projetos dependerá da aceitação
política.
Everardo Maciel tem feito consultas a vários setores, para tentar aparar
arestas. Uma preocupação do relator é tentar "harmonizar" interesses,
ou seja, um Estado que perde com a nova divisão de royalties, por exemplo, deve
ser compensado com a repartição do FPE. E assim por diante.
A recente polêmica em torno do anteprojeto de Código Penal, também elaborado
por comissão de juristas e especialistas em diversas áreas, colocou em xeque
essa prática, que comum na gestão de Sarney.
Desde 2009, quando assumiu pela terceira vez o comando do Senado (está na
quarta gestão), o pemedebista já constituiu comissões de especialistas para
analisar quatro códigos: o de Processo Civil, o Penal, o Eleitoral e o de
Defesa do Consumidor. Além do grupo encarregado de estudar o pacto federativo.
"O Sarney quer virar o Justiniano, só que, em vez de produzir o
Digesto, produz o indigesto", diz o professor de direito penal da
Universidade de São Paulo e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique
Cardoso, Miguel Reale Júnior, referindo-se à obra que reúne textos jurídicos
romanos, compiladas por decisão do imperador Justiniano.
"Ele quer se imortalizar como o grande autor da legislação
brasileira", afirma. Para o ex-ministro, o critério da escolha dos
integrantes é o "de amizade" e nem sempre as pessoas são
familiarizadas com os temas. Acha que o "açodamento" com que algumas
dessas comissões trabalham pode comprometer o ordenamento jurídico.
Segundo ele, o anteprojeto de Código Penal, elaborado por comissão presidida
pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contém erros
técnicos graves e "não tem conserto". Um deles seria a exigência de
"ofensa" para haver fato criminoso.
Reale Júnior lembra que alguns crimes, como tráfico de drogas e porte de
armas, são de "perigo abstrato" e não têm ofensa potencial ou
efetiva. Entre vários outros problemas apontados não só por Reale, mas por
outros juristas também, é a disparidade das penas por omissão de socorro a
animal (de um a quatro anos) ou a criança abandonada (um mês).
Sarney evitou polemizar com o ex-ministro, a quem reconhece como
"grande autoridade em direito constitucional". Mas fez ironia.
"Os juristas que integram essas comissões são indicados pelos líderes
partidários e, se ele não fez parte, não foi por culpa minha. Simplesmente os
líderes não o indicaram."
A reação mais forte no Congresso em defesa do trabalho foi do senador Pedro
Taques (PDT-MT), relator de comissão de parlamentares que vai analisar o
anteprojeto do Código Penal. Taques classificou as críticas de Reale Júnior
como "deselegantes" e disse que elas mostram "arrogância,
empáfia e falta de respeito para com os juristas".
A criação das comissões de especialistas esbarra em resistências de setores
da sociedade e do Congresso. Há questionamento quanto a resultados e cobranças
por maior transparência nos gastos com viagens e estruturas bancadas pelo
Senado. Além disso, não é raro haver dois códigos tramitando simultaneamente, o
que é vedado pelo regimento.
A comissão que analisou o Código do Processo Civil foi presidida pelo
ministro Luiz Fux (STF). O anteprojeto já foi aprovado no Senado em dezembro de
2010 e está na Câmara dos Deputados.
A comissão que analisou o Código de Defesa do Consumidor, presidida pelo
ministro Herman Benjamin (STJ), apresentou, em vez de um anteprojeto, três
projetos de lei, atualmente sob análise de comissão de senadores recém criada.
A comissão que analisa o Código Eleitoral, presidida pelo ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), está com os trabalhos
temporariamente suspensos por causa das eleições e do julgamento do mensalão
pelo STF.
Nova comissão está prestes a ser instalada, para estudar a reforma da Lei de
Arbitragem e Mediação (Lei 9.307/1996), método alternativo de solução de
conflitos. A proposta foi do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL). O presidente
será o ministro do STJ Luis Felipe Salomão.
Essa ideia também é alvo de críticas de Reale Júnior, para quem não está na
hora de mexer com a Lei de Arbitragem, que está funcionando
"maravilhosamente bem". Renan, no entanto, diz que a legislação
precisa ser modernizada.
Sarney defende o trabalho das comissões de juristas, que, na sua opinião,
prestam um "serviço excepcional" ao país. Sobre a suposta intenção de
se imortalizar, diz que elas são requeridas, em sua maioria, por outros
senadores, embora sejam criadas por ato da presidência da Casa.
"A sociedade não pode ficar indiferente a essas tentativas de passar
com trator em cima da legislação brasileira, para gáudio do Sarney, o novo
Justiniano", afirma Reale Júnior.
O ex-ministro e seu pai, o também jurista Miguel Reale, participaram da
Comissão Afonso Arinos, criada por Sarney em 1998 para elaborar o anteprojeto
da Constituição. O anteprojeto não foi formalmente aproveitado pela Assembleia
Nacional Constituinte que aprovou o texto da Constituição de 88.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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