O mundo rural brasileiro sofreu fortes transformações no período recente, que se expressam no espetacular dinamismo da produção agropecuária, deixando para trás as imagens do latifúndio improdutivo, de atraso e dependência do Estado. Ficaram mesmo para trás? Nem sempre, pois há um descompasso entre muitas interpretações vigentes e a realidade, o que contribui para alimentar preconceitos urbanos e políticas equivocadas e cegas às reais necessidades do meio rural contemporâneo. O artigo Sete teses sobre o mundo rural brasileiro, que os autores acima, associados a Eliseu Alves (Embrapa) e José Maria da Silveira (Unicamp), publicaram na Revista de Política Agrícola, resume as principais mudanças ocorridas em forma de teses.
1.ª Tese. Há uma nova fase do desenvolvimento agrário, marcada por mudança radical no padrão de acumulação de riqueza na agropecuária, que já não depende apenas da terra, mas principalmente de investimentos em tecnologia e infraestrutura nas propriedades, conhecimento, capital humano e capacidade de gestão.
2.ª Tese. A inovação é o no górdio da agricultura, cujos recursos escassos são pressionados pelo aumento da demanda de alimentos, matérias-primas e bioenergia, e cuja resposta é condicionada pela exigência imperativa da sustentabilidade. Fechar esta equação não é trivial e depende, fundamentalmente, de intenso esforço em inovação.
3.ª Tese. O desenvolvimento agrário brasileiro apresenta uma dupla face, De um lado, a dinâmica econômica concentra a produção cada vez mais e, de outro, aprofunda a diferenciação social entre os produtores. Nesse processo, muitas regiões e centenas de milhares de produtores vão se tomando inviáveis. A política pública atua de forma paliativa, incapaz de conter o avanço desta polarização.
4.ª Tese. A história não terminou, mas vai apagando o passado. Está sendo erodida a velha questão agrária, cujos dilemas produzir alimentos, fomentar o desenvolvimento industrial, melhorar a distribuição de renda foram superados pelas transformações rurais e já não dependem da redistribuição de terras. A pobreza rural é bem menor nas regiões dinâmicas do agronegócio e a superação dos problemas sociais não depende de redistribuição de terras, mas de investimentos em educação e infraestrutura, além da criação de oportunidades fora da agropecuária.
5.ª Tese. O papel do Estado mudou, mas esta notícia ainda não chegou a Brasília, onde as decisões são tomadas e para onde acorrem os produtores diante de qualquer adversidade. Persiste uma relação clientelista entre o Estado e os produtores. Aquele atende emergências, mas é incapaz de remover os verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento sustentável agropecuário da incerteza jurídica à regulamentação apropriada, dos acordos comerciais ao caos logístico, da inovação tecnológica à difusão do conhecimento.
6.ª Tese. Mantêm-se contextos perversos no mundo rural, fruto da concentração de renda e poder e da negligência secular do poder público. O resultado é um abismo entre o rural e o urbano, expulsando os jovens do campo. Alguns, por falta de oportunidades para ficar. Outros, porque querem sair e buscar novas chances nas cidades. No lugar de preparar os jovens para migrarem sem traumas, a política insiste no discurso vazio da permanência no campo, e recria o minifúndio por meio da reforma agrária.
7.ª Tese. A "argentinização" do campo brasileiro. Inexiste uma política de desenvolvimento rural, assim consolidando em muitas regiões uma "via argentina" de desenvolvimento, marcada por esvaziamento demográfico e domínio de uma eficiente agricultura de larga escala, mas que talvez não seja suficiente para manter o dinamismo das últimas décadas no interior do País.
Apesar de evidências consistentes, os autores consideram as teses como hipóteses que pretendem estimular um amplo debate sobre o tema. Se vali dadas, terão (ou deveriam ter) profundos efeitos sobre as interpretações e ações governamentais que focam o mundo rural.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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