- O Globo
Ninguém tira do governo do PT o mérito do Bolsa Família, a universalização de uma renda básica para os mais pobres. Ninguém tira do PSDB a estabilização da economia, passo fundamental que tornou outros avanços possíveis. Ninguém tira de Marina Silva ter revertido a curva de desmatamento com instrumentos que fizeram efeito mesmo depois de sua saída do governo.
A ação dos marqueteiros embaralha tudo e faz uma simplificação grosseira do que se passou no país. Justiça seja feita, o marketing da candidata à reeleição tem sido o mais lesivo à compreensão do que há de verdade nas transformações do Brasil nos últimos anos e de quais são os novos riscos. A sociedade brasileira fez escolhas civilizatórias, e as travessias foram conduzidas por líderes diferentes, cada um em uma etapa do processo.
O passo sem o qual outros passos não seriam possíveis foi a vitória sobre a hiperinflação, em 1994, no governo Itamar Franco. Naquele momento, foi o PSDB que atendeu ao chamado do vice-presidente que assumia em situação de caos econômico e desmonte da base parlamentar montada pelo presidente que caíra. Itamar quis fazer um governo de união nacional, mas o PT foi contra. Luiza Erundina que o diga, suspensa, e depois tendo que sair do partido por integrar o governo que garantiu a governabilidade em momento de extremo risco.
Foi Fernando Henrique, como se sabe, que convocou, mobilizou e liderou os economistas que deram a mais importante contribuição para a organização da economia brasileira das últimas décadas; que conseguiu limpar entulhos econômicos deixados pela ditadura, como a superindexação da economia. Foi após o real que os governantes, as famílias e as firmas puderam se organizar. Com a inflação descontrolada, o país andava em zigue-zague num nevoeiro.
O PT foi contra tudo aquilo que se fez para modernizar o país: o Plano Real, o saneamento dos bancos através do Proer, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a privatização de empresas e as concessões, o sistema de metas de inflação. Foi até contra o Fundef e o início do sistema de avaliação da educação implantado pelo então ministro Paulo Renato. Isso é história do Brasil. Está registrado nos anais políticos do país.
No poder, como todos sabem, o PT adotou parte do programa que repudiou. Manteve de início as bases da estabilização, que hoje mina com erros sucessivos. Transformou o Fundef em Fundeb, mudou os sistemas de avaliação da educação e hoje atribui a si a existência dos indicadores. Paulo Renato, quando iniciou seu projeto de testar a qualidade da educação, enquanto universalizava o ensino fundamental, foi combatido pela então oposição.
Os projetos de Bolsa Escola foram importantes como testes de políticas públicas, mas a amplitude que ele assumiu através do Bolsa Família foi uma política implantada pelo PT. Há correções a fazer, nenhuma política pode ficar estagnada, mas ela criou a grande rede de resgate dos pobres e extremamente pobres do Brasil. O PT ouviu o clamor da sociedade - que começou com Betinho, como bem lembrou Flávia Oliveira - de ter vergonha de ser um país com tantas riquezas e tantos pobres. O Bolsa Família nem sempre foi entendido pela elite, mas essa política pública nos levou a novo patamar de respeito ao cidadão. A queda dos pobres e miseráveis começou após o real, mas ganhou velocidade com as novas políticas sociais. Só a educação pública de qualidade, no entanto, nos levará ao futuro almejado de sólido desenvolvimento social.
Quando Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente, a devastação do nosso maior bioma era dramática. Avanços haviam ocorrido no governo de Fernando Henrique, em ações que Marina apoiou mesmo sendo oposição. Foi, no entanto, a capacidade dela no Ministério de mobilizar esforços de uma infinidade de atores que queriam combater o desmatamento, e as decisões que tomou, que mudaram o quadro da floresta. O Brasil também tinha se envergonhado de tanto desmatamento e foi ela a líder que conduziu o país neste processo ainda inconcluso.
O fato é que o Brasil avançou na democracia por força de líderes diferentes. Há riscos, distorções e novas urgências. Quando a eleição passar, talvez haja espaço para um balanço racional do que conquistamos e, mais importante, do que falta fazer.
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