Raymundo Costa - Valor Econômico
BRASÍLIA - Apesar da grita do governo, deve ser atribuída a mais uma trapalhada da Casa Civil da Presidência da República a indicação do ministro Gilmar Mendes para relator das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não há nenhuma conspiração por trás da escolha de Gilmar, ministro que é visto como um adversário político pelo PT. No máximo, a reação de um poder à interferência que considerou indevida por parte do Executivo.
Quando estava prestes a vencer o mandato do ministro Henrique Neves, relator das contas de Dilma, o presidente do TSE, ministro José Antonio Dias Toffoli, alertou a Casa Civil para a necessidade de recondução do juiz ou indicação de outro nome para o posto. Do contrário, ele, Toffoli, teria de redistribuir os processos que estavam em mãos de Neves.
O tempo passou e às vésperas do vencimento do prazo para a recondução ou indicação de um novo ministro Toffoli voltou a chamar a atenção da Casa Civil. A presidente estava viajando para a reunião do G-20, na Austrália. O vice-presidente Michel Temer poderia assinar a recondução, mas a Casa Civil, onde a advertência de Toffoli era vista como puro lobby para a recondução de Neves, fez jogo duro.
Na queda de braço com Toffoli, a Casa Civil argumentou que o Regimento Interno do TSE previa a hipótese e a solução para o caso: os processos deveriam ser repassados ao suplente do ministro Neves, um advogado da confiança do Palácio do Planalto, segundo apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.
Toffoli considerou a posição da Casa Civil arrogante e nada republicana, pois o que o ministério de Aloizio Mercadante queria era dizer como o tribunal deveria se posicionar e interpretar seu próprio regimento. Era um poder interferindo no outro.
Em menos de 24 horas, vencido o prazo para a indicação, Toffoli redistribuiu os processos de Neves. O governo deu azar no sorteio e o processo das contas da campanha eleitoral da presidente foi parar justamente nas mãos de Mendes.
Mendes é visto no Planalto e no PT como um ministro ligado ao PSDB - ele foi indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF) no governo Fernando Henrique Cardoso. Apesar das rusgas entre PT e Mendes, o ministro em geral votou com o governo. A tensão se agravou quando Gilmar Mendes, depois de uma reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vazou informações de que Lula fizera uma sondagem sobre o seu voto na AP 470, que julgou e condenou os réus do mensalão.
Coube ao procurador Eugênio Aragão verbalizar os argumentos da Casa Civil num recurso ao TSE contrário à redistribuição realizada por Dias Toffoli. Segundo o procurador, o parágrafo 8º do artigo 16 do Regimento Interno do TSE determina que, em casos de vacância do ministro efetivo, os processos serão encaminhados para o "ministro substituto da mesma classe". No caso, um representante dos advogados. Gilmar Mendes integra a corte eleitoral como ministro do STF.
Dias Toffoli vai submeter o recurso do procurador Eugênio Aragão ao colegiado do TSE. O presidente do tribunal disse a interlocutores que considera sua decisão acertada, tomada com base no Regimento Interno, mas que está pronto para a decisão dos colegas. O ministro não esconde sua irritação com o que considerou uma interferência indevida da Casa Civil em assuntos internos do Tribunal Superior Eleitoral, como é o caso da interpretação do regimento.
Tão logo se apossou do processo, Gilmar Mendes tocou adiante as providências necessárias para julgá-lo no prazo previsto, que é 25 de novembro. A grita no governo é que Mendes pode se apegar a qualquer detalhe da prestação de contas, para desgastar o PT e o governo. No limite, se as contas não forem aprovadas, a posse da presidente em novo mandato poderia ser impugnada. Um exagero, pois uma decisão desse calibre não depende apenas da deliberação de um ministro, mas do plenário do tribunal eleitoral, sem falar dos recursos cabíveis à suprema corte.
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