Além da convocação de uma Constituinte para mudar o sistema político e das medidas setoriais discutidas com governadores e prefeitos, a presidente Dilma Rousseff analisa também a reforma do ministério. O enxugamento do número de pastas está em discussão, mas a mudança que importa, se de fato ocorrer, será na equipe econômica. Entre os cenários traçados no PT e no governo está o deslocamento de Alexandre Tombini do Banco Central para o Ministério da Fazenda, no lugar de Guido Mantega, e a volta de Henrique Meirelles para o BC.
Outra mudança de fundo poderia ser o remanejamento de Aloizio Mercadante do Ministério da Educação para a Casa Civil, no lugar de Gleisi Hoffmann, virtual candidata do PT ao governo do Paraná, que sairia agora para começar a tratar de sua campanha. Mercadante passaria a exercer um papel que, na prática, já desempenha na coordenação política do governo. Há defensores e adversários dessa solução no Palácio Planalto.
Os cenários são voláteis e mudam com a mesma velocidade com que os protestos cresceram e emparedaram governos e partidos. Semana passada, Meirelles, pela manhã, e Mercadante, à tarde, foram apontados como prováveis futuros comandantes da economia do governo Dilma. A solução Meirelles no Banco Central e Tombini na Fazenda parece menos ofensiva, para a presidente da República, que a pura e simples nomeação de Henrique Meirelles.
Além de ouvir as ruas, é preciso compreendê-las
Entre o PT e os partidos aliados a mudança na equipe de governo é vista como uma chacoalhada necessária para o governo retomar a ofensiva política, perdida nos últimos dias pela onda de protestos e a queda, detectada antes das grandes manifestações, da popularidade de Dilma.
Há dúvidas, no PT e entre os aliados, se o pacote de medidas e de intenções da presidente Dilma Rousseff será suficiente para conter os protestos de rua. Provavelmente não. Propostas na área de transportes e mobilidade urbana podem unir os partidos, mas a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política divide e é de difícil execução, pois requer aprovação, por quórum qualificado, de uma emenda constitucional (para a convocação da assembleia).
Há divergência também sobre conteúdo. O PT quer financiamento público de campanhas, voto distrital misto e lista fechada, sistema que enfrenta a resistência de boa parte do Congresso, inclusive no aliado principal, o PMDB. A Constituinte exclusiva, sem falar das polêmicas jurídicas, não passa se os aliados sentirem o cheiro de "golpe" do PT para se manter no poder. Mas serve a Dilma quando a presidente joga nas mãos do Congresso a batata quente que recebeu das ruas.
Com a reforma do sistema político ou a mudança no ministério, o que está em jogo é a reeleição de Dilma. Agora, além da sombra de Lula, a presidente enfrenta a queda em seu índice de popularidade. Os partidos ainda não assimilaram as ruas. Mas o instinto da maioria diz que, no atacado, o grande efeito das manifestações será visto nas eleições de 2014. Mesmo que os protestos acabem hoje, o que não é provável.
É um jogo em que a presidente não deve esperar 100% da solidariedade do PT, o que não será novidade. Em 2005, quando seu governo chegou ao fundo do poço devido ao mensalão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de defender o mandato praticamente só. Deu a volta por cima, se reelegeu e deixou o Palácio do Planalto pela porta da frente.
Atualmente, do porteiro a integrantes da Executiva Nacional do PT, o que mais se ouve é que Dilma gastou em dois anos e meio todo o capital político deixado por Lula. Queixa-se de que Dilma voltou as costas para o partido e tomou como referência pessoas que não têm intimidade com a máquina. Exemplos citados: os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Fernando Pimentel (Desenvolvimento Indústria e Comércio) e Aloizio Mercadante (Educação).
É curioso que esse tipo de reclamação persista mesmo depois do curto-circuito na relação do PT com as ruas. É um discurso igual ao adotado pelo PMDB quando diz que determinado ministro não representa o partido no governo.
O que o PT talvez não veja ou não queira encarar é que seus antigos dirigentes foram condenados no julgamento do escândalo do mensalão, após 116 dias de julgamento, todos transmitidos ao vivo pela televisão, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os protestos podem indicar mais ainda: a aposentadoria política de toda a geração de 1968 e suas manifestações com líderes e partidos claramente identificados, bem diferente dos protestos sem carro de som e cartazes confeccionados a mão. Não houve UNE, CUT, MST, governos e nem partidos. Pelo contrário, estes foram barrados na entrada da festa: houve rejeição. É nisso - na reação aos partidos políticos e à política - que as atuais manifestações parecem com as que antecederam o golpe de 1964.
Na realidade, ninguém soube ler o significado do protesto que começou em São Paulo por causa de R$ 0,20 a mais na passagem do ônibus. De início, o governador Geraldo Alckmin saiu em defesa da polícia que reprimia com violência os manifestantes - e foi aplaudido. Esse é o fato. Só a progressão dos protestos mudou o tom dos editoriais. O prefeito Fernando Haddad dizia que só conversaria com os movimentos responsáveis pelo protesto quando eles parassem com as manifestações. O mesmo discurso dos governos que o PT sempre desqualificou como "de direita".
A ninguém ocorreu pensar que os protestos podiam não ser "por apenas" R$ 0,20 a mais que a população teria de pagar pela passagem do ônibus, mas pelo fato de os governos fazerem questão de tirar "apenas" R$ 0,20 do usuário de um transporte precário.
Dilma prometeu ouvir as ruas. "Meu governo está empenhado e comprometido com a transformação social", disse a presidente, por meio de uma cadeia de rádio e televisão. Resta saber se ao ouvir, a presidente vai compreender o que os governantes até agora não souberam decifrar.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário