• Candidata lança mão de filósofos, psicanalistas, escritores e dramaturgos para justificar escolhas políticas e pessoais
Mariana Sanches – O Globo
SÃO PAULO — Hannah Arendt, Freud, Lacan, Edgar Morin, Zygmund Bauman, Shakespeare. Todos eles sobem ao palanque junto com Marina Silva. Cotidianamente, a candidata do PSB lança mão de conceitos de grandes pensadores para justificar suas escolhas políticas e trajetória pessoal.
Para explicar como Eduardo Campos passou de ilustre desconhecido das massas a uma morte chorada nacionalmente em poucas horas, por exemplo, Marina aplica o conceito de “sentido” do psicanalista francês Jacques Lacan. Para Lacan, o significante surge muito antes do sentido. E o sentido surge antes da compreensão:
— As pessoas só foram conhecer as ideias de Eduardo depois que ele estava morto — diz Marina, concluindo a analogia entre a realidade e a psicanálise.
Ela define sua candidatura à Presidência a partir de uma citação do escritor francês Victor Hugo: “Nada mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”. E explica os termos de sua oposição a Dilma e Aécio apoiando-se em Shakespeare:
— Shakespeare disse que o contrário de injustiça não é justiça, é amor. Porque toda justiça que não se faz por amor é vingança. Ser oposição, ter uma candidatura concorrente, não é combate, é debate.
De Hannah Arendt, a autora do conceito de “banalização do mal” em análise do comportamento dos alemães no regime nazista, Marina toma de empréstimo a noção da vida feita em ciclos para justificar suas decisões de sair do PT e de tomar um remédio experimental, que poderia matá-la, para tratar sua contaminação por metais pesados. Em um artigo sobre a filósofa alemã de origem judia, Marina escreveu ano passado:
“Hannah nos sussurra a coragem de seguir a nossa consciência sem nos deixar ensurdecer pelos que profetizam a ausência de futuro e nos querem fazer acreditar que a história termina neles. ‘A Condição Humana’, expressa sua esperança, nosso legado: ‘Os homens, ainda que devam morrer, não nasceram para morrer, mas para recomeçar.’
— A Marina adquire palavras, ela gosta de construções sintáticas, das frases — explica Jane Vilas-Boas, assessora da candidata há 16 anos.
Marina é descrita por aliados como workaholic. Não desgruda dos livros nos voos (até porque a distraem do medo de voar). Para ler na cama sem prejudicar a coluna, mandou fazer uma almofada especial. É comum que passe a noite acordada.
— Aconteceu várias vezes de eu chegar para buscá-la às 7 da manhã e ela perguntar: ‘Já amanheceu?’ — diz Jane.
Depois que aprendeu a ler, aos 16 anos, Marina não parou mais. Chegou a burlar as ordens da madre superiora do convento onde passou pouco mais de um ano da juventude para ficar acordada até tarde com seus livros.
O teatro lhe trouxe o primeiro substrato teórico de esquerda, com o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, Morte e Vida Severina, do João Cabral de Melo Neto, além de várias obras do dramaturgo alemão marxista Bertold Brecht.
Aos 22 anos, quando entrou no curso de História, na Universidade Federal do Acre, teve que se esforçar para superar a defasagem de sua Educação, feita no Mobral e no supletivo. Em conversa recente com empreendedores, Marina contou que ficava até altas horas da noite tentando entender o conflito epistemológico entre Marx e Hegel, com um filho no colo, e na companhia do amigo Binho Marques. Segundo Binho, ex-governador do Acre, Marx ganhou o conflito na cabeça dos dois e serviu para justificar o engajamento político de ambos.
Sua militância marxista, no entanto, seria continuamente suavizada até que ela rejeitasse a bipolarização social entre proletários e proprietários, excluídos e incluídos, no fim da década de 1990. Para tanto, ideias do francês Edgar Morin, com quem ela cultiva relação pessoal, foram fundamentais.
Morin cunhou as noções de “Pensamento Complexo” e de “Diálogo dos Saberes” para explicar que é preciso reagrupar os conhecimentos e as pessoas para entender o universo. O pensador procura se distanciar da divisão do mundo em classes ou em noções maniqueístas, recusa oposições clássicas.
São essas ideias que permitem a Marina dizer que Chico Mendes, sindicalista e seringueiro de origem humilde, também é elite e congregar, em um mesmo programa de governo, ideias de economistas de polos ideológicos opostos, como Eduardo Gianetti e José Eli da Veiga.
Depois de sua conversão, além da Bíblia, Marina passou a ler o best-seller americano Philip Yancey. Com 14 milhões de cópias vendidas e obras traduzidas para 25 idiomas, Yancey é um hit entre os evangélicos com seus livros “Decepcionado com Deus” e “Maravilhosa Graça”, já incluídos entre os cerca de cinco mil livros que compõem a biblioteca de Marina, em Brasília.
Quando não lê, Marina escreve. Em 2007, em uma visita a um museu na Noruega, se impressionou com o clássico de Edvard Munch, “O Grito”. Gastou aquela madrugada escrevendo um poema sobre ele.
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