O acordo do presidente Lula com a direção do PMDB – após o desmonte do escândalo do mensalão – converteu esse partido no sustentáculo básico dos governos petistas no Congresso (inclusive para a barragem de novas CPIs, como a que gerou o referido escândalo), em troca da participação de peemedebistas na máquina federal. Participação que cresceria no segundo mandato de Lula e se re-forçaria, simbolicamente, com o nome de Michel Temer como vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff, em 2010. E que, nos governos de Lula, tinha seu peso político reduzido pela tática do ex-presidente de dividi-la em duas – a representativa do polo dos senadores e a do polo dos deputados, de modo a mantê-los separados e até, algumas vezes, contrapostos. Essa tática, que Temer empenhou-se em esvaziar no governo Dilma, logrando razoável unidade na direção nacional com afirmação do papel do presidente, foi retomada agora em face do choque entre a chefe do governo e a bancada peemedebista da Câmara. Cujos efeitos (entre os quais o desgaste de Temer), na relação Executivo/Congresso e nas negociações de alianças para a disputa presidencial e para os palanques estaduais, levam à remontagem por Lula do polo dos senadores no qual conta com dois aliados de peso: Renan Calheiros e José Sarney (até pela grande dependência de um e outro em relação ao apoio do PT a seus palanques eleitorais em Alagoas e Maranhão).
Esse balanço, resumido, do começo e dos desdobra-mentos da aliança do PMDB com os governos petistas deixa evidentes as bases em que ela se apoia: a troca de respaldo político e institucional por uma presença forte do par-tido na máquina federal (em ministérios e estatais, que contemple os interesses políticos e eleitorais das lideranças representativas da federação partidária que ela constitui. Tal troca (que já existia no segundo governo FHC, em grau e com implicações políticas bem menores) gerou a dupla imagem do PMDB – a de peça chave do chamado presidencialismo de coalisão; e, por causa dos critérios com que ela se processa, a de um partido dominado pelo fisiologismo. Esta, a destacada agora pela presidente Dilma para desqualificar o descontentamento com o governo da maio-ria da bancada peemedebista na Câmara dos Deputados e do seu líder Eduardo Cunha.
Na verdade, porém, o choque entre o Palácio do Planalto e crescente número de parlamentares e lideranças do PMDB, inclusive senadores, não decorre do propósito destes de aumentar, nem mesmo de preservar, tal presença, mas de um objetivo central bem diferente: defesa e reforço do papel do partido no Congresso (do comando que hoje exerce das mesas das duas Casas). Que dependem de palanques estaduais que favoreçam a eleição de governadores e, sobretudo, de grandes bancadas de deputados e senadores. E que enfrentam a maior ameaça à vista: a ofensiva do PT com os mesmos, e excludentes alvos, especialmente o de preparar a conquista do comando da Câmara, para cuja presidência, na renovação em 2015, o petista André Vargas já antecipa candidatura. Como parte de projeto tregemônico de que já tratei em edição anterior do Top Mail.
E a subordinação daquela presença a esse objetivo principal e prioritário é explicitada com pragmáticos e consistentes argumentos por Eduardo Cunha: enquanto os petistas contam com 17 ministérios, os mais importantes, e amplo predomínio nas estatais e em milionários fundos de pensão, seu partido está à frente de apenas cinco pastas de primeiro escalão, e praticamente todas sob controle de secretários-executivos do PT; a preservação delas (ou o aumento de mais uma, em troca do sacrifício de candidatura competitiva como a do senador Eunício Oliveira, ao governo do Ceará), tem pequena ou nenhuma importância num fim de governo, tendo por isso sido rejeitadas ofertas da indicação de substitutos para parte dessas pastas; e o espaço político e administrativo do PMDB no próximo governo– seja ele o da presidente reeleita, ou o de um oposicionista – refletirá a expressão eleitoral da legenda nos pleitos de outubro. Principalmente para a composição do Congresso.
Os fatos de ontem na Câmara – o rechaço da tentativa do Palácio do Planalto para isolamento de Eduardo Cunha, com o respaldo a ele de toda a bancada que lidera e do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves; a confirmação de nova postura independente da bancada em relação à base governista; e a criação de comissão parlamentar para acompanhamento das investigações sobre denúncias de propina paga por empresa holandesa a funcionários da Petrobras, com base em proposta do PSDB aprovada por 267 votos de deputados peemedebistas e de outros partidos da “base aliada”, contra apenas 28 do PT e do PC do B – esses fatos, articulados com a reiteração de recusa dos senadores Eunício Oliveira e Vital do Rego à insistência de convite para cargos ministeriais, agravam seriamente as relações do Executivo com o Congresso, reforçam a montagem de palanques estaduais do PMDB desligados de aliança nacional com o PT e ampliam as desistências existentes nas bancadas federais e em vários diretórios à manutenção dessa aliança em convenção partidária, antecipada ou não. Que, embora continue sendo provável, custará muito caro ao Planalto e exigirá esforço concentrado do ex-presidente Lula.
Jarbas de Holanda é jornalista
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