Os poderes devem ser independentes e também equipotentes, gostava de dizer o
ex-senador e ex-vice-presidente Marco Maciel, um estudioso das formulações de
Norberto Bobbio sobre o funcionamento da democracia. Mais de 20 anos depois da
restauração democrática, os poderes continuam sendo formalmente independentes,
mas, com alguma honestidade política e intelectual, deve-se reconhecer que a
equipotência vem sendo gradualmente dissipada. E que o poder que se enfraquece
é o Legislativo. Ao mesmo tempo que perde apoio e credibilidade junto aos
cidadãos, por conta dos desvios individuais ou coletivos que desacreditam a
instituição, vai tendo suas atribuições expropriadas pelo Judiciário, pelo
Ministério Público e outros contra-poderes. Mas, diga-se também, o próprio
Congresso contribuiu para esta situação. Por anos, foi complacente com práticas
que minaram seu prestígio e permitiu que o Judiciário avançasse sobre o papel
de legislar através de interpretações da Constituição e das leis.
Na quinta-feira, o senador Fernando Collor fez um longo e contundente
discurso sobre o tema, que comportou novos ataques ao procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, ante a revelação de que ele colheu um novo
depoimento de Marcos Valério, em segredo de Justiça, temporalmente coincidente
com a divulgação de um material pela revista Veja, que parecia, mas não era uma
entrevista. Foi atribuído a pessoa próxima de Valério, que teria apontado o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como chefe do mensalão. A contenda de
Collor com Gurgel vem da CPI do Cachoeira, quando representou contra o
procurador junto ao STF por não ter formulado denúncia contra o ex-senador
Demóstenes Torres e outros envolvidos na Operação Vegas, da Polícia Federal, só
o fazendo quando estourou a Operação Monte Carlo. O STF arquivou a
representação.
Mas, afora os ataques a Gurgel, que acusou de transformar a Procuradoria
Geral da República numa cafua a serviço de interesses políticos, Collor apontou
problemas que resultam na perda da equipotência, embora não tenha usado este
termo. O esvaziamento do Legislativo é uma ameaça à democracia, disse, ele,
apontando a absorção, por outras esferas de poder, das três funções precípuas
do Legislativo: fiscalizar, legislar e aprovar o Orçamento.
Em relação ao Orçamento, o Congresso recobrou com a Constituinte o poder de
emendá-lo (suprimido pela ditadura) mas, de fato, não tem qualquer controle
sobre sua execução, na medida em que se trata de mera peça autorizativa. O
governo executa o que bem entende, segundo seu pendor fiscal. As emendas
parlamentares são as migalhas da mesa, e são liberadas segundo critérios de
fidelidade. Com o já dito aqui, depois do julgamento do mensalão, o STF poderá
entender que as emendas também são peculato ou vantagem indevida.
A atividade fiscalizatória, disse Collor, vem sendo monopolizada pelo
Ministério Público, a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), a
mídia e o Tribunal de Contas da União (TCU) — que é auxiliar do Congresso, mas
atua de forma independente. É mais um contra-poder. Na tarefa de legislar, o
Congresso foi permitindo que se instaurasse uma situação em que o TSE legisla
por instruções sobre eleições e o Supremo sobre tudo, ao interpretar a
Constituição. No julgamento do mensalão, 10 juízes discursam como "pais da
pátria" sobre como deve funcionar a democracia , que contou fundamentalmente
com o Legislativo na construção de seus alicerces e pilares. Ulysses Guimarães
tinha uma frase para a diferença entre o poder que emana do povo e o
Judiciário: "O Supremo não tem rampa".
Enquanto isso, no outro vértice da Praça dos Três Poderes, um paradoxo marca
o Executivo. Trata-se, por um lado, de um poder prisioneiro do presidencialismo
de coalizão, obrigado a negociar a maioria com muitos e variados partidos. Mas
faz isso de forma imperial, jogando com a pendência que os deputados têm dos
favores federais para garantir suas eleições. E usurpa, também, o poder de
legislar, sufocando o Congresso com medidas provisórias, não deixando espaço
para a aprovação de leis de iniciativa parlamentar.
Por tudo, realmente estão a desejar tanto a independência quanto a equipotência.
Genoino terá tribuna
O ex-deputado José Genoíno, condenado pelo STF mas com penas ainda não
definidas, não deixará por menos. A partir de 1º de janeiro assumirá o mandato de
deputado federal como primeiro suplente, em função da eleição do deputado
Carlinhos Almeida para a prefeitura de São José dos Campos. "Vou cumprir
meu dever constitucional", diz ele. Ficará na Câmara alguns meses, até o
trânsito em julgado das sentenças. Nesse período, naturalmente fará uso intenso
da tribuna, segundo a linha já anunciada de acatar as decisões do STF, mas
questionando o julgamento e proclamando inocência.
Depois, caberá à Câmara conduzir o processo de perda de mandato, prevista no
artigo 55 para os deputados que sofram condenação judicial. É o que sustenta o
atual presidente, Marco Maia.
Fonte: Correio Braziliense
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