O momento em que vive a UFRRJ leva-me a apresentar o livro da colega Ana Lucia da Costa Silveira como professor da instituição. E falar para o seu principal público, pois nada melhor para nossa universidade, neste instante da segunda metade de 2012, recém eleito novo Reitorado, que a publicação de um texto dedicado justamente a sua expansão dos últimos tempos. Um crescimento em curso contínuo à medida que a Rural segue implantando as cotas estabelecidas pelo Congresso nacional em lei aprovada também em 2012.
A autora entrega a nossa comunidade universitária reflexões em hora ainda tensionada pelo processo eleitoral, quando podemos ver com nitidez que estratégias – formuladas em resposta ao desafio posto pelas eleições – foram vitoriosas das urnas. Vale relembrar como a questão apareceu na campanha eleitoral: seguir com a expansão tendo como norte alcançar a excelência que já caracterizou a instituição em outras épocas. Esta busca de qualidade é o cometimento a ser assumido agora – compromisso próprio do nosso trabalho – como um fim em si mesmo.
É hora para mobilizar energias acadêmico-universitárias para concretizar uma transição que ora se abre. Transição do ponto em que estamos hoje – após um considerável aumento de cursos de graduação em descompasso com acumulação amadurecida de conhecimentos e avanços investigativos – até o término do mandato da nova reitoria, quando, então, as lideranças da política universitária haverão de ser quadros do professorado jovem hoje ativos em nossos campi.
Do que nos vem falar este livro que nos ajude a pensar o momento presente? Ele revisita o passado, o tempo do pós-1964, quando a Rural foi levada a um crescimento de fins reestruturantes com o qual o ciclo expansivo trazido pelo REUNI guarda semelhança no sentido de ambos terem impulso determinante de fora do ambiente acadêmico-docente. O volume nos leva ao contexto de 1967, considerado pela autora como emblema de um padrão de subalternidade das relações da Rural com as estruturas governamentais, forçada em anos mais distantes e durante o regime de 1964; padrão que foi diminuindo a partir da anistia de 1979.
Naquele pós-64, as instâncias oficiais tentaram redefinir o perfil da Universidade, não em relação à sua vocação rural, constituída nos idos do Estado Novo a serviço da “Marcha para o Oeste” sem reforma do mundo rural. O “giro” do novo tempo autoritário por acréscimos de cursos – marcado por uma espécie de pedagogismo-difusionista – vinha na esteira da modernização conservadora da agricultura que os governos militares já promoviam. Realizada “pelo alto”, mantendo a estrutura fundiária, essa transformação agroprodutiva, como se vê depois, não pretendia pôr a universidade em posição de contribuir para o patrimônio científico - tecnológico do país.
A expansão promovida pelo REUNI lembra essa modalidade de crescimento. Ela igualmente advém movida pelos fins extra-universitários das oportunidades que o governo oferece às universidades e não de uma evolução interna da sua academia. O “condutor verdadeiro” da expansão, se por tanto podemos chamar o “sentido dos tempos” da Era Lula, “atuou” mobilizando o imperativo da inclusão social. Esta razão substantiva (no nosso caso, a incorporação da juventude de regiões mais pobres) guiou o alargamento do ingresso à Rural, determinando o seu ritmo.
A Rural acolheu de imediato, como devia fazê-lo, a proposição da inclusão social proveniente do programa governamental dirigido às IFES. Da perspectiva de hoje, vemos que, conduzidos pelos fatos, o nosso mundo propriamente acadêmico-universitário viveu o aumento dos cursos como um movimento quantitativo. Ao fim e ao cabo, estamos diante de uma realidade de grande significação para milhares de famílias dos jovens ora estudantes de uma instituição – brasileira e sustentada por verbas federais –, com todos os seus direitos, sobremaneira o direito à formação profissional da mais alta qualidade. As consequências da expansão concentrada em áreas não agrárias – usando aqui conceito antigo, pois o rural é bem amplo – ainda não levaram a uma reorientação do seu objeto de estudo multidisciplinar do rural, o que implicaria a saída da UFRRJ da cena nacional, seu lugar histórico.
Como muitas outras coisas na Era Lula, essa expansão do REUNI vem nos surpreender, pois, desde a redemocratização da passagem da década de 1970 aos primeiros anos 1980, se afirmara na Rural uma larga esfera de discussão político-universitária com presença de atores bem ativos – institucionais e associativos. A luta pelo exercício de autonomia de facto na vida da UFFRJ teve bastante êxito, permanecendo sua gestão, universitária e administrativa, cada vez mais nas mãos dos nossos protagonistas como professores-pesquisadores.
Não é uma conjectura negativista, muito pelo contrário, anotar que o mundo acadêmico como tal teve presença pequena na expansão da Rural. Esse tipo de participação pode ser cotejada na parte central deste livro, para onde com certeza primeiro irá o seu leitor da nossa comunidade. Suas páginas nos leva diretamente no interior da criação dos cursos, à medida que conhecemos os seus processos e outros elementos contextualizantes que compõem a narrativa da autora. O leitor encontra nessas páginas registro por demais expressivo do ciclo expansivo da Rural dos últimos tempos.
Confirmado por tal leitura, o baixo protagonismo da esfera acadêmica no que fazer real da Rural durante a expansão é uma questão – o livro não põe mas a deixa à percepção do leitor – de muito valor na hora presente, pois nesse tipo de protagonismo radicam as energias a serem mobilizadas. Não estaria demais insistir neste ponto.
A expansão do REUNI se desenvolve em tempos democráticos, com nossas instâncias departamentais e colegiadas, associativas, funcionando completamente livres e autônomas. No entanto, relembrando o emblema 1967, novamente se viu a presença do determinismo oficial. Ao entrar no ciclo expansivo, a administração central não apresentou condicionamentos à tese do aumento dos cursos; tese a cuja síntese, dados os fatos, hoje, nosso mundo acadêmico está chamado a pôr mãos à obra na consolidação da busca de excelência da nova Rural que sai da expansão.
Pressionados por tarefas redobradas, temos que prosseguir com o processo de inclusão. Agora avaliando a sustentabilidade do crescimento, definindo exigências acadêmicas diversas, equacionando as condições requeridas. Estas tarefas se põem a todos, tensionando nossa responsabilidade – aqui está o cerne da questão neste instante – em termos incontornavelmente acadêmico-universitários. O crescimento já não é uma questão de governo. O “escolão”, como se disse arriscadamente, é o perigo que nos ameaça. A rota do “escolão” é um rumo que a comunidade da Rural recusa com muita força.
Todavia, o tempo da expansão ainda não se encerrou. É de se esperar, por conta da lei de cotas, novos desdobramentos, agora mais consistentes, pois cada dia se dilui o momento carismático dos promotores iniciais do ciclo do REUNI. Há lugar para a reflexão sobre o caminho andado e para projetar cenários segundo parâmetros universitários. A conjuntura atual nos exige concretizar o lineamento traçado pela lei das cotas do Congresso Nacional, levar a bom termo a tarefa de incorporar mais contingentes de jovens a nossa Universidade.
Cf. Prefácio ao livro A vocação Rural da UFRRJ do tempo recente, editora ACM Guedes, Rio de Janeiro, dezembro de 2012. Raimundo Santos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
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